Lisboa — Os brasileiros têm pedido cada vez mais a nacionalidade portuguesa. Dados do Ministério da Justiça de Portugal e do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) apontam que, entre 2010 e 2022, mais de 419 mil títulos de cidadania foram concedidos a pessoas originárias do Brasil. Nesse período, 55% dos estrangeiros que obtiveram a nacionalidade portuguesa eram brasileiros. A perspectiva é de que, até o fim de 2024, o total de cidadãos nascidos no Brasil com cidadania portuguesa passe dos 500 mil. A naturalização se dá por atribuição, ou seja, descendência, ou por aquisição, quando se cumpre uma das regras definidas em lei, como tempo de residência ou casamento.
"Daqui por diante, as requisições de nacionalidade portuguesa por brasileiros só tendem a crescer", afirma o advogado e especialista em imigração Fábio Pimentel, do escritório Pimentel Aniceto Advogados. "Temos de lembrar que o grande fluxo de brasileiros para Portugal se deu de 2017 em diante. Quer dizer: a partir de agora, essas pessoas começam a cumprir um dos principais requisitos para a obtenção da nacionalidade: o tempo mínimo de cinco anos de residência no país europeu", explica.
Não é por capricho que os brasileiros e demais estrangeiros desejam ostentar a cidadania portuguesa, que dá direito ao passaporte que permite entrada livre em mais de 190 países. "O motivo mais importante é o mercado de trabalho que se abre", afirma Marcelo Rubin, sócio do Clube do Passaporte. "Com a nacionalidade portuguesa, passa a ser cidadão europeu, com todos os deveres e direitos. É possível morar, estudar e trabalhar nos 27 países da União Europeia. Uma porta aberta para a internacionalização da carreira profissional", acrescenta.
Na avaliação do advogado Bruno Gutman, há um grande interesse do governo de Portugal em atrair estrangeiros para o país, em especial, os brasileiros, devido à proximidade da língua e da cultura. Tanto que, ao longo dos últimos anos, as regras para a obtenção da cidadania foram sendo facilitadas. No caso de descendência, por exemplo, o direito à nacionalidade foi estendido aos bisnetos de portugueses. E não há mais a obrigatoriedade de as gerações anteriores terem a cidadania. Basta os netos ou bisnetos comprovarem os laços familiares por meio de documentações.
Gutman lembra que há pelo menos 25 milhões de filhos, netos e bisnetos de portugueses nascidos e vivendo no Brasil. É duas vezes e meia a população atual de Portugal. A maioria dessas pessoas não sabe que têm direito a se naturalizarem portuguesas. Elas desconhecem também que Portugal quer o regresso de filhos e netos de portugueses. O país está com uma população muito velha e sem mão de obra suficiente para suprir as demandas de vários setores da economia. "Parte dos descendentes de portugueses que foram para Portugal redescobriu o país. Muitos tinham a visão ultrapassada de seus avós, de uma nação pobre e sem oportunidades", frisa.
Dupla nacionalidade
Fábio Pimentel ressalta que, já antevendo um volume maior de pedidos de cidadania, o governo português decidiu reforçar o quadro de pessoal do Instituto de Registro e do Notariado (IRN), que agrega as conservatórias — os cartórios no Brasil. O IRN assumirá, a partir de outubro, parte do trabalho relativo à imigração que hoje é executado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, órgão que será extinto. "O governo lançou um concurso para o preenchimento de 300 vagas no IRN. Também abriu a possibilidade de se requerer a nacionalidade portuguesa on-line, desde que o pedido seja feito por meio de um profissional especializado, como um advogado", frisa.
Marcelo Rubin conta que os pedidos de nacionalidade, no caso de descendência, têm partido de um público diferenciado, famílias bem estabelecidas, que querem educar seus filhos na Europa. Há, ainda, os nômades digitais, que trabalham em home office. Ele destaca que, nos primeiros seis meses deste ano, o número de pedidos de cidadania portuguesa por meio da sua empresa aumentou 30% em relação ao mesmo período de 2022, que já tinha registrado um salto impressionante. "Está claro que mais brasileiros querem uma segunda cidadania."
É importante ressaltar que, pela Constituição nacional, os brasileiros não podem ter duas nacionalidades. "Teoricamente, aqueles que se naturalizam portugueses devem abrir mão da cidadania brasileira", explica Rubin. "Mas, na prática, isso não acontece, porque são raríssimos os casos em que o Brasil exige que a pessoa escolha uma ou outra nacionalidade", emenda. Bruno Gutman assinala que há uma Proposta de Emenda à Constituição, de 2018, para pôr fim à limitação da lei. O projeto, de autoria do então senador Antonio Anastasia, hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), foi aprovado no Senado, mas está parado na Câmara.
