As Forças Armadas brasileiras têm sua primeira mulher oficial-general de 3 estrelas da história. Carla Lyrio Martins foi promovida, em novembro, a major-brigadeiro, último posto da carreira para o quadro de médicos da instituição. Com a promoção, foi designada também diretora da Escola Superior de Defesa.
Essa não é a primeira vez que a médica rompe barreiras na corporação. Foi a primeira mulher promovida ao generalato, em 2020, e a primeira a comandar uma organização militar na Força Aérea Brasileira (FAB).
"Posso afirmar que todos os meus 33 anos de serviço foram determinantes para alcançar este momento. Foram os anos dedicados à operacionalidade, como médica de esquadrão aéreo, à assistência, como médica hematologista, e à gestão — já somo cinco importantes comandos — que me trouxeram até aqui. São experiências indissociáveis, pois vieram em um contínuo de aprendizado, que venho colocando em prática. Estou pronta para outros momentos, e trago uma alegria e um impulso ímpar para continuar na missão e para contribuir ainda mais com a Força Aérea Brasileira", comemora.
Carla ingressou na FAB em 1990. Desde então, atuou como médica em diferentes esquadrões de saúde, academias e bases aéreas, além de compor o corpo clínico de hospitais militares. Ela explica que a FAB dispõe de um plano de carreira bem delineado para os militares. Os postos vão sendo galgados paulatinamente pelas promoções. Os cargos de maior relevância são designados por mérito e há cursos de carreira de pós-formação oferecidos pela Força durante a trajetória profissional, dentro do planejamento institucional de capacitação continuada.
Às resistências que encontrou, respondeu aproveitando cada uma das oportunidades de formação — é especialista em diversas áreas, como medicina aeroespacial, hematologia, hemoterapia, vigilância sanitária e epidemiológica, e gestão de serviços de saúde. "Destaco o Curso de Medicina Aeroespacial, o Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais, o Curso de Comando e Estado-Maior e o Curso de Política e Estratégia, além do MBA em Gestão Hospitalar, todos fazendo parte desse planejamento e que, definitivamente, contribuíram para me capacitar para exercer funções de maior responsabilidade", diz a oficial.
Com a ascensão na carreira e ocupação de cargos de comando e controle, passou a conviver com cada vez mais homens e menos mulheres. Ela conta que enfrentou diversos desafios no dia a dia por ser a única mulher nessas posições, em um universo predominantemente masculino, mas que os encarou com garra.
Para Carla, os valores militares não são intrinsecamente misóginos, pelo contrário, se alinham com o acolhimento de mulheres no ambiente de trabalho. "O respeito e o trabalho em equipe sempre fizeram parte do meu dia a dia. A confiança está altamente relacionada à capacidade de entrega de resultados, representando um processo contínuo, em construção. Sempre me enxerguei como uma pessoa capaz de alçar qualquer voo. Para tanto, a coragem, a tenacidade e a capacitação continuada, são pilares básicos, a meu ver. Sou a primeira, mas certamente, muitas outras virão", aposta.
Apesar da disposição vanguardista, ela conta que precisou do apoio de muitos colegas pelo caminho, para abrir fronteiras:"Ninguém caminha sozinho e todas as conquistas são compartilhadas. É o resultado do trabalho das pessoas, em todas as esferas da Organização, que determina o bom cumprimento da missão, o sucesso de um projeto, a possibilidade de uma inovação."
Em sua visão, sua promoção tem significado relevante para toda sociedade brasileira e simboliza os avanços que as Forças Armadas têm realizado em direção à cidadania. "A diversidade de talentos, de competências e de habilidades são o que torna a Força adaptável, moderna, integrada e, sobretudo, resiliente. Alinhada, também, aos interesses da sociedade, que busca equidade e inclusão para seus cidadãos em todas as esferas", ela defende, ressaltando que" o efetivo feminino, atualmente, representa cerca de 14% do total. No entanto, já estamos nas escolas de formação e em todas as áreas, operacionais e administrativas. E a questão não se trata apenas do quantitativo, há cada vez mais mulheres em cargos de comando, direção e chefia. Somos fundamentais para o alcance da missão institucional."
Para fomentar o ingresso e aumentar a retenção de talentos femininos, a médica defende que é preciso que as forças de segurança invistam mais na construção de um ambiente onde as mulheres se sintam seguras, fortes e engajadas, além de ser necessário um trabalho de divulgação, para a sociedade, sobre as características, as atividades e "as possibilidades de uma bela carreira."
Luta pela equidade
Segundo dados do Ministério da Defesa sobre a composição das Forças Armadas, em 2020, a Marinha tinha 11% do seu efetivo total de mulheres; no Exército, elas eram 6%; e na Força Aérea, mesmo com maior percentual, apenas 18%. No total, 33.960 brasileiras integram as Forças Armadas, o que corresponde a menos de 10% do efetivo.
Apesar de apresentarem um crescimento contínuo nas últimas décadas, os números da presença feminina nos quadros militares demonstram que a mudança tem sido lenta e está longe de refletir a sociedade brasileira, composta em 51,5% por mulheres.
E, se a demanda por paridade de gênero nas corporações militares vem crescendo por dentro, com mais profissionais aspirando a ascensão nas carreiras, a pressão por fora também aumenta. Em outubro deste ano, a Procuradoria-Geral da República (PGR) protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) três ações para suspender normas que restringem vagas para mulheres nos quadros das Forças Armadas.
Nas ações, a PGR argumenta que as normas internas da Marinha, da Aeronáutica e do Exército que estipulam o percentual de mulheres que podem participar de cursos de formação de militares são inconstitucionais — todos, independente de gênero, deveriam concorrer em condições de igualdade dentro das vagas oferecidas nas seleções militares.
"Não há fundamento razoável e constitucional apto a justificar a restrição da participação feminina em corporações militares. Se o legislador e as próprias corporações consideram que as mulheres são aptas a exercer os referidos cargos, não é plausível estabelecer impedimentos ou restrições ao exercício desse direito fundamental, sob pena da configuração de manifesto tratamento discriminatório e preconceituoso" afirmou a procuradora interina, à época, Elizeta Ramos. Não há prazo para decisão do Supremo sobre a questão.