Quando nasce um bebê ou uma criança é adotada em uma família brasileira, as mães podem se afastar do emprego por um intervalo que varia de quatro a oito meses, a depender do regime de trabalho e de acordos estabelecidos com o empregador. Os pais, porém, usufruem de apenas cinco dias de licença — e corridos, não úteis. Em alguns casos, ela pode ser estendida por até 15 dias, para os trabalhadores de organizações que aderirem ao Programa Empresa Cidadã.
Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proferida no mês passado, o Congresso Nacional deve elaborar, nos próximos 18 meses, lei que regulamente a licença. Embora os parlamentares possam, em teoria, manter os cinco dias já praticados, articulações dentro das casas e também na sociedade pressionam pela ampliação desse direito.
Apresentado pela deputada Tábata Amaral (PSB/SP) na última quinzena de dezembro, o Projeto de Lei Nº 6216/2023 prevê a regulamentação da licença-paternidade em 30 dias, que podem ser estendidos a até 120 dias em caso de falecimento ou ausência da mãe por incapacidades físicas ou psicológicas, ainda que transitórias.
A licença poderá ser parcelada em dois períodos, sendo o primeiro obrigatoriamente usufruído após o nascimento ou a adoção da criança. Além disso, o PL prevê a criação do salário-paternidade, benefício similar ao salário-maternidade, atualmente concedido às trabalhadoras autônomas pelo INSS.
“Uma coisa fundamental para a gente fazer a mudança cultural necessária sobre o lugar ocupado pelos pais na criação de seus filhos é a licença-paternidade. Atualmente, ela é 24 vezes menor do que a licença-maternidade. Já passou da hora de a gente fazer essa pauta avançar por duas razões principais: uma delas é a igualdade que buscamos, também no mercado de trabalho, entre homens e mulheres. E a outra, tão importante quanto, é o vínculo, entre os pais e seus filhos”, disse a autora do projeto em seu perfil nas redes sociais.
O PL é resultado das discussões travadas em um grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, coordenado por Tábata e por Amanda Gentil (PP/MA) e composto por parlamentares de diferentes partidos, além de representantes da sociedade, governo e iniciativa privada.
Outras propostas tramitam pela casa, como o Projeto de Lei 1974/21, dos deputados Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ), parado na Comissão de Saúde desde 2022, que prevê 180 dias de licença parental, que podem ser partilhados, conforme decidirem, por mães, pais ou qualquer pessoa que seja a referência de cuidado da criança.
Tempo ideal
Ana Carolina Caputo Bastos, membro da CoPai, coalizão formada por diversas organizações que defendem a licença estendida e obrigatória, compôs o GT da Câmara dos Deputados e fez sustentação como Amicus Curiae durante o julgamento do STF sobre o tema, ou seja, participou do processo com a função de fornecer subsídios à corte.
A advogada explica que as entidades que defendem a causa chegaram a um consenso sobre um período ideal para o afastamento dos pais, baseado em evidências científicas, estudos econômicos e exemplos de sucesso de outros países. “Mas não queremos trazer isso agora porque não queremos ser idealistas demais. Sabemos que nossa realidade é sair de cinco dias para alguma coisa. Para que a gente possa influenciar o debate no Congresso não vamos falar de tempo ideal, não vamos mirar em países europeus, vamos trabalhar a partir do Projeto de Lei que já foi apresentado na Câmara”, diz, se referindo ao PL que prevê um mês de afastamento remunerado.
Segundo ela, a extensão da licença-paternidade traria benefícios para toda sociedade, inclusive para os empregadores. “A gente já viu, por experiências de empresas que aumentaram a licença, o impacto positivo disso. A ciência comprova que há uma adaptação do cérebro promovida por atividades de cuidado quando um pai passa tempo com seus filhos. É um ganho da vida pessoal, mas que acaba se transpondo para o trabalho”, argumenta.
Para as mães, a medida poderia resultar na diminuição da sobrecarga, o que implicaria mais equidade no mundo do trabalho. “Quando as mulheres voltam ao mercado depois de terem filhos, ainda são preteridas, ainda são demitidas. A partir do momento que estabelecemos uma licença -paternidade real, os pais começam a dividir o ônus da criação dos filhos. A ideia é que não só nesse primeiro momento, mas ao longo da vida da criança, ele passe a ser também uma pessoa que vai flexibilizar a carreira pelo trabalho de cuidado, e se você iguala responsabilidades, iguala a competitividade entre esses profissionais”, explica.