Requisitos são rígidos
Apesar do número cada vez maior de títulos de cidadania concedidos pelo governo de Portugal — de 2010 a 2022, foram 771 mil a todos os estrangeiros —, leva-se tempo para a obtenção do benefício e é preciso cumprir uma série de rígidos requisitos. O processo dura, normalmente, dois anos, mas pode demorar até cinco, dependendo da burocracia. "No caso daqueles que pedem a nacionalidade por tempo de residência, creio que a decisão deveria ser mais rápida, pois a pessoa ficou, no mínimo cinco anos morando em Portugal, trabalhando, pagando impostos, cumprindo com todos os deveres", defende Pimentel.
Advogada e mestra em direito social e da inovação pela Nova School of Law, Elaine Moreira afirma que, para solicitar a nacionalidade por tempo de residência, o interessado deve apresentar certidão de nascimento, certidão de antecedentes criminais do país de origem, passaporte, título de residência válido e uma certidão de contagem de prazo emitida pelas autoridades portuguesas. Pelas regras, ao longo dos cinco anos de moradia em Portugal, a pessoa não pode passar mais de seis meses fora do país. Se isso acontecer, o prazo de cinco anos passa a contar novamente.
No caso, por exemplo, daqueles que só legalizaram a situação em Portugal depois de anos de moradia no país, o tempo para a requisição da nacionalidade também só conta quando se sai da ilegalidade. Muitos brasileiros entram como turistas em território luso e demoram para conseguir a autorização de residência, que é o primeiro passo para a cidadania. "A imigração ilegal atrasa em demasia o acesso à nacionalidade", destaca Elaine. Mas há uma proposta tramitando na Assembleia da República para que o tempo de espera para a regularização, desde o momento em que o pedido foi feito às autoridades, também seja contado para a naturalização. O tema deve ser discutido a partir de setembro próximo.
Passo a passo
Elaine diz que a organização, o preparo e a formalidade dos documentos exigidos, assim como a atenção às regras do Ministério da Justiça português, são cruciais para o sucesso no pedido de cidadania. "O desconhecimento das regras e da formalidade dos documentos pode prejudicar o processo. Agora que os pedidos podem ser feitos on-line, o solicitante precisa de advogados especialistas em nacionalidade portuguesa para garantir a validação e o preparo dos documentos, bem como o acompanhamento do pedido", frisa.
Fundadora da Duplla Consultoria Internacional e especialista em ciências criminais e direito migratório, a advogada Izabela Vasconcelos detalha que, para pedir a nacionalidade portuguesa por tempo de residência, é preciso ser maior de 18 anos ou emancipado pela legislação portuguesa; residir por pelo menos cinco anos legalmente no país (podem ser intercalados nos últimos 15 anos); ter conhecimento da língua portuguesa; não ter sido condenado por um crime em Portugal a pena igual ou superior a três anos de prisão; não ser ameaça à segurança nacional e não ter envolvimento com terrorismo. "Mas é bom ter cuidados, como o de não se ausentar do país por mais de seis meses da autorização de residência válida. Caso precise se ausentar, é necessário justificar a saída", enumera.
Exigências à parte, Izabela vê muitas vantagens em se obter a nacionalidade portuguesa. "Passa-se a ter acesso a universidades e instituições de ensino com até 70% de desconto nas mensalidades e é possível transmitir a nacionalidade para o cônjuge e para os filhos", afirma. A consultora migratória Karol Ximenes, diretora da Rotunda Consultoria, complementa: "As vantagens de ter um passaporte português são muitas, como o livre trânsito em todos os países da União Europeia e filas menores na imigração, além de poder residir, trabalhar, estudar em qualquer país da União Europeia sem ter que passar por processos de legalização."
Vida profissional
A vida profissional de Alessandro Luiz de Freitas, 48 anos, em Portugal, começou nos anos 2000, mas só agora ele conseguiu fazer o pedido de nacionalidade portuguesa por tempo de residência. Natural de Goiânia, Goiás, ele trabalha como motorista de caminhão e conta que, neste período, atuou no Brasil e na Europa em fases diferentes. Em 2018, recebeu um convite de uma empresa portuguesa e retornou ao país de forma regularizada. "As mudanças na legislação facilitaram os documentos para os trabalