NOSSOS MESTRES

Professor transforma aulas de matemática em momentos de inspiração

Professor de matemática cativa alunos com a forma descontraída de ensinar e o exemplo que ajuda a mantê-los motivados

Mariana Niederauer
postado em 07/01/2024 06:00 / atualizado em 07/01/2024 06:00
Professor de matemática, Vinícius de Oliveira transformou as adversidades em aprendizado, aprimorou as técnicas de ensino com estudos e empatia e hoje cativa alunos e -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
Professor de matemática, Vinícius de Oliveira transformou as adversidades em aprendizado, aprimorou as técnicas de ensino com estudos e empatia e hoje cativa alunos e - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
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A carreira do professor de matemática Vinícius de Oliveira é vivida em um roteiro de fortes emoções. Da mudança radical à pausa necessária para cuidar do corpo e da mente, em um período de poucos anos ele viveu experiências conflitantes, desafiadoras e transformadoras. Foi professor, foi policial militar. E foi professor e policial militar ao mesmo tempo. A saúde, física e mental, cobrou o preço do ritmo acelerado, e o pé no freio, representado por uma decisão crucial, se tornou mandatório. Ele, então, optou pelo caminho da educação e por usar a angústia como ensinamento. Em sala de aula, isso se concretizou em exemplos de empatia e de compreensão.

Formado em 2009 pela Universidade de Brasília (UnB), começou a trabalhar em escolas privadas logo depois de receber o diploma. A jornada no Leonardo da Vinci, onde leciona atualmente, começou em 2013. No ano seguinte, veio a aprovação no concurso da Polícia Militar do DF e Vinícius deu uma breve pausa nas aulas para participar do curso de formação da corporação.

Logo depois, porém, retornou às salas de aula e passou a conciliar os dois ofícios. Durante o dia, era professor e, à noite, cumpria o turno como policial militar. A dupla jornada se estendeu até 2019. Foi quando o corpo do professor começou a dar sinais de que algo não ia bem. Vinícius teve um apagão de memória a caminho da escola. “Fui ao médico e ele falou que eu estava cansado e que, se insistisse, entraria num processo de cansaço crônico”, explica.

Após uma bateria de exames, o professor foi encaminhado a um psiquiatra, que diagnosticou o início de um processo depressivo. “Foi um momento limítrofe na carreira, em que eu tive de escolher o que eu realmente queria fazer na minha vida”, relembra Vinícius. “Eu não tive dúvida em escolher a docência, e a escola é uma parte importante desse processo que eu tive de recuperação emocional.”

“São duas profissões honradíssimas, mas o meu coração se inclinou para a docência, pois ali eu recebi um carinho dos professores, dos alunos, dos funcionários”, elenca Vinícius. “Eu tinha plena convicção de que podia retribuir todo o amor, todo o bem que eu recebi”, observa ele, que explica ainda o peso dos sentimentos conflitantes das duas atuações: “Quando você efetua uma prisão, a exemplo de uma situação de tráfico ou de roubo, cumpre o seu trabalho, mas a eficácia daquele procedimento não ocorrre ali”

“Eu acho a educação mais efetiva. Trazer para um aluno o melhor do melhor, tudo o que eu aprendi, o que eu consegui lapidar… Por mais que essa área do conhecimento seja difícil, você consegue. Essa efetividade do trabalho de professor é muito gratificante, e traz essas boas memórias”, avalia.

Transformação

 19/12/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Trabalho e Formação Profissional. Nossos Mestres. Na foto, professor Vinicius de Oliveira.
Folhas amarelas em que escreveu o discurso de paraninfo dos alunos do 3º ano do ensino médio (foto: Ed Alves/CB/DA.Press)

Desde que enfrentou o momento desafiador relacionado à saúde mental e física, Vinícius conta que passou a lançar um olhar diferenciado para os alunos. “Passei a entender que eles são seres complexos, e que a gente precisa ter um olhar mais compassivo e amoroso”, afirma. Dessa forma, o professor rechaça a relação sarcástica que geralmente é feita com a disciplina para a qual resolveu se dedicar e atesta: matemática não é das “desumanas”. Vinícius conta que seu principal objetivo é agregar valor à vida dos estudantes, ainda que eles não optem por seguir carreiras relacionadas às ciências exatas.

A paixão pelos números, inclusive, é pioneira no coração dele. Antes mesmo de se apaixonar pelo ofício da docência, era a matemática que roubava a cena em seus dias. Para complementar a formação, ele concluiu, este ano, o mestrado profissional, cursado também na UnB, na área de teoria dos números, com enfoque e aplicações para o ensino médio à luz da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “Além de ser apaixonado pela docência, sou um apaixonado pela matemática”, reforça.

