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EDUCAÇÃO

Educação na velhice: manicure volta à sala de aula após os 60 anos

Dulce voltou a estudar, foi aprovada em duas faculdades e hoje é bolsista da UnB, tudo isso na terceira idade

Dulce Velozo tinha 56 anos quando recomeçou. A rotina como manicure cedeu espaço para os livros e as plataformas digitais, e após décadas sem estudar, ela voltou para a sala de aula. Hoje, com 63 anos, Dulce é bolsista da Universidade de Brasília (UnB) e está no curso tecnólogo em gerontologia a distância. Os estudos se tornaram sua principal fonte de renda, uma ferramenta de emancipação e uma esperança para o futuro.

Foi uma amiga quem comentou com ela sobre a Universidade do Envelhecer (UniSER), programa de extensão da UnB que realiza ações educativas e integrativas com idosos da comunidade. A UniSER oferta a cada semestre o curso de Educador Político Social em Gerontologia, gratuito e com duração de um ano e meio, que capacita os alunos a se tornarem mobilizadores sociais. Dulce começou o curso de formação em 2016 e não parou mais.

Frequentar uma universidade pública sempre foi um sonho, que ao se concretizar a fez acreditar que poderia realizar outros. Comentou com os professores que tinha vontade de cursar o ensino superior e ganhou deles materiais e muito incentivo para se preparar para o Enem. Prestou o exame em 2019 e conquistou uma vaga no curso de técnico em alimentos do IFB do Gama. Mas Dulce mora em Ceilândia e, somadas à distância, as dificuldades da pandemia a fizeram desistir da formação.

Foi, então, que Dulce optou pela educação a distância e se matriculou em um curso superior em uma faculdade particular, na área que o projeto da UnB a ensinou a amar, a gerontologia. Segundo dados da última edição do Mapa do ensino superior, lançada em 2021, existem quase 198 mil idosos matriculados em cursos superiores. O número indica um aumento de 50% em matrículas de pessoas na terceira idade, comparado-se ao período entre 2015 e 2019, puxado principalmente pelo ingresso em cursos EAD.

Agora, prestes a se formar, ela sonha em trabalhar em centros de saúde, passar em um concurso, quem sabe, fazer uma pós. Os planos são muitos, enquanto houver vida. "As pessoas costumam me perguntar para que uma pessoa idosa vai querer estudar… Mas se eu ainda estou aqui, quero só melhorar: ficar mais culta, mais leve, saber resolver mais problemas, ficar mais autônoma", diz.

Sua postura inspiradora foi o que levou Dulce a ser escolhida para continuar na UniSER, agora como monitora remunerada, segundo Margô Karnikowski, coordenadora do programa. "Ela é uma mulher guerreira, sempre se destacou, uma líder nata, uma mobilizadora".

A nora, Cátia Machado, concorda: "Para mim, não foi surpresa alguma ver minha sogra voltar a estudar depois dos 60, porque ela é uma pessoa que não parou no tempo, é muito ativa, corajosa. Ela é uma prova viva de que nunca é tarde para se realizar grandes coisas".

Velhice ativa

A professora Margô lembra que a história de Dulce não é única. Assim como ela, o programa assistiu vários idosos realizarem a mesma trajetória e voltarem aos estudos. "A chave está em mudar como as pessoas enxergam seu próprio processo de envelhecimento. Temos, em todos os ciclos da vida, limitações e possibilidades, mas quando passamos a nos ver capazes de nos desenvolvermos, vamos lá e realizamos, seja estudar, casar, empreender… Nós podemos fazer o que quisermos, mesmo na velhice", afirma. 

"Envelhecer é uma experiência um pouco assustadora mesmo, a gente precisa se preparar, aceitar essa etapa da vida. Mas é na velhice que temos mais responsabilidade do que nunca e outras habilidades que pessoas mais jovens não têm, às vezes acho até que pessoas idosas têm mais vontade de aprender", diz Dulce.