Inclusão produtiva

Brasil assina pacto global para promoção da empregabilidade entre jovens

Pacto pelas Juventudes visa reunir setor privado e governos para inclusão produtiva de grupos mais vulneráveis

Priscila Crispi
postado em 24/12/2023 06:00 / atualizado em 24/12/2023 06:00
Autoridades durante lançamento do Pacto. Da esquerda para direita: Rachel Maia (Pacto Global da ONU), Youssouf Ould Abdel-Jelil (UNICEF Brasil), Agnaldo Nogueira (OIT Brasil), Luiz Marinho (Ministro do Trabalho), Neca Setubal (Fundação Tide Setúbal), Ronald Sorriso (Secretário Nacional da Juventude) -  (crédito: Allexandre dos Santos Silva/Ascom MTE)
Autoridades durante lançamento do Pacto. Da esquerda para direita: Rachel Maia (Pacto Global da ONU), Youssouf Ould Abdel-Jelil (UNICEF Brasil), Agnaldo Nogueira (OIT Brasil), Luiz Marinho (Ministro do Trabalho), Neca Setubal (Fundação Tide Setúbal), Ronald Sorriso (Secretário Nacional da Juventude) - (crédito: Allexandre dos Santos Silva/Ascom MTE)
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O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), lançou neste mês o Pacto Nacional pela Inclusão Produtiva das Juventudes.

A iniciativa, que em breve será oficializada em forma de um Decreto Presidencial, faz parte de um programa global proposto pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2018, o Generation Unlimited. A chamada da ONU tinha como objetivo o desenvolvimento de projetos de empregabilidade para jovens. 

A resposta do Brasil para a iniciativa global herda as ações e redes do programa Um milhão de oportunidades (1MiO), aliança multissetorial liderada pelo Unicef que colocou o país entre os cinco principais Estados mobilizadores do Generation Unlimited no mundo.

"Essa é uma coalizão entre governos, empresas, sociedade civil e movimentos de juventude para criar um ecossistema de oportunidades em três pilares: formação profissional; empregabilidade e geração de renda, que inclui a oferta de vagas para o trabalho decente, seguro e protegido, mas também o empreendedorismo de oportunidade fora do mercado formal; e a mobilização e co-criação, que é o protagonismo dos jovens na construção de políticas e programas voltado ao emprego", explica Gustavo Heidrich, coordenador do 1MiO e oficial de programas do Unicef.

Ele afirma que o programa tem como foco a inclusão de 12 perfis prioritários de jovens entre 14 a 29 anos, que são minorizados, mas que compõem a maioria das pessoas nessa faixa etária: "O recorte principal é o de raça, mas também inclui jovens LGBTQI , deficientes, de comunidades rurais, que são pais e mães, entre outros."

Já aderiram ao Pacto organizações como a Central Única dos Trabalhadores, a União Nacional dos Estudantes e serviços do Sistema S, além de 20 empresas brasileiras, públicas e privadas, que estão entre as 100 maiores do país. Ao assinar o acordo, as organizações se comprometem a promover oportunidades de estágios remunerados e de primeiro emprego formal, cumprir a Lei de Aprendizagem, oferecendo oportunidades para que jovens adquiram experiência prática no ambiente de trabalho, aumentar o número de jovens no quadro fixo de funcionários, promover seu engajamento e incentivar a sua permanência na empresa, entre outras obrigações.

O acordo ainda está aberto para adesões. Organizações, de qualquer porte e finalidade, podem assinar o termo em www.pactopelasjuventudes.org.

Próximos passos

O MTE diz que vai empreender, primeiramente, a integração de suas políticas e direcionamento de mais oportunidades de qualificação e intermediação para as juventudes, como o Programa Manuel Querino de Qualificação Social e Profissional e a retomada orçamentária para 2024 do Programa Nacional de Inclusão de Jovens — ProJovem Trabalhador.

"Haverá um foco no envolvimento e engajamento dos estados e municípios para que priorizem a agenda de trabalho decente para as juventudes, bem como um esforço conjunto com fundações, institutos, organizações da sociedade civil e centros de formação para um desenho e interconexão de projetos nos territórios. Além disso, um esforço de aproximação de empresas privadas, públicas e cooperativas para promoção de mais e melhores oportunidades de trabalhos para os jovens brasileiros", informou a pasta em comunicado enviado ao Correio.

Durante evento de lançamento do programa, realizado na última semana, em São Paulo, Luiz Marinho, chefe do ministério, afirmou que "O convite, quando assinamos esse pacto global pelas juventudes, é para de fato olharmos para esse público. Os jovens nem-nem, na verdade, nem estudam e nem trabalham porque encontram ausência de oportunidades."

O ministro afirmou que, atualmente, ao começar a trabalhar, o jovem brasileiro vai encontrar um mercado precarizado, pois apesar do aumento da oferta de empregos no último ano, os salários pagos pelas empresas continuam muito baixos. "Quando um jovem olha e fala: meu primo estudou, fez curso superior, mas observa o salário baixo que ele está ganhando, isso desestimula seus estudos, mas desestimula também toda a economia. A equidade também tem que estar na economia", cobrou.

