Vanguarda

Oscar da ciência: conheça os vencedores do último Prêmio Capes de Tese

Premiação seleciona os melhores trabalhos de doutorado do país. Saiba quais mudanças essas pesquisas vêm causando na sociedade

Sofia Thomas*
postado em 25/02/2024 06:00 / atualizado em 25/02/2024 06:00
Ganhadores recebem o Grande Prêmio Capes 2023
 -  (crédito: Fotos: Naiara Demarco (CGCOM/CAPES))
Ganhadores recebem o Grande Prêmio Capes 2023 - (crédito: Fotos: Naiara Demarco (CGCOM/CAPES))

O Prêmio Capes de Tese, oferecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), teve sua 18° edição realizada no final de 2023 e contou com 1.669 inscrições, o maior número desde a primeira realização, em 2006.

Também conhecido como o “Oscar da ciência” brasileira, a premiação reconhece os melhores trabalhos de conclusão de doutorado defendidos em programas de pós-graduação brasileiros, de acordo com os seguintes critérios: originalidade; relevância para o desenvolvimento científico, tecnológico, cultural, social e de inovação; e valor agregado pelo sistema educacional ao candidato.

A lista de teses nomeadas trouxe 49 ganhadores. “As 49 áreas premiadas são separadas dentro das três grandes áreas de conhecimento: humanidade, ciências da vida e ciências exatas e tecnológicas”, explica Mercedes Bustamante, presidente da Capes à época da premiação. Dentre os nomeados, três recebem o Grande Prêmio Capes de Tese, representando a pesquisa que se destacou em cada uma das três escolas. Além destes, 98 doutores receberam menções honrosas pelas teses defendidas.

Todos os autores dos trabalhos escolhidos recebem bolsas de até um ano para estágio pós-doutoral em instituição nacional, além de um certificado e uma medalha ou troféu. Seus orientadores ganham um prêmio no valor de até R$ 3 mil. Os co-orientadores e programas de pós-graduação nos quais as teses foram defendidas recebem um certificado de reconhecimento.

Homens Zo’é caçando
Etnia Zo'é foi objeto de estudo de Juliano Moraes. Das teses premiadas, duas pesquisam povos indígenas (foto: Araquém Alcântara)

Os vencedores do Grande Prêmio ganham também uma bolsa para estágio pós-doutoral em instituição internacional, por até 12 meses. Os orientadores, por sua vez, recebem um valor de R$ 9 mil para participar de congressos internacionais.

Além disso, instituições parceiras oferecem prêmios adicionais. A Fundação Carlos Chagas doou R$ 25 mil aos autores das teses vencedoras nas áreas de educação e ensino, além de quatro menções honrosas no valor de R$ 10 mil, duas em cada uma dessas áreas. A Dimensions Sciences, ONG de incentivo à produção científica, ofereceu US$ 2 mil a uma pesquisadora da área de biotecnologia. Já o Instituto Serrapilheira concedeu dois prêmios de R$ 20 mil, um para o trabalho vencedor do Grande Prêmio de Ciências da Vida e outro para o de Ciências Exatas, Tecnológicas e Multidisciplinar.

“A ideia do prêmio era fazer esse reconhecimento anual dos melhores trabalhos nas diferentes áreas do conhecimento, ou seja, uma forma de valorizar os docentes e os discentes, mas também mostrar para a sociedade a qualidade desses trabalhos”, afirma Mercedes.

Os programas de pós-graduação são quem encaminham as candidaturas das teses escolhidas e a Capes monta, então, comissões de avaliação externas. “Essas comissões observam o papel e aspecto inovador, o impacto dos trabalhos, a qualidade dos produtos associados à tese”, detalha a ex-presidente.

