Eu, Estudante

NOSSOS MESTRES

Diretor de Sobradinho transforma escola em espaço de oportunidades

Inspirado em professores que fizeram a diferença em sua trajetória escolar, diretor conquista o apoio da comunidade e dos estudantes. Como recompensa, mais resultados e menos violência na escola

O professor de língua portuguesa Wagner Macário de Carvalho, 56 anos, e a escola pública celebram um casamento de sucesso, que dura mais de três décadas. Ele encontrou na carreira de diretor a realização profissional e, em troca, deixou a marca de uma gestão cuidadosa e aberta ao diálogo para mais de 10 mil alunos ao longo de 18 anos à frente do Centro de Ensino Médio (CEM) 4 de Sobradinho.

A aprovação no concurso da Secretaria de Educação ocorreu em 1991, pouco depois de receber o canudo do curso de pedagogia do Ceub, com licenciatura em língua portuguesa e espanhol. O tempo em sala de aula passou voando, e já em 1994 assumiu o primeiro cargo de direção, e numa das escolas em que estudou, o Centro de Ensino Fundamental 3 de Sobradinho. Cria de escola pública, ele não esconde a influência que isso teve na escolha da profissão.

Marcelo Ferreira/CB/D.A Press - Wagner Macário de Carvalho, diretor do CEM 4 de Sobradinho 2.

"Eu tive professores que eram como heróis para mim, e aquilo me inspirou a ser professor também", relata Wagner. "Tentei uma época fazer um concurso para a Polícia Civil. Até passei, mas vi que a segurança não tem nada a ver comigo. Eu ia até ganhar bem, mas seria uma pessoa extremamente frustrada profissionalmente. Escolhi a profissão certa. Eu amo o que faço", continua ele, que, como bom professor, logo explica o motivo de tal sentimento: sair por aí e ser reconhecido não por dezenas ou centenas, mas por milhares de estudantes para os quais, de alguma forma, ele pôde fazer a diferença.

De domingo a domingo, lá está Wagner resolvendo pendências, da falta de gás aos aulões preparatórios para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aos sábados. "Chego às 7h, dou bom dia para todos eles. 'Bom dia', 'boa tarde', 'boa noite'. Sou um diretor extremamente presente. Eu me mudei, moro aqui na rua, para ficar perto da escola. O CEM 4 é muito mais a minha casa do que a minha própria casa. Eu digo que a minha família é o trabalho."

Reconhecimento

Arquivo pessoal - Professor Wagner Macário de Carvalho com estudantes do CEM 4 de Sobradinho, na formatura.

Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, o professor se considera brasiliense, já que veio para a capital federal com apenas seis meses de vida. O pai, José, era militar e a família precisou se mudar pouco depois do nascimento de Wagner. Logo ele deixou de ser o caçula. A mãe, dona Ana, deu à luz sete filhos. O irmão que ficou com o posto de mais novo da família, Paulo Macário, hoje é professor de história no CEM 4.

Como reconhecimento pelos serviços prestados, Wagner receberá, este ano, a segunda homenagem da Câmara Legislativa do Distrito Federal. A transformação que o diretor propiciou por meio de sua gestão não foi simples, e considerou mesmo os aspectos mais sutis.

Uma das maiores preocupações de Wagner, por exemplo, é com a merenda. "É a melhor merenda daqui de Sobradinho", orgulha-se. A merendeira da escola ficou em primeiro lugar na etapa regional de prêmio concedido pela Secretaria de Educação. "Eu faço o melhor para que o aluno tenha uma boa alimentação, porque eu sei que isso vai fazer a diferença. Eles já chegam à escola e perguntam: 'Professor, o que vai ser o lanche hoje? E o almoço? Isso fez com que muitos meninos não desistissem (de estudar)", conta o diretor. E o prato que costuma fazer mais sucesso é o frango assado, seguido do estrogonofe e da galinhada.

Fotos: Arquivo pessoal - Professor Wagner Macário de Carvalho com estudantes do CEM 4 de Sobradinho, Gincana cultural com apresentação da equipe de códigos e linguagem-Inglês e Espanhol.

A oferta das refeições ganha ainda mais relevância pois o CEM 4 é a única escola de ensino médio de Sobradinho que conta com ensino integral e cursos técnicos no contraturno ou à noite. Há casos de estudantes que ficam 60 horas na escola por semana, aproveitando todas as oportunidades de formação, e com direito a quatro refeições.

Assim como esses alunos, Wagner não dispensa uma oportunidade de inserir a escola em programas, projetos, palestras e eventos. Quando surgiu a oportunidade de se candidatar ao projeto piloto de implantação do Novo Ensino Médio, ele logo agarrou. O CEM 4, que à época atendia também alunos dos anos finais do ensino fundamental e se chamava Centro Educacional, foi selecionado e também conseguiu participar do projeto de ensino médio em tempo integral (MTI). Desde 2020, portanto, a instituição ganhou novo nome e passou a atender apenas a estudantes do ensino médio. Por meio de parceria, alunos selecionados têm ainda aulas preparatórias para o Enem aos sábados.

