Márcia Cristina Santos da Silva leva no registro os sobrenomes mais comuns do Brasil e na história, a luta contra a exclusão. Terceira filha de uma família de seis irmãos, começou a aprender o ofício ainda criança com o pai, que era pedreiro. Mais tarde, foi contratada pelas maiores construtoras do Rio de Janeiro e se tornou a primeira mestre de obras do país. Hoje, aos 54 anos, acabou de comandar a construção da casa da filha. "Jamais desacredite de alguém pelo seu gênero ou sua cor. As pessoas podem fazer tudo", diz.
A profissional, porém, não escapou das estatísticas de desigualdade de gênero no setor. Ganhou menores salários que seus colegas homens em diversos cargos por onde passou e, perto da aposentadoria, luta para conseguir uma vaga. "Estou desempregada, buscando voltar ao mercado. Ainda quero trabalhar na construção, esse é meu combustível", conta.
A paixão pelo canteiro de obras, que começou enquanto levava marmita para o pai no trabalho, a trouxe de volta muitas outras vezes, quando tentou ser babá, cuidadora e garçonete. "Meu fascínio é a obra. Lembro que minha mãe sempre falava para eu ir levar o almoço para meu pai e voltar rápido para olhar meus irmãos, mas eu nunca voltava. Achava mais interessante ficar peneirando areia, martelando prego, do que olhar criança", lembra.
Após o divórcio dos pais, Márcia começou a enfrentar o ambiente masculinizado das obras sozinha, como ajudante de pedreira. Anos depois, seu pai a convidou para abrir a própria empresa de construção. "Ele achava que uma mulher pode estar onde quiser. Minha mãe era mais conservadora, mas nunca me proibiu", relata. Depois de casada, enfrentou resistências também por parte do marido, que a conheceu já trabalhando em obras.
O machismo da família reverberava o que encontrou no mercado de trabalho. Quando começou a buscar vagas em grandes construtoras, Márcia foi recebida na porta de um canteiro por um homem que presumiu que ela quisesse um emprego como copeira. "Falei: nada contra quem faz cafezinho, mas não tem sexo no anúncio da vaga, eu quero me candidatar a mestre de obras. Exigi falar com o RH. Disse para eles: vou voltar com meu próprio capacete." E voltou. Primeiro, como terceirizada, mas, depois de quatro anos, como mestre de obras contratada pela empresa principal, no mesmo canteiro. "Toda vez que passava por ele, perguntava: vai um cafezinho?"
Márcia foi considerada uma das melhores mestres daquele empreendimento. "Antes, eu falava que mulheres são mais cuidadosas, mas hoje não falo mais. Por que a mulher tem que ser mais cuidadosa, fazer dentro do prazo, sem desperdício, com higiene, e o homem não? Ele tem que fazer do mesmo jeito que a mulher faz, se ocupa o mesmo cargo", argumenta.
Dos insultos que sofreu dos colegas homens, a marcou o dia em que foi desafiada a subir em uma escada alta, sem segurança: "Subi para me provar, desci e fui pro banheiro chorar. O preconceito ainda existe, e muito forte."
Para não ver outras mulheres passando por situações semelhantes, Márcia criou um departamento feminino quando atuou no Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil do Rio de Janeiro. Durante as fiscalizações de obras que realizava, identificava os postos de trabalho que poderiam ser ocupados por mulheres e, então, encaminhava as interessadas para cursos de qualificação.
"Hoje, encontro com mulheres que faziam limpeza pós-obra e elas me dizem: você me tirou da faxina, hoje tenho minha independência financeira, deixei o marido que me batia, construí minha casa... É aí que penso que estou no caminho certo, porque consegui mudar a realidade de outras mulheres", conta.