O desafio do mestrado ele encarou com o objetivo de voltar ao ambiente universitário sem a pressão de uma titulação, mas, sim, pela realização pessoal. “Quero ser um bom professor e oferecer uma aula de nível muito bom para o meu aluno”, resume.

Hoje morador de Águas Claras, Vinícius viveu em Sobradinho até a adolescência, onde cursou boa parte da educação básica em escolas públicas. O exemplo de alguns dos professores, principalmente os que atuavam em projetos no contraturno, de reforço das aulas, ajudou na escolha da carreira. “Eram professores maravilhosos, porque nos inspiraram bastante, amavam o que faziam, e tinham muito zelo por nós. Sempre procuraram extrair o melhor de nós e, na hora de cobrar, eram firmes conosco também. Tenho um profundo respeito e admiração por eles”, relembra.

Vinícius é casado com a também professora Isabela Gennari, que dá aulas de português no Leonardo da Vinci. Os dois oficializaram a união no feriado de 7 de Setembro deste ano e, agora, aguardam a chegada do primeiro filho, Miguel.

O segredo para cativar os alunos ele afirma que é, primeiro, estabelecer um bom relacionamento, dando suporte e conquistando a confiança. “Ao incentivá-lo e motivá-lo, vamos quebrando um pouco essa mística e valorizando as pequenas conquistas ao longo do processo”, destaca, referindo-se também ao estigma das disciplinas de exatas.

Outra estratégia usada pelo professor é nunca minimizar as dúvidas do aluno e mostrar a ele a importância de aprender o conteúdo ministrado. “O desenvolvimento de um país, de uma nação forte, está intimamente ligado ao desenvolvimento das ciências exatas e da matemática”, reforça sempre Vinícius. “Tecnologia e geração de riquezas também passa pelo desenvolvimento da matemática”, completa.

O discurso

O desenvolvimento de um país, de uma nação forte, está intimamente ligado ao desenvolvimento das ciências exatas e da matemática" Vinicius de Oliveira, professor
O desenvolvimento de um país, de uma nação forte, está intimamente ligado ao desenvolvimento das ciências exatas e da matemática" Vinicius de Oliveira, professor (foto: Ed Alves/CB/DA.Press)

Ao mesmo tempo, Vinícius promove, sempre que possível, um ambiente mais leve e descontraído. O discurso lido na colação de grau do 3º ano do ensino médio da escola no ano passado seguiu a mesma “vibe”. O professor de matemática foi o escolhido para paraninfo das turmas da Asa Norte e encheu a declaração de significados. Usou como inspiração uma das músicas que tocava no fim do intervalo da escola — Aquarela, de Vinícius e Toquinho — e escreveu o discurso não numa folha qualquer, mas numa folha amarela.

“Essa geração é diferente da nossa, vive mais inseguranças. A ansiedade e a depressão estão mais próximas, e eu, por ter passado por um processo depressivo, entendo bem como é isso. Então, ao longo do meu discurso, fui pontuando questões de caráter motivacional. O título foi Identidade: quem é você?”.

Momentos de descontração na sala de aula ganharam destaque, assim como o conselho que vale milhões: “O segredo da vida é entrar em desespero com calma!”. Outras lembranças do ano ajudaram a inspirar Vinícius, uma delas foi o relato de uma aluna sobre a experiência de acolhimento que viveu com o professor em um plantão de dúvidas.

Nessas ocasiões, os docentes retomam os conteúdos estudados na semana anterior e ficam disponíveis para tirar dúvidas. A estudante então se aproximou e relutou em fazer uma pergunta que parecia óbvia, mas seguiu. Ela, depois, confidenciou ao professor que a atitude dele, de não apenas responder o questionamento, mas também de se sentar ao lado para ajudar a resolver o exercício, a deixou extremamente emocionada. “Foi algo que me marcou muito. Nós não temos ideia de como o nosso exemplo e a nossa conduta contribuem positivamente na vida deles”, diz Vinícius.

da deles”, diz Vinícius. “Ao longo da minha carreira, eu tenho aprendido isso: o exemplo arrasta”, atesta o professor. No fim do discurso, depois de fazer até poesia, ele decidiu brincar com outra frase que costuma repetir nas aulas de matemática, que, a essa altura, já começam a ficar famosas na cidade. “Lembrem-se de que o meu amor por vocês é semelhante a uma função exponencial de base maior que um, a qual nunca vai ser zero e cresce infinitamente!”

“Essa geração de alunos não acompanhou o processo todo que eu vivi, mas é uma realidade: são eles que corroboram para o meu propósito. Lecionar para eles, trazer para eles a melhor versão de mim, contribui para o meu propósito de vida e me mantém de pé. Nós acreditamos que eles vão trazer um futuro melhor e construir dias melhores para o nosso país”, finaliza o mestre.

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