Eu, Estudante

PÓS-GRADUAÇÃO

Mineira realiza sonho de cursar doutorado nos Estados Unidos

Camila foi de Minas Gerais para Virgínia, nos Estados Unidos, para o doutorado em estudos culturais

Aos 29 anos, Camila Costa está realizando um sonho alto que lhe parecia distante: fazer um doutorado na George Mason University, nos Estados Unidos, em estudos culturais. Natural de Santa Cruz de Minas, interior do estado, ela vem de família sustentada pela mãe, que trabalhava como técnica de enfermagem.

Apesar dos desafios de sustentar a casa, a mãe sempre valorizou a educação e passava na biblioteca da cidade para pegar livros emprestados para Camila. "Foi com a coleção Vagalumes (clássico de livros infantojuvenis brasileiros) que aprendi a ler e adentrei a esse mundo da literatura. Não fosse isso, não poderia entender as leituras acadêmicas".

Kátia reforça que acredita na importância da leitura para as filhas. "Por meio da leitura se aprende muito", diz. Hoje, ela é aposentada da profissão, mas teve rotina de trabalho exaustiva com plantões no hospital em dias alternados, de até 19 horas.

A matriarca conta que a própria adolescência foi também de muito trabalho. Não faltava comida na casa, mas ela precisou começar a trabalhar cedo, em detrimento dos estudos. Aos 13 anos, foi babá do filho de uma amiga da mãe dela, mas só percebeu que era um trabalho depois de uma observação de uma conhecida. "Eu falava que olhava a criança e ganhava por isso, ela logo disse: 'Você trabalha, então'. Daí que me dei conta dessa realidade".

Diante de todo esse processo, Kátia se orgulha e está feliz com a conquista da filha, que considera um sonho realizado. "Ela é muito inteligente, guerreira, e lutou por isso."

Caminho

Ainda no ensino médio, a jovem passou no vestibular da Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) para geografia, mas estava no 3º ano e não conseguiu se matricular. Depois, foi selecionada pelo Programa Universidade para Todos (Prouni) para o curso de administração no Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves (hoje IPTAN).

Isso não era, no entanto, o que a jovem queria como profissão. Camila não desistiu, e realizava constantemente as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para entrar no curso de psicologia ou no de jornalismo.

Foi aos 23 anos que a vida dela mudou, depois de ingressar no curso de jornalismo da UFSJ e se formar. A carreira acadêmica seguiu e ela entrou para o mestrado na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Nesse tempo de estudo, reuniu inspirações em ativistas negras, como Bel Hooks (1952-2021) e Audre Lorde (1934-1992).

Reflexão sobre a periferia

"Acontecimento". É com essa palavra que Cláudio Coração, orientador do mestrado, define Camila. A trajetória do hip hop no Brasil, a questão das periferias e o sujeito periférico são os temas abordados pela estudante na dissertação.

Na avaliação do professor, a ida da jovem para os Estados Unidos é não só motivo de orgulho, como também ajuda no desenvolvimento de uma pesquisa interessante. "É extremamente potente e a firma também como pesquisadora, desde o diálogo dela com autoras mais ligadas ao movimento negro e a um pensamento decolonial. Temos certeza de que Camila fará um excelente trabalho lá", comemora.

Na especialização, a jovem analisou, em documentações do passado, as manifestações culturais da população negra, como o rap e o hip hop, e elaborou a dissertação sobre a representação da memória das pessoas negras. Diante do tema, Camila acredita na importância de se investigar o passado. "Foi uma tentativa de resgate da história, porque nós, negros, precisamos olhar para trás e ver o quanto somos ricos em história e em cultura", destaca.

Camila descreve que um dos motivos de ter sido selecionada para o doutorado na George Mason University, na Virgínia, nos Estados Unidos, foi a metodologia de estudo sobre as políticas de memória.

A cultura é um elemento presente não apenas nos estudos de mestrado e de doutorado da mineira, mas também, em grande parte, da trajetória pessoal e profissional dela. "Em São João Del-Rei, fiz parte de um conservatório no qual aprendi a tocar violino, por exemplo. Depois, na universidade, conheci mais sobre o teatro. Então, a cultura sempre me tocou."

Além desses aspectos que guiam a pesquisa, a jovem é militante política e foi uma das coordenadoras de um cursinho popular destinado a pessoas que não podiam pagar a taxa de inscrição para o Enem. Com essa vivência, engajamento e estudos, Camila quer deixar um legado para outras pessoas e ser relevante como as intelectuais que admira. "Quero ser uma pensadora e poder visualizar futuro para as pessoas negras."

*Estagiária sob supervisão de Mariana Niederauer