Inovação na saúde

Homem branco de óculos usa touca preta de onde saem fios
Capacete desenvolvido por Sérgio Luiz Novi Junior, ganhador do Prêmio Capes de Ciências Exatas, desempenha funções parecida a um ressonância magnética (foto: Arquivo Pessoal)

Sérgio Luiz Novi Junior, 31 anos, físico de formação e pesquisador especialista em inteligência artificial da Universidade de Campinas (Unicamp), venceu o Grande Prêmio Capes na categoria de ciências exatas. A tese nomeada consiste no aperfeiçoamento de uma técnica de luz chamada espectroscopia, uma ferramenta científica que emprega radiação eletromagnética a fim de obter dados na estrutura e nas propriedades da matéria. Sérgio acoplou sua ideia inicial de aperfeiçoar a técnica em um equipamento semelhante a um capacete, que desempenha as mesmas funções de uma ressonância magnética. "Essa técnica de luz é utilizada para medir a atividade cerebral, então é uma técnica de neuroimagem ótica. A grande vantagem dessa técnica é que ela é portátil, então, assim, ela é como se fosse o equivalente óptico da ressonância magnética funcional. Porém, a ressonância, não é portátil", explica. Sérgio comenta que a facilidade de manuseio do equipamento foi pensada para atender a pacientes que possuem algum tipo de dificuldade ou impossibilidade de uso da ressonância magnética comum, como crianças de colo, pacientes entubados ou pessoas que possuem implante magnético na cabeça. "A vantagem dessa técnica de luz é que ela viabiliza esse tipo de coleta em pacientes específicos, pessoas que não têm compatibilidade com ressonância magnética funcional. É um meio equivalente da ressonância, equivalente no sentido de ter propriedades cerebrais parecidas, mas você consegue acessar essa parcela da população", diz o pesquisador. Ele conta que sua principal motivação ao desenvolver a tese foi tornar a técnica óptica que acessa o cérebro mais acessível. Após a nomeação, a pesquisa tem ganhado o mundo: "Defendi minha tese em março de 2022 e em abril fui trabalhar no Canadá. Fiz um pós-doutorado na Western University. O meu objetivo era, justamente, utilizar essa metodologia na UTI para medir um fenômeno chamado Residual Cognitive Function. Basicamente, descobrir se pessoas que estão entubadas estão em coma, e, caso sim, se têm alguma habilidade cognitiva preservada, como está a atividade cerebral desse paciente”, relata.

Proteção da Amazônia

Homem branco com camisa branca e colar de sementes posa ao lado de homem indígena de pele escura com camisa polo, floresta ao fundo
Juliano Franco Morais junto de Pedro Baniwa, líder comunitário do povo Tucumã Rupita (foto: Arquivo pessoal)

Juliano Franco de Moraes, 32 anos, ecólogo, levou o Grande Prêmio Capes de Ciências da Vida pela Universidade de São Paulo (USP). A tese nomeada, “Influência de Aspectos Socioculturais de Povos Indígenas na Diversidade, Composição e Estrutura da Floresta Amazônica”, consistiu em entender como alguns aspectos culturais do modo de vida dos povos indígenas da Amazônia influenciam na estruturação da floresta. “Procuro mostrar como algumas questões relacionadas à cosmologia indígena, ou seja, a maneira como eles pensam e entendem o mundo, que está relacionada aos seus hábitos cotidianos, por exemplo, como eles lidam com os animais, o que eles entendem que é a floresta, que é totalmente diferente da nossa maneira de pensar, influencia no manejo da floresta”, explica Juliano. O cientista conta que, para quem não vive na Amazônia, a região é apenas uma floresta virgem, contudo, para os povos que a habitam, a floresta é um jardim que continua vivo após centenas de anos. “Eles plantam, eles selecionam árvores, eles enchem a floresta de espécies úteis e aumentam a sua biodiversidade. Ao passar dos anos, eles abandonam aquela área e a floresta continua lá, com uma composição diferente da natural”, relata. O ecólogo conta que o objetivo de sua tese não era apenas focar na influência das práticas de manejo desses povos na biodiversidade da floresta, mas também como a questão social e cultural atuam no mesmo sentido, principalmente influenciadas pela linguagem. Cada etnia possui uma língua diferente, logo percebem o mundo de uma maneira diferente. A língua está relacionada ao conhecimento e esse conhecimento gera as relações culturais, sociais e o cuidado da própria floresta, promovendo a biodiversidade. “Em resumo, é necessário notar a importância da diversidade linguística para promover o que a gente chama atualmente de Amazônia. Sem a cultura e as línguas indígenas vivas, a floresta perde a proteção, perde sua biodiversidade”, enfatiza.

