Após meses de luta, as mulheres conquistaram o espaço merecido no concurso público da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). O certame, destinado ao provimento de vagas na carreira de soldado, foi retomado nesta quinta-feira (23/11), após ter sido suspenso pelo ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O edital foi retificado e as alterações foram publicadas na edição desta quinta do Diário Oficial do Distrito Federal (DODF). As mudanças foram na distribuição de vagas e no calendário do certame. De acordo com o documento, será formado cadastro reserva de 1.400 vagas, distribuídas entre ampla concorrência (1.120 vagas) e candidatos negros (280 vagas).
Em relação ao cronograma, a retificação altera datas importantes do concurso. Confira as principais:
- 24 de novembro: divulgação do resultado da prova objetiva - pós-recursos;
- 10 de janeiro de 2024: convocação dos candidatos habilitados para a prova de aptidão física;
- 22 de janeiro a 30/01/2024: aplicação da prova de aptidão física;
- 2 de fevereiro 2024: divulgação do resultado provisório da prova de aptidão física;
- 4 de março a 09/03/2024: aplicação da avaliação médica;
- 3 de março de 2024: aplicação da avaliação psicológica.
Luta por igualdade
A seleção havia sido suspensa em 1º de setembro, por Zanin, sob a justificativa de que a limitação da participação de mulheres no quadro de pessoal da corporação viola o princípio constitucional da igualdade. O quantitativo de vagas da PMDF limitava a 10% as vagas para mulheres. O número era previsto pela Lei nº 9.713, de 25 de novembro de 1998, que regulamenta o efetivo das polícias militares.
A liminar suspendeu a divulgação dos resultados e a convocação para novas fases do concurso até análise posterior do caso. Em agosto, o Partido dos Trabalhadores (PT) apresentou uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), com pedido de liminar, no STF, questionando o limite de vagas femininas.
Rayná Monteiro, representante oficial da Comissão das Aprovadas, comemorou o desdobramento do caso. "Ficamos muito felizes com o reconhecimento do mérito de sermos aprovadas em um concurso público e, em razão disso, termos a oportunidade de concorrer em igualdade com base na nota individual de cada candidata, realidade essa que já ocorre nas demais forças policiais como a PRF, PF e a Civil", conta.
A futura policial militar falou sobre a evolução dos direitos das mulheres na sociedade. "Pela primeira vez na história da PMDF, homens e mulheres estão concorrendo sem distinção de gênero. Agora, seguiremos para as próximas etapas do concurso, muito felizes, gratas, confiantes e certas de que merecemos e de que somos tão capazes quanto os homens de exercer a atividade policial", celebra.
Yanaiara Oliveira, mais uma aprovada no concurso, está ansiosa para as demais fases do concurso e para integrar a corporação da Polícia Militar do DF. "Abri mão de muita coisa por um ano para ter sucesso nessa prova. Mas, para além desse ano de estudo, tivemos quase cinco meses de luta por esse espaço que conseguimos agora. Estou vibrando demais por todas as mulheres que conseguiram viver esse sonho e pela alegria que será para tantas pessoas que me apoiaram nesse período", afirma.
Apelo pela correção das redações
O concurso público em andamento da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) passou por diversas movimentações nos últimos meses. O centro do debate foi a diferença de chances entre homens e mulheres, evidenciando uma forte desigualdade de gênero. A situação levantou discussões, mudanças na lei que define a porcentagem de vagas para mulheres e a suspensão temporária da seleção.
A discussão começou após o início das correções das redações. Em junho, as candidatas se reuniram para cobrar a correção de todas as provas das participantes, alegando que não havia homens suficientes com nota mínima para terem a redação corrigida, sobrando espaço para mais correções de redações de mulheres.
Na época, candidatas ouvidas pelo Correio explicaram que a previsão do edital era de 3.780 redações masculinas corrigidas e 420 redações femininas. No entanto, apenas 2.570 homens foram aprovados, enquanto 988 mulheres atingiram a nota mínima.
O edital de abertura do concurso afirma que os candidatos não classificados dentro do número máximo de redações previstas seriam automaticamente desclassificados do concurso. Para ser considerado aprovado, era necessário obter no mínimo 60% da pontuação máxima possível da prova objetiva, ou 48 pontos.
As candidatas ressaltaram que a banca organizadora do concurso, o Instituto AOCP, foi contratada para corrigir mais de 5 mil redações. Além disso, a administração tem autonomia para alterar o edital, conforme a necessidade do concurso.
Decisão influencia próximos certames
A situação levantou a discussão em relação aos impactos que a medida pode gerar nos próximos concursos da PM. Max Kolbe, advogado presidente da Comissão de Concursos Públicos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), explica que a medida representa uma grande evolução no entendimento do STF.
"Essa evolução tem forte impacto nos demais concursos em nível nacional para que haja diversidade de gênero nos percentuais de ingresso, pois — uma coisa é fato — ao menos o percentual previsto em lei deve ser respeitado em todas as etapas do concurso, não se permitindo, por mera discricionariedade do administrador, a diminuição dos percentuais", ressalta.
Kolbe acrescenta que a jurisprudência do STF tem evoluído no sentido de manter a paridade de gênero em vários aspectos, e defende que a grande diferença de vagas entre homens e mulheres não é justa.
"A discussão, portanto, cinge-se à razoabilidade de se considerar a atividade policial militar eminentemente 'masculina', a ponto de se defender legalmente uma desproporção tal entre o quantitativo de homens e mulheres na corporação. Tal raciocínio não me parece razoável, primeiramente porque a carreira policial militar abrange um espectro extremamente vasto de atribuições, que não podem se resumir ao uso da força física", declara.
A medida, no entanto, não engloba concursos das polícias militares de outros estados. Isso porque, conforme explica o advogado, a polícia de cada estado possui legislação própria.