Olhos vivos de quem tem muitos sonhos guardados e está à procura de caminhos para realizá-los. Os cabelos crespos, cacheados, com tranças e dreads anunciam o orgulho que as une. Um grupo de aproximadamente 30 adolescentes, sentadas em semicírculo em uma sala de dança, escuta atentamente Aminata Sy, diplomata americana criada no Senegal que, há apenas dois anos no Brasil, fala um português quase perfeito.
Ao lado dela, outras mulheres negras profissionais do serviço internacional completam a fileira de convidadas ilustres, que se sentam em carteiras escolares para contar suas trajetórias e escutar as ambições de alunas entre 15 e 17 anos.
"Queremos ouvir vocês, saber quais são os seus sonhos e o que vocês querem fazer para transformar o mundo", são as palavras com as quais Izete Santos iniciou a conversa. A educadora e presidente do Instituto Josefina Serra, organização civil voltada à promoção da equidade de gênero e raça, que organiza o evento em parceria com a Embaixada dos Estados Unidos em Brasília, explica que o projeto é uma iniciativa inovadora: "Levamos a Embaixada dos EUA para a periferia da cidade, e eu nunca vi isso acontecer antes. São dias que entram para a história da vida dessas garotas e de toda a escola."
Neste ano, a palestra foi realizada no Centro de Ensino Médio 3 de Taguatinga e fez parte da programação do bicentenário de relações diplomáticas entre Brasil e EUA. Mas nem estudantes, nem corpo diplomático parecia se importar muito com as formalidades da celebração — o foco era a troca entre mulheres e meninas negras, de coração para coração.
A emoção das garotas ao abraçar as profissionais, ao final do evento, comprova que o objetivo foi alcançado. "Queria agradecer por existirem mulheres como todas vocês que nos dão mais incentivo para a gente sonhar de verdade, sonhar para vida toda. Porque permanecer sonhando é muito difícil por aqui, e vocês mostram que vale a pena insistir no sonho. Ouvir essas histórias e todos esses planos para o futuro, das minhas amigas, é uma grande inspiração", resumiu Laís Santos, 16 anos.
Exemplo africano
Aminata é secretária para assuntos políticos da representação americana no Brasil e idealizou o projeto assim que chegou à cidade. Seu objetivo é incentivar meninas negras, de famílias pobres, que, como ela nessa idade, precisam de incentivos para vislumbrar um futuro para além das limitações que a sociedade as impõem, e apresentar o serviço internacional como um caminho para isso.
Por dois anos seguidos, ela visita escolas e conta sua história de vida, compartilha dicas de estudo e ingresso em carreiras internacionais, além de, junto à equipe da embaixada, apresentar oportunidades de estágio e intercâmbio que o governo dos EUA oferece a estudantes de escolas públicas brasileiras.
A diplomata emigrou para os Estados Unidos já adulta, casada, sem falar uma palavra em inglês e sem completar o ensino básico. Mais tarde, para acompanhar nos estudos os três filhos nascidos no novo país, voltou a estudar, se formou bacharel em relações internacionais pela University of Pennsylvania e mestre em políticas públicas pela American University.
Entendendo, na pele, as dificuldades que imigrantes africanos enfrentam para se incluir economicamente e culturalmente na sociedade americana, antes de entrar para a diplomacia, fundou a organização sem fins lucrativos African Community Learning Program, voltada ao ensino do inglês para esse público.
"Quando cheguei aqui, quis continuar esse trabalho, mas no contexto do Brasil. As pessoas negras aqui no Brasil e nos Estados Unidos têm muitos desafios, e eu sei que minha experiência, meu caminho de vida, pode inspirá-las. É importante ter uma pessoa negra que compartilhe sua jornada pessoal para que uma outra pessoa jovem possa pensar: talvez eu também consiga", diz Aminata.
Se dirigindo às estudantes, ela contou que quando morava no Senegal, jamais poderia supor que, um dia, se tornaria diplomata americana, mas a educação abriu caminhos inimagináveis. "A educação pode mudar sua vida, mas também a sua comunidade. Pensem como vocês podem contribuir, nas suas famílias e vizinhanças, para melhorar as coisas. Nossas comunidades negras têm muitos desafios e vocês têm um papel importante nelas", sugeriu.
Em sua opinião, o racismo enfrentado pelas meninas na plateia é mais difícil de ser combatido, pois é velado. "Nos EUA, falamos abertamente sobre o racismo, temos problemas, mas estamos lutando abertamente contra isso. Assim, se pode mudar as coisas muito mais rapidamente. Aqui, especialmente por parte da sociedade civil e, agora, com o Ministério da Igualdade Racial, existe um trabalho muito duro para melhorar a vida da população negra, mas, lá, há uma história muito longa de luta por direitos civis", comenta.
Itamaraty inclusivo
Rafaela Fontes, segunda secretária da carreira de diplomata do Ministério das Relações Exteriores (MRE) do Brasil, comentou, emocionada, que voltar a uma escola e ver tantas meninas usando seu cabelo natural a alegrou, pois simboliza uma mudança em curso no país. "Na minha época, isso não era comum. Eu era bolsista em uma escola particular e, como uma pessoa parda, era vista como peixe fora d'água naquele ambiente. Usava meu cabelo cacheado solto e, um dia, a professora chamou minha mãe e disse que eu tinha a aparência de suja. Então, passei a ir para a aula de cabelo preso", lembrou. "Esse ódio racial prejudica muito o desempenho escolar de estudantes negros."
Idealizadora do programa de mentoria Mônica de Menezes Campos, programa batizado em homenagem à primeira pessoa negra a se tornar diplomata no país e voltado a auxiliar mulheres pretas e pardas em seus estudos para o concurso de admissão à carreira, Rafaela diz que pretende mais do que oferecer informações sobre uma possibilidade profissional de prestígio, mas incentivar a diversidade nos quadros do Itamaraty.
"Essa é uma profissão legal, mas mais legal é o que vocês podem trazer para ela. Tradicionalmente, essa é uma carreira ocupada pela elite mundial, ou seja, homens brancos. Apenas 3% da diplomacia brasileira é feita por mulheres negras. Quando você tem um corpo diplomático em que todas as pessoas frequentaram os mesmo lugares, pensam igual, têm as mesmas vivências, as soluções que surgem são limitadas e sempre as mesmas. Isso é ruim para diplomacia do Brasil e para a imagem do país lá fora", afirmou às adolescentes.
Francyelle Souza Lima, 16 anos, se sensibilizou com o chamado da profissional. A menina pensa em fazer jornalismo, mas se interessou pela diplomacia: "Achei linda essa carreira, até me emocionei. Vou querer saber mais, porque é uma profissão que pode me abrir caminhos para muitos conhecimentos diferentes, para conhecer muitas culturas, que é o que eu gosto."
Melissa Silva Aguiar, 16 anos, quer ser advogada e sonha com uma carreira na Polícia Federal. A estudante diz que ver que mulheres como ela estão ocupando postos de destaque a fortalece: "Conhecê-las, saber que estão no comando, dá orgulho de falar que somos mulheres pretas e empoderadas, e que a gente pode alcançar o que quiser."
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