Mudança demográfica

Um levantamento sobre empregabilidade de jovens no Brasil, elaborado em 2023 pela Subsecretaria de Estatísticas e Estudos do Trabalho, do MTE, revela que, dos 207 milhões de habitantes do Brasil, 17% são jovens.

"Estamos vivendo um ponto de inflexão da nossa pirâmide etária, desde o ano passado. Temos uma janela de apenas duas ou três décadas para aproveitar a potência desses jovens, que ainda temos, no mercado de trabalho. E é por isso que políticas de inclusão produtiva para esse público são tão urgentes", defende Gustavo Heidrich.

Do total de brasileiros entre 14 a 24 anos, 5,2 milhões estão desempregados, o que corresponde a 55% das pessoas nessa situação no país. Entre os jovens desocupados, 52% são mulheres e 66% são pretos e pardos. Aqueles que nem trabalham nem estudam, os chamados nem-nem, somam 7,1 milhões, sendo que 60% são mulheres, a maioria com filhos pequenos, e 68% são pretos e pardos.

Taís Nunes, 18 anos, conta como saiu do trabalho infantil para um programa de jovem aprendiz
Taís Nunes, 18 anos, conta como saiu do trabalho infantil para um programa de jovem aprendiz (foto: KV Conteúdo/Divulgação Unicef)

Taís Nunes, 18 anos, é uma das caras da estatística. Moradora de Parauapebas, município no interior do Pará, é negra e mãe de um bebê de quase dois anos. Hoje, trabalha como jovem aprendiz no Conselho Municipal da Criança e do Adolescente da cidade, além de ser aluna do Senai em um curso profissionalizante, mas sua experiência com o trabalho ilegal, infelizmente, começou cedo.

A adolescente faz parte da rede de mobilização do programa 1MiO, do Unicef, e foi escolhida pela organização para contar sua história no lançamento do Pacto pelas Juventudes.

"Fui tirada do trabalho infantil. Sempre trabalhei, mesmo sendo ilegal, fazia faxina, vendia lanche em praça, trabalhava como manicure… Quem vem da roça, nunca tem infância", lembra Taís.

A jovem diz que pretende fazer um curso de mecânica industrial e atuar na área de soldagem. "Sei que é um trabalho mais masculino, mas justamente por isso, quero. Está na hora da gente quebrar esses tabus", defende.

Sobre o Pacto assinado por governo e empresas, Taís acredita que suas ações precisam chegar ao nível municipal e os programas precisam focar na capacitação. "Também gostaria que os empresários tivessem um olhar melhor para o jovem, para mim. O futuro do país depende de termos uma oportunidade e é urgente. Entrar para um caminho errado, para o mundo do crime, da droga, é muito fácil. Mas é um mundo de onde só se sai de uma forma: no caixão. Eu não quero isso para as pessoas da minha idade, para os meus amigos", argumenta.

Realidade local

No Distrito Federal, os jovens correspondem a 27,7% da população com idade para trabalhar, segundo dados do Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). A pesquisa analisou a inserção da população de 15 a 29 anos no mercado de trabalho brasiliense entre 2021 e 2022.

A taxa de desemprego nesta faixa etária, durante o período, foi de 29,2%, praticamente três vezes maior que o da população com 30 anos ou mais na mesma situação (9,8%). Em 2022, os jovens correspondiam a 54,6% do total dos desempregados no DF.

Rayane Soares é coordenadora do Jovem de Expressão (Jex), ONG que atua há quase 20 anos na Ceilândia com ações de formação profissional de jovens da periferia e é reconhecida como uma das principais iniciativas do DF de ação horizontal do terceiro setor — de jovem para jovem.

Ela comemora a assinatura do pacto para inclusão produtiva dessa população. "Pensando no desenvolvimento do próprio Distrito Federal, não só dos jovens que serão assistidos por essa política, vai ser muito bom. Porque quando a gente investe na juventude, logo a gente também traz esse impacto para a economia local", afirma. A coordenadora diz que espera que o programa tenha um olhar especial para o mercado cultural, principal área de atuação da ONG e que, segundo ela, tem potencial de se tornar uma fonte importante de recursos para o DF.

Jovem de expressão: Kellen Vieira, 26 anos, ministra oficina de produção audiovisual
Jovem de expressão: Kellen Vieira, 26 anos, ministra oficina de produção audiovisual (foto: Nakellen Silva/AscomJex)

Para Kellen Vieira, 26 anos, uma das alunas do Jex que, hoje, é professora no projeto, a inclusão de jovens negros precisa, necessariamente, passar por políticas afirmativas. "Entrei no Jex com uns 21 anos. Foi bem quando me formei na graduação em Ciência Política, que é um período que você fica tentando se inserir no mercado de trabalho, sem saber muito como fazer isso. Se não fosse o Jex eu não teria conseguido, mesmo tendo curso superior, porque sendo uma pessoa preta, é 30 vezes mais difícil. Estava precisando de uma profissão e aí veio o curso de produção cinematográfica", conta.

Kellen é cineasta e também atua com promoção e produção de eventos voltados para o empreendedorismo social — todas portas abertas pelo projeto. "O Jex me mostrou uma outra possibilidade, de um outro mercado, o da cultura, que está em ascensão aqui no DF. Se hoje eu tenho um trabalho, se hoje eu faço o que eu gosto, é porque políticas voltadas para pessoas como eu, existem", diz.

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