Acima de tudo, porém, na visão de Ana Carolina, quem mais ganha são as crianças. Ela explica que há índices que comprovam o efeito da presença paterna nos primeiros momentos de vida dos pequenos. “A criança ganha mais peso, desenvolve mais capacidade cognitiva, se fortalece emocionalmente… Lá na frente, a produtividade dela vai ser maior também, ou seja, investir na infância é positivo economicamente para o país. Os legisladores estão preocupados com quem vai pagar a conta dessa licença, mas está bem claro que a médio e longo prazo, ela está mais do que bem paga. Esse é um investimento no Brasil”, defende.
Paternidade ativa
Protagonizada por mulheres, a luta pela ampliação da licença-paternidade precisa ganhar também o coração dos homens — é o que acredita a advogada. “O exercício da paternidade nunca esteve no radar masculino, não é algo muito falado nas rodas de homens. Mas acredito que se mostrarmos a eles o resultado disso para suas esposas, filhos e toda sociedade, podemos ganhar adesão”, aponta Ana Carolina.
Thyago Almeida, 27, é pai de Théo, de 8 meses, e foi sensibilizado pela causa ao ver a esposa lidar com o pós-cirúrgico de um parto cesárea. “É um momento que nossa companheira precisa muito da gente, principalmente porque ela não se recupera em cinco dias e precisa ficar de repouso mesmo. Vai precisar do pai para dar banho, trocar fralda, fazer uma comida, limpar a casa…”, defende.
O vigilante conta que Théo teve que ficar três dias no hospital antes de receber alta. Ao sair, os dois dias de licença restantes mal deram para correr ao cartório para registrar a criança e fazer algumas compras de supermercado e farmácia. Seu desejo era poder ficar ao menos um mês afastado do serviço para se dedicar completamente ao menino.
“Você volta para o trabalho, mas sua mente está em casa. Passava mais tempo no telefone preocupado com meu filho e esposa do que trabalhando, não rendia nada. Porque podem haver muitas complicações no pós -parto. Meu filho, com sete dias de vida, engasgou com leite. Consegui ajudar porque estava de folga, em casa, mas minha esposa ficou desesperada porque não tinha forças para se movimentar direito. Imagine se eu não estivesse lá?”, questiona.
Thyago trabalha em regime de escala. Com a esposa de volta ao serviço, ele é quem fica com o filho a cada dois dias e se sente privilegiado, em relação a outros amigos, pelo tempo junto com Théo: “Quero construir com meu filho uma história muito bonita, pretendo ser um pai presente por toda vida. Como sempre estou em casa com ele, eu que fiz o vídeo do primeiro passinho, das primeiras palavras… Sinto que apesar de ser um bebê, ele gosta de mim, vejo no sorriso dele, e é isso que todo pai deveria sentir.”
Para Gustavo Martinelli, 34, profissional da área de TI, a falta desse contato atrapalha a conexão entre pais e bebês. “Não estando em casa, você perde um pouco esse desenvolvimento inicial, que é muito rápido, a criança muda muito nessa fase e a gente fica ausente”, conta o pai de Leonardo, de apenas três meses. Gustavo pôde ficar em casa por nove dias úteis, mais do que a maioria dos pais, por ser funcionário de uma empresa cidadã, mas acredita que o tempo ideal de afastamento seria de um a dois meses.
Histórico
A licença-paternidade é exercida com base em regra transitória da Constituição Federal. Isso porque a carta magna determinava que o direito precisava ser regulamentado em lei a ser editada no futuro. Apenas enquanto isso não acontecesse, o prazo seria de cinco dias. 35 anos após a promulgação da Constituição, o Congresso Nacional ainda não decidiu sobre a matéria.
Em 2012, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) apresentou uma ação, que foi votada pelo Supremo apenas no último mês, questionando o fato de o parlamento ainda não ter aprovado um prazo definitivo para a licença no Brasil. O STF, então, reconhecendo a omissão legislativa, fixou o prazo de 18 meses para que o Congresso edite lei nesse sentido. Após o prazo, que termina em junho de 2025, caso a omissão persista, caberá ao Supremo definir o período da licença.
Os votos dos ministros proferidos durante a votação, porém, antecipam a posição da corte: a licença de cinco dias não reflete a evolução dos papéis desempenhados por homens e mulheres na família e na sociedade.