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Estrangeirismo

Anglicismo: por que vocabulário em inglês está sendo evitado por multinacionais

O uso exagerado de termos estrangeiros no ambiente corporativo vem sendo combatido por empresas que entenderam a tendência como um obstáculo à comunicação eficiente

Briefing, approach, CEO, commodity, deadline, feedback, brainstorm, workshop... A lista de palavras estrangeiras que se tornaram comuns no mundo corporativo só cresce. A globalização do trabalho e o uso de tecnologias digitais, normalmente desenvolvidas em língua inglesa, facilitou a comunicação com profissionais de todas as partes do mundo e introduziu, de uma vez por todas, outros idiomas em nosso cotidiano.

Mas o uso exagerado de termos em inglês na comunicação corporativa pode se tornar uma barreira para um grande número de brasileiros. De acordo com um recente estudo desenvolvido pela Statista, empresa alemã especialista em coleta e visualização de dados, por volta de 1,5 milhão de pessoas no mundo falam inglês nativamente ou como segunda língua. São indivíduos que correspondem a 17% da população global, o equivalente ao total de habitantes de Brasil, China, Estados Unidos, Índia e Rússia juntos.

Apesar de ser a língua mais falada em escala global, aqui, no Brasil, a realidade é diferente. Na edição de 2023 do Índice de Proficiência em Inglês da EF EPI (Education First English Proficiency Index), que classifica 113 países e territórios por suas habilidades no idioma, o Brasil ocupa a 70ª posição do ranking.

O nível conhecimento da língua varia de acordo com a geração, classe social, grau de instrução e até área de atuação profissional. E, no momento que esses mundos se cruzam, a comunicação, carregada de palavras estrangeiras, pode se tornar confusa e incoerente.

Algumas profissões, como o marketing, exigem um conhecimento mínimo de inglês,devido ao uso comum de termos ainda sem tradução no dia a dia das agências e departamentos. Abandonar ou não esse vocabulário e traduzir os conceitos da área ainda é uma discussão que divide opiniões.

Nossa língua

A multinacional WestRock, especializada na produção de papéis e embalagens e atuante no Brasil há 80 anos, adotou a postura de reduzir o estrangeirismo no ambiente corporativo e melhorar a comunicação interna. A empresa criou, em 2023, o projeto “Descomplica — fala simples”, uma iniciativa para reduzir o uso de palavras em inglês em suas operações no Brasil.

A motivação para a criação do projeto surgiu devido a um episódio no qual a palavra “increase”, aumentar em português, que era rotineiramente usada em apresentações e palestras internas, foi interpretada de forma errada como “em crise” por um funcionário.

O incidente demonstrou a necessidade de reavaliar o uso de termos estrangeiros em um país que apenas uma minoria fala inglês fluentemente. Visando avaliar o emprego de termos em inglês, acrônimos e siglas, o projeto envolveu não apenas a educação da liderança, mas também a disseminação dessa nova mentalidade entre todos os funcionários de diversas unidades pelo Brasil. Como resultado, notou-se uma melhora significativa na comunicação interna, com uma atitude mais proativa por parte das chefias na explicação das demandas.

Divulgação/WestRock - O Descomplica não é sobre traduzir tudo para o português, mas, sim, trazer o discurso para uma forma simples, que todos entendam" Cynthia Wolgien, diretora de comunicação WestRock Brasil

Cynthia Wolgien, diretora de sustentabilidade e comunicação corporativa da WestRock Brasil, afirma que o objetivo da empresa é se tornar a melhor de seu ramo, mundialmente, logo, contatos internacionais são indispensáveis. Mas o “Descomplica - Fala Simples” foi a solução encontrada para melhorar a comunicação interna da multinacional, onde o inglês é usado diariamente.

“O Descomplica não é sobre traduzir tudo para o português, mas, sim, trazer o discurso para uma forma simples, que todos entendam”, explica a diretora. A campanha passa pelo maior uso do português, quando possível, mas também pela disponibilização de um glossário contendo o significado das principais palavras e siglas em inglês que não podem ser traduzidas. “Essa conscientização coletiva criou um clima de contribuição. Dentro de uma reunião, é importante enfatizar essa preocupação do líder querer que o funcionário entenda plenamente o que está sendo falado para que ele também se sinta incluído e parte da empresa”, diz Cynthia.