Wagner admite que são necessários ajustes na proposta do Novo Ensino Médio, e garante que incentivou os estudantes a participarem e a opinarem no processo de discussão que está em curso no Ministério da Educação. "A formação geral básica precisa voltar a ser ampliada. Se você olhar, a escola não tem estrutura suficiente, é pequena, não temos laboratórios suficientes, não temos uma quadra coberta", elenca. "Mas podemos oferecer aquilo que é possível dentro da nossa realidade, e a Secretaria de Educação percebeu isso e vai mudar a formação geral básica e reduzir as (disciplinas) eletivas", completa.

Vulnerabilidade

Arquivo pessoal - Professor Wagner Macário de Carvalho com estudantes do CEM 4 de Sobradinho, na formatura.

As vulnerabilidades de uma região de renda per capita baixa também deixam as marcas na escola e elevam os desafios a outro patamar. Além da alimentação e dos estudos, a equipe pedagógica precisa se preocupar em ajudar na geração de renda.

Os resultados aparecem aos poucos, com cada vez mais estudantes sendo selecionados para Universidade de Brasília (UnB). "Queremos que a escola proporcione ao aluno um lugar de inclusão, de socialização, e que ele se sinta acolhido, que ele se sinta bem", resume.

Há 18 anos, quando assumiu o desafio de ser diretor do CEM 4, Wagner recebeu um alerta: seus antecessores não permaneceram mais que alguns meses no cargo. "À época, era complicado aqui a questão da violência. Essa situação de periferia que enfrentamos, de alunos de risco, de drogas, famílias desestruturadas. Mas aceitei o desafio e vim para cá, formei uma equipe, em outubro de 2004", relata. No ano seguinte, veio a primeira eleição e ele venceu, ao lado da vice-diretora, Maria da Paz, que o acompanha na gestão até hoje. Este ano, os dois formam chapa única para mais um mandato.

"Nós promovemos o diálogo. Estamos trabalhando para que o grêmio estudantil seja atuante, fazendo com que o aluno seja protagonista dentro do nosso processo de gestão. Porque a escola é feita por várias camadas: não é só o professor, não é só a direção, o aluno precisa ser ouvido também", reforça o gestor. "Eu sou um diretor muito atuante na rede social, tenho uma página que eles seguem, temos grupos no WhatsApp, página no Instagram. Procuramos falar com eles nessa linguagem", completa.

Wagner avalia que essa abertura e aproximação são essenciais para manter o espaço escolar seguro e distante das situações de violência que ocorrem extramuros. "Eu percebo que a escola foi um divisor na questão da violência nessa região de Sobradinho. Dentro da escola, a gente não vive a violência. Conseguimos deixar essa situação triste lá fora."

O céu é limite

Arquivo pessoal - Professor Wagner Macário de Carvalho com estudantes do CEM 4 de Sobradinho, na gincana em comemoração ao dia do estudante.

Além da oferta do ensino médio em tempo integral e de cursos profissionalizantes — como o atual de técnico em controle ambiental — o CEM 4 recebe, à noite, alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do terceiro segmento e abriu turmas do ensino médio regular também, para abarcar estudantes que não têm defasagem idade-série, mas que precisam trabalhar durante o dia. Atualmente, funcionam também na escola cursos de formação inicial e continuada de recreador e de Libras. Para atender a mulheres em situação de vulnerabilidade e que se encontram num contexto de violência familiar, a escola promove rodas de conversa a cada 15 dias, com o apoio da UnB. Juízes, promotores e outros convidados participam dos encontros.

A conversa chegou ao fim, mas os planos para o presente e para o futuro de Wagner Macário de Carvalho poderiam preencher várias outras páginas. A paixão pela fotografia, por exemplo, é um dos detalhes que passam quase despercebidos em meio à dedicação ao trabalho. Com orgulho e segurança, ele resume o papel que a educação desempenhou em sua vida: "A educação permitiu que um menino sonhador, filho de uma dona de casa e de um militar pudesse fazer diferente na família. Me fez uma pessoa mais inclusiva, mais tolerante, mais humana, mais amorosa. Foi, para mim, uma ferramenta de mudança tanto interior quanto exterior".

E lembra da participação da mãe no incentivo e na garantia da trajetória escolar desde o início. "Dona Ana foi tudo na minha vida, me amou demais. Não fosse ela e o investimento que ela fez na educação, eu não seria quem eu sou hoje", garante Wagner, que completa relatando ter alcançado a plenitude por ter a chance de proporcionar o mesmo a seus alunos. "Eles percebem esse amor, esse respeito. Eu acho que a educação é afeto. E ela mudou a minha vida."