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Baobás de Brasília vão parar na Áustria

Professor brasilense André Lúcio Bento é convidado para expor, em Viena, projeto de educação antirracista a partir da árvore símbolo da ancestralidade negra

Brasília tem ao menos 75 baobás, árvore africana que chegou a outros continentes com a diáspora. Elas também são o ponto de partida de um projeto de educação antirracista conduzido por André Lúcio Bento em escolas e universidades do DF. E vão novamente cruzar os mares. O professor embarca, nesta semana, para a Áustria para compartilhar essa experiência na 11ª edição do Festival Cultural do Brasil na Áustria, que tem como tema O Brasil do amanhã.

"Vou dizer que essa travessia atlântica dos baobás se deu em razão da diáspora, forçada, mas que, hoje, no Brasil, eles são marcas, são árvores muito fortes para a nossa identidade", antecipa. Em paralelo, André finaliza um relatório que tem como objetivo transformar os baobás em patrimônio cultural de Brasília. Em entrevista à coluna, ele relata toda a força e todos os frutos desse amor à árvore ancestral.

Você embarca para a Áustria para falar, no dia 17, sobre os baobás de Brasília. Qual a proposta do festival?

A organizadora, que é brasileira, mora lá, viu o projeto dos baobás no Instagram e entrou em contato comigo. Foi um convite por parte deles. Ela disse que tinha a intenção de levar projetos e atrações, entre aspas, menos óbvios, já que, geralmente, se mostra o Brasil pelo samba, pelo frevo e pela capoeira. Ela disse que procurava projetos como o meu também: que têm importância cultural, mas não com a mesma abrangência. Acho que é como se ela estivesse procurando mostrar o Brasil menos óbvio nesta edição de agora.

E o que você vai mostrar lá?

Eu sei que estarei em um país europeu, em um continente que teve uma participação em tudo o que aconteceu com a África na questão da diáspora. Então, vou falar para essas pessoas que os baobás foram para o mundo inteiro por meio da diáspora, nos navios escravagistas. A Europa tentou negar, naqueles navios, que as pessoas levassem objetos que fossem importantes para a sua cultura, a sua identidade. Isso não foi possível porque o que é imaterial, o que é importante, não se consegue acorrentar, não se consegue cortar. E os baobás vêm nesse contexto, de sementinhas escondidas. Há relatos da possibilidade de que tenham vindo nas tranças das mulheres, escondidinhas no cabelo, pois as sementes são pequenas. Então, vou dizer que essa travessia atlântica dos baobás se deu em razão da diáspora, forçada, mas que, hoje, temos, por exemplo, no Brasil, como marcas de árvores são muito fortes para a identidade. Ou seja, o apagamento que se tentou fazer pela escravização não foi possível. E os baobás são um dos elementos que provam isso. Eles provam essa força da identidade, da cultura. Isso veio com eles.

De certa forma, você vai falar de futuro, que é o tema do festival…

É justamente isso, olhando para esse passado para ressignificar o futuro, para ter um futuro diferente, um futuro com mais respeito, mais igualdade racial, menos preconceito. Esse olhar para frente sem deixar de olhar para trás. A própria noção de ancestralidade é essa. Ancestralidade não é só o que passou, é um princípio que vai dizer o para sempre, o desde lá de trás até o fim.

A experiência que será compartilhada lá pode ganhar ainda mais força aqui, com o tombamento de patrimônio cultural. Como anda esse projeto?

O relatório de catalogação está praticamente pronto. Quando você propõe o tombamento, você tem que ter uma justificativa da importância daquilo, do valor cultural daquele bem, daquele lugar, seja o que for. Quando esse relatório for publicado, vou apresentá-lo para autoridades do governo para que o Executivo faça o tombamento. No DF, só quem faz o tombamento é o Executivo. Nesse relatório, além de mostrar, claro, onde estão os baobás de Brasília (são mais de 75), listo todos os normativos que existem no Brasil que já tombaram a árvore como patrimônio, em Recife, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte. Isso para mostrar às autoridades daqui que esse pedido não é uma coisa inusitada. Nesse relatório, também faço a introdução da importância religiosa, cultural, política e social dos baobás.

Quando planeja entregá-lo?

Ainda neste ano. O relatório ficou grande, bom, com fotografias, muitas informações, e eu não queria só mostrar um arquivo em PDF. Estou tentando algum patrocínio, de uma editora, uma universidade, para publicá-lo, com qualidade. Estou buscando também uma interlocução com o Ministério das Relações Ético-raciais, algum apoio para que ele saia de uma forma melhor.

O que espera após o tombamento?

Quando algo é tombado, significa que não só o André reconhece a importância disso, o Estado reconhece. Então, isso muda de patamar. E depois que algo é tombado, ele, oficialmente, pode entrar na agenda da educação patrimonial e fica mais fácil proteger. Geralmente, o ato normativo diz que o bem é tombado e passa a ser imune a cortes, danificações. Depois disso, outras políticas podem surgir. Por exemplo, a instalação de câmeras para evitar cortes.

O projeto dos baobás em Brasília deixou, definitivamente, de ser apenas a catalogação das árvores. Como se sente com todos esses frutos?

É muito importante para mim saber que os baobás estão servindo como um elemento de educação antirracista. Não são só elementos bonitos, exóticos, árvores diferentes que vivem 5 mil anos. Eu tenho conseguido atrelar isso a uma educação antirracista. Isso é o que fica do projeto. Primeiro, eu queria que as pessoas soubessem que os baobás existem. Agora, esse trabalho que tem acontecido muito intensamente com a visitação nas escolas, universidades, IFB (Instituto Federal de Brasília), tem sido mais relevante para a contribuição dos baobás no combate ao racismo.