Quem nunca teve uma crise de carreira, com certeza, ainda vai ter”. É o que diz a mentora profissional Lourdes Rosalem, especialista na área há 18 anos. O alerta, no entanto, não deve ser encarado com desânimo. Com tudo o que observou em tantos anos no mercado, ela garante que as crises podem ser resolvidas com autoconhecimento e organização.
Foi o que aconteceu com Helen Braga Tomelin, 52 anos, há quatro anos. Servidora concursada do Banco do Brasil, ela conta que, à época, sentia-se engessada no trabalho e com a autoestima baixa para buscar novas oportunidades. “Eu me sentia sem ter para onde ir. O banco sempre oferecia oportunidades, mas eu não me sentia apta a concorrer com outras pessoas. Sempre me colocava em um patamar inferior e não tinha coragem de ‘peitar’ as chances que apareciam”, conta
Ela já estava há cinco anos no mesmo cargo quando decidiu dar o primeiro passo para superar a crise de carreira: entender o que lhe ocorria. A decisão foi por buscar ajuda externa, com uma orientação profissional que a fizesse entender o ponto em que estava e o que poderia fazer para superar a crise.
Foram 10 sessões de orientação em mentoria de carreira até ela se sentir preparada para enfrentar a primeira oportunidade que surgiu no banco. “Quando fui buscar ajuda, eu já sabia que havia algo de errado, então eu estava aberta a mudar. Foi um longo processo de voltar meus olhos para mim, para as minhas fraquezas e os meus sabotadores”, explica
O processo não é fácil, mas o resultado veio na primeira tentativa. “Eu fui para essa entrevista tão segura, como nunca havia me sentido antes. O autoconhecimento foi o que me ajudou a estar preparada para qualquer oportunidade que viesse e, quando ela apareceu, eu brilhei”, diz.
O saldo da entrevista foi o cargo de gerência de setor, na gestão de pessoas no Banco do Brasil, posição que ainda ocupa atualmente. Mas, mesmo com o objetivo alcançado lá atrás, Helen conta que o processo de ganhar confiança na carreira nunca parou. Hoje, ela já se sente pronta para os próximos passos.
Recolocação
A engenheira química Natália Farina Pereira, 30, conta que se graduou em 2017 e, após uma curta experiência trabalhando em sua área de formação, acabou tendo de buscar emprego no setor comercial por falta de oportunidades como engenheira. “Tentei procurar trabalho na área e não encontrei. O que encontrava, financeiramente não compensava. Foi quando mudei totalmente de ramo”, diz.
No novo trabalho, ela subiu de cargo até chegar ao posto de gerente. As atividades no comércio duraram quatro anos, mas ao final desse período, Natália conta que o maior desejo era voltar para a sua profissão de origem. “Eu não tinha mais estrutura psicológica para trabalhar com vendas. Começou a afetar a minha saúde. Eu estava em uma cidade distante, longe da minha família e tudo culminou para que eu pedisse demissão”, relata.
Antes do desligamento oficial com a empresa em que atuava, Natália começou a enviar currículos para cargos de engenharia química e, mesmo sem uma oportunidade em vista, decidiu pelo pedido de demissão. A nova vaga veio em seguida. Ainda não é o objetivo final da engenheira, mas ela se diz satisfeita por estar mais próxima da profissão.
“Hoje eu trabalho como auxiliar de controle de qualidade. Não é o cargo de engenheira, mas estou mais perto da minha área, quando chegar o momento”, diz. “Meu medo era não conseguir mais voltar, porque estava há quatro anos afastada. Mas fui atrás e, hoje, estou muito melhor do que estava”, comemora.
Origens da crise
De acordo com a especialista Lourdes Rosalem, os momentos de tensão profissional podem ter motivações diversas. “Existe a crise dos jovens que chegam no mercado com todo gás, cheios de ideias, mas são podados por gestores e se frustram com o trabalho. Tem a crise que surge quando o profissional perde a posição que ocupava e aquelas que ocorrem por motivos pessoais, como mudança ou o nascimento de filhos”, descreve.
Todas essas situações podem gerar desconforto com a própria carreira ou com o ambiente de trabalho. Para a gestora, todavia, há um fator muito presente nas crises profissionais: a chegada da dita meia idade. Segundo Rosalem, por volta dos 40 anos a tensão surge ou tende a aumentar. “Nessa fase, a pessoa começa a questionar a vida, os sonhos que ela tinha e não conseguiu concretizar. As organizações já sabem que nessa etapa vai aparecer a crise”, afirma.
Além da experiência observada no mercado, Lourdes também viveu na pele a situação de crise que hoje tenta dar solução a outras pessoas. No seu caso, a tensão veio antes do esperado. “Aos meus 30 anos, eu comecei a me questionar sobre a vida e percebi que não estava feliz com a minha posição”, conta.
A solução também foi buscar aconselhamento profissional. “Busquei ajuda de um mentor e, em menos de dois anos, eu já havia alcançado a carreira executiva que eu tanto queria”, conta a especialista, que, anos depois, tornou-se diretora de recursos humanos dos Correios, gerindo milhares de pessoas.