Conhecimento indígena

Homem branco de óculos sentado em carteira faz anotações em bloco de nota com cestas de folhas ao chão
Igor Morais Mariano Rodrigues, professor universitário, foi ganhador do Grande Prêmio Capes na escola de Humanidades (foto: Arquivo pessoal)

Igor Morais Mariano Rodrigues, 39 anos, é professor da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e vive em Santarém, no Pará. O pesquisador foi o ganhador do Grande Prêmio Capes na escola de humanidades. A tese ganhadora, produzida na Universidade de São Paulo, foi “Tramas da Tecnologia: etnoarqueologia da variabilidade dos trançados dos povos do Mapuera”, sobre a produção cultural dos povos do Rio Mapuera, afluente do rio Trombetas, no estado do Pará, também conhecidos como povos Wai Wai. Etnografia é a especialidade da antropologia que tem por fim o estudo e a descrição dos povos por sua língua, raça, religião ou manifestações materiais de suas atividades, como, no caso, a variação dos trançados do povo Mapuera. “Eu defendi em minha tese que os conhecimentos para fazer essa ampla categoria de objetos trançados envolve saberes técnicos de diversos povos indígenas que habitam a região, ultrapassando os saberes dos moradores do rio Mapuera”, diz Igor. O professor explica que há determinadas técnicas que foram aprendidas por alguns artesãos em sua convivência entre outros povos. “Parte de suas habilidades técnicas e facilidades para a produção de complexos cestos e outros artesanatos úteis é adquirida também por meio do relacionamento harmonioso e da absorção de inteligências de seres, como pássaros, vermes e o que poderíamos traduzir livremente como espíritos”, esclarece. O professor diz que a nomeação da tese teve grande importância para o povo Mapuera e para a divulgação de estudos etnoarqueológicos. “A importância de ganhar esses prêmios é enfatizar o potencial de estudos arqueológicos junto aos povos indígenas. Este destaque ajuda a divulgar o amplo conhecimento científico deles, que sabem se relacionar com a floresta de forma sustentável”, defende.

Desigualdade social

Homem branco de barba grisalha e boina bege posa em frente à fotografia em preto e branco de uma multidão
Paulo Wesley Pinheiro foi o único doutor da Universidade de Brasília a ser nomeado para a última edição do prêmio, com pesquisa sobre desigualdades sociais (foto: Arquivo pessoal)

Paulo Wesley Pinheiro, 37 anos, é, atualmente, professor do departamento de serviço social da Universidade Federal de Mato Grosso e foi ganhador Prêmio Capes de Tese 2023 como melhor trabalho da área de serviço social. Paulo foi o único representante da Universidade de Brasília (UnB) na última edição do prêmio. Na UnB, ele concluiu seu doutorado em política social com a tese “Entre os rios que tudo arrastam e as margens que os oprimem: As determinações ontológicas da unidade exploração-opressão”. A pesquisa procura compreender a relação entre a exploração das forças de trabalho e o conjunto das opressões estruturais que constituem a sociedade. Paulo, além de relacionar a exploração do trabalho com desigualdades sociais de gênero, cor e classe, explica como todas elas estão interligadas. “O que eu tento fazer na minha tese não é apenas discorrer sobre a exploração do trabalho, mas também procurar mostrar que existe, entre todas essas desigualdades, uma unidade. É impossível entender uma desigualdade, verdadeiramente, sem entender todas as outras”, explica o professor. Segundo ele, o principal objetivo da pesquisa é a desnaturalização do conjunto de desigualdades presentes na sociedade brasileira — entender como elas foram construídas para descobrir como elas podem ser superadas. “É impossível existir uma luta antidesigualdade de classe, racista ou machista, que não com uma perspectiva de totalidade”, reafirma o pesquisador.

*Estagiária sob a supervisão de Priscila Crispi

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