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Duas mulheres, dois prêmios, um caminho

Ganhadora do Prêmio Nobel de Economia, Claudia Goldin nos fala pelo exemplo e pela sua pesquisa, voltada às questões de gênero no mercado de trabalho

Maria Carolina Medeiros
postado em 15/10/2023 06:00 / atualizado em 15/10/2023 06:00
 Americana Claudia Goldin é a primeira mulher a ganhar sozinha o Nobel de Economia
 -  (crédito:  Lauren Owens Lambert/AFP)
Americana Claudia Goldin é a primeira mulher a ganhar sozinha o Nobel de Economia - (crédito: Lauren Owens Lambert/AFP)
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Noventa e três pessoas já ganharam o Prêmio Nobel de Economia, e em apenas duas ocasiões as laureadas eram mulheres. A professora de Harvard Claudia Goldin é a terceira e a primeira a ganhar sozinha: as antecessoras dividiram o prêmio com homens. Além de ser a primeira mulher laureada individualmente, o que por si só seria um marco a ser enaltecido, também a pesquisa de Goldin tem um papel importante nos estudos sobre as mulheres. Os estudos da economista contribuem para pensarmos sobre a participação das mulheres no mercado de trabalho, carreira, família e diferença salarial. Goldin considera que vemos um resíduo da história à nossa volta, de fato, as desigualdades que ainda testemunhamos no mercado de trabalho decorrem em grande medida do papel atribuído às mulheres ao longo dos séculos.

Há um pano de fundo histórico, social e cultural que baliza a sociedade e que por muito tempo determinou que cabia à mulher os cuidados com a casa e os filhos, por exemplo, culminando em uma jornada dupla quando há trabalho também fora de casa, resultando em uma assimetria que persiste mesmo ante avanços e conquistas femininas.

Parece um cenário distante? Na pandemia, uma em cada quatro mulheres mães com emprego considerou pedir demissão. Entre homens, um em cada 11 (McKinsey 2020). Mulheres gastam o dobro do tempo em tarefas domésticas e de cuidado. No Brasil, o mercado informal de trabalho é em sua maioria formado por mulheres, que também são a maior parte dentre as pessoas desempregadas do país (Pnad IBGE 2022).

Nada disso é por acaso. Por muito tempo as mulheres foram alijadas do acesso ao ensino formal e, consequentemente, do mercado de trabalho. No Brasil, até 1962 a mulher casada precisava da autorização do marido para trabalhar fora e dispor do próprio dinheiro. O ensino ao qual as mulheres tinham acesso era voltado para o trabalho doméstico, pois acreditava-se que elas não precisavam de tanta informação. A ideia da mulher como "o homem que deu errado", "o segundo sexo", "o sexo frágil" foi construída historicamente e disseminada por grandes nomes, de Aristóteles a Darwin e Rousseau. A historiadora Michelle Perrot observa que no século 18 ainda se discutia se as mulheres eram seres humanos como os homens, ou se estavam mais próximas de animais irracionais. Essa construção, forjada na subalternização da mulher, não é desconstruída da noite para o dia.

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Alfred Nobel, empresário sueco que deu nome ao prêmio (foto: Anastacia/Unsplash)

Narges Mohammadi soube que foi laureada com o Prêmio Nobel da Paz de dentro da sua cela. Mohammadi está presa. Seu crime é ser uma das principais lideranças em favor da liberdade das mulheres no Irã. Ela desafia também as estatísticas: o Nobel da Paz já foi concedido quase mil vezes, mas as mulheres não chegam a 7% dentre as laureadas. Em alguns países mulheres estão lutando por melhorias salariais e para fazer pesquisas. Em outros, lutam pela própria vida e pela liberdade. Goldin e Mohammadi, duas mulheres, duas trajetórias diferentes, mas que se encontram no trabalho em prol de outras mulheres, cada uma ao seu modo.

Maria Carolina Medeiros é professora da ESPM, doutora em Comunicação, consultora e pesquisadora de socialização feminina.

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