Divulgação/ WestRock - Cinara Coelho, analista de responsabilidade social da WestRock, conta que já teve dificuldades para acompanhar reuniões pelo uso excessivo do inglês

Apesar de ainda recente, o Descomplica agradou funcionários, que elogiaram o programa em reuniões e formulários de avaliação. Cinara Coelho, analista de responsabilidade social da WestRock de Três Barras, em Santa Catarina, diz que, por não ser familiarizada com o inglês, sentia dificuldade em participar de conversas ou reuniões na multinacional. “Houve ocasiões que eu tive dificuldade para participar das conversas. Isso, muitas vezes, resulta em a gente não conseguir dar uma contribuição mais ativa. Agora, a informação chega de uma forma mais igualitária”, conta.

A analista relata que o projeto impactou positivamente no seu desempenho profissional: “Eu achei fantástico! O Descomplica facilitou muito a compreensão das informações. Para nós que estamos nas unidades, tornou a comunicação mais acessível, mais clara. Eu vejo isso no meu trabalho e acredito que também no dos meus colegas.”

Equilíbrio

Arquivo pessoal - "Eu considero que o equilíbrio é importante " diz Maurício Carvalho, gestor de marketing e administrador de empresas

Ser bilíngue pode abrir portas para oportunidades únicas, mas saber qual linguagem usar também é importante, de acordo com o gestor de marketing e administrador de empresas Maurício Carvalho. “O estrangeirismo, usado em demasia, torna-se maléfico para o ambiente corporativo. Eu considero que o equilíbrio é importante”, diz.

Maurício enfatiza que o uso recorrente de termos em inglês que não são amplamente conhecidos no país pode causar um efeito oposto ao esperado: ao invés de causar uma boa impressão, gera antipatia. “Podepassar a impressão, para colaboradores e até mesmo possíveis clientes, de arrogância, de prepotência por parte do locutor, o que não é benéfico para o processo de comunicação”, pondera.

O especialista lembra que uma boa comunicação é aquela que é entendida pelo público -alvo da mensagem, ou receptor. Se isso não acontece, ela precisa ser trabalhada, ou até mesmo simplificada, para que o processo de transmissão da informação aconteça, de fato

Pensando nisso, se a melhor maneira da organização passar sua mensagem é por meio do inglês, a solução é simplificar o discurso e explicar os termos. Caso contrário, quando o uso de palavras estrangeiras não é pertinente ou essencial, o melhor a se fazer é priorizar o nosso bom e velho português.

“Se você tem uma empresa que utiliza termos estrangeiros comuns para o mercado brasileiro, tudo bem. Eu acho que é válido, realmente a comunicação se vale de determinados termos ingleses. Agora, quando isso não é relevante ou não é comumente utilizado pelo público daquele setor, pode, de novo, criar barreiras, construir situações até mesmo de desgaste e de desconforto”, completa Maurício.

Você pode substituir...

Muitas palavras em inglês utilizadas no mundo do trabalho possuem correspondente no nosso idioma. Confira algumas alternativas para trocar o estrangeirismo pelo bom português e ter uma comunicação mais assertiva, com todos os tipos de público:

» Approach: abordagem
» Background: experiência, repertório
» Backstage: bastidor
» Brainstorm: chuva ou toró de ideias
» Briefing: demanda
» Budget: orçamento
» Call: reunião
» CEO: diretor-executivo
» Commodity: mercadoria, matéria-prima
» Deadline: prazo
» Feedback: avaliação
» Follow-up: acompanhamento
» Gap: lacuna
» Know-how: conhecimento
» Mindset: mentalidade
» Networking: rede de conexões ou contatos
» Newsletter: boletim de notícias
» Paper: artigo
» Skill: habilidade
» Trend: tendência
» Workshop: oficina, seminário

*Estagiária sob a supervisão de Priscila Crispi