Foi sua experiência pessoal e o entendimento de que a questão “o que eu quero para a minha vida?” poderia aparecer para todos que a fez se interessar pela área. “Naquele momento eu fui entender o que era o meu sonho, o que eu queria da minha carreira e em quanto tempo eu queria essa mudança. Ter essa consciência me ajudou a planejar os próximos passos”, diz.
Autoconhecimento
A solução encontrada por Helen e por Lourdes é o que a mentora sugere a todos que vivem esse momento de crise. Para resolver o problema, qualquer que seja sua origem, primeiramente, é preciso passar por um processo de reflexão sobre tudo o que está acontecendo.
De acordo com a especialista, o primeiro passo é ter calma. “Não adianta se revoltar. Isso não resolve a vida de ninguém. É preciso refletir sobre o que está fazendo, sobre o que precisa ser feito e buscar uma ajuda”, explica.
Antes de pedir demissão, Lourdes recomenda uma compreensão maior sobre o seu lugar na empresa e um planejamento para os próximos passos. “A pessoa tem que buscar entender se a empresa que ela está é a que ela quer, e se a empresa vai ofertar as possibilidades de chegar onde ela quer chegar”, diz. “Se não for o lugar onde ela quer estar, é preciso identificar ao menos quatro empresas almejadas e pesquisar quais competências são exigidas por lá”, complementa.
Para a gestora, a compreensão daquilo que o mercado exige é crucial para superar as crises e buscar um reposicionamento. Entre as estratégias de planejamento está, inclusive, enviar currículos a vagas na área almejada, mesmo que ainda não esteja pronto para a transição de carreira, a fim de testar seu posicionamento no mercado.
“Eu recomendo que o profissional participe de processos seletivos, envie currículos mesmo que não queira mudar de empresa, porque assim ele sabe se está sendo aceito no mercado e se as suas habilidades ainda são aquilo que está sendo procurado”, ensina.
Em pesquisa recente do Instituto Robert Half, consultoria global de soluções em talentos, o principal motivo apontado para pedidos de demissão foi "não se sentir feliz no trabalho". O levantamento ouviu 387 pessoas desempregadas, com formação em nível superior, e, entre os entrevistados, 44,12% deles deixaram suas posições por essa razão.
Na metodologia aplicada no estudo, cada um dos ouvidos podia citar até três razões para o desligamento das empresas e o segundo e terceiro motivos mais apontados foram, respectivamente, "buscar por novos desafios" (42,65%) e "falta de perspectiva de crescimento" (33,82%).
Para Maria Sartori, diretora associada da Robert Half, o resultado foi surpreendente. Nos levantamentos feitos pelo instituto no período anterior à pandemia de Covid-19, lideravam as razões para pedidos de demissão o desgaste na relação do funcionário com o gestor e a busca por melhores benefícios trabalhistas.
"Hoje, a retenção do funcionário ou a atração dos bons quadros está muito mais ligada ao bem-estar do que a qualquer outra coisa. Existe uma perspectiva de que uma parte da nossa felicidade também está ligada ao trabalho", diz. O que antes motivava os funcionários, agora é visto como fator secundário pelos candidatos. "O pós-pandemia traz a busca pela felicidade como um movimento cada vez mais forte. A procura por um salário mais atraente aparece apenas como nono motivo para os pedidos de demissão", afirma Sartori.
Um dos fatores apontados pela diretora como fundamental para a mudança é a experiência do home office, vivida nos últimos anos, e o movimento de retorno ao trabalho presencial. "A qualidade do ambiente de trabalho é cada vez mais importante para o trabalhador. Os profissionais hoje fogem de um ambiente tóxico", pontua.
Para a especialista, os resultados da pesquisa mostram que, embora bons salários e benefícios atrativos sejam essenciais, a cultura de ser ouvido e valorizado no trabalho tem pesado mais no momento de se decidir por permanecer no cargo ou buscar uma nova oportunidade.
Quando pedir demissão?
Para a psicóloga Ellen Leandra Anholeto, diretora da ActionRH, a pandemia também foi a virada de chave para os novos hábitos e preferências em relação ao mundo do trabalho. "No pós-pandemia a gente vê que as pessoas estão tentando equilibrar a vida pessoal com a profissional e, por isso, o candidato agora faz mais opções na carreira", explica.
Para a especialista, a mudança ainda está sendo digerida pelas empresas. "O empresário ainda não tinha visto esse novo formato. Ele estava acostumado com todo mundo trabalhando cada vez, mas agora as pessoas começaram a buscar outras carreiras, a trabalhar com hobbies que tinham, fazer cursos e a se identificar com outras áreas", diz.
A nova cultura, de acordo com Ellen, pode levar a transições de carreiras, pedidos de demissão ou à busca por novas colocações dentro da mesma empresa. O segredo, para qualquer dessas opções é o planejamento.
"É preciso se planejar primeiro. Se a pessoa entender que tem condições financeiras de pedir demissão, vai ser muito melhor para ela fazer cursos, se preparar. Até por conta da questão emocional vai ser melhor, já que se ela está nessa situação é porque aquele local está exaustivo para ela", explica.
Mas se a demissão de imediato não for uma opção, principalmente devido ao fator financeiro, as saídas passam por um planejamento ainda maior do momento vivido. "O importante é se planejar e entender que está construindo uma linha paralela. A pessoa vai conversando com a empresa e se preparando, até conseguir uma oportunidade de mercado", afirma a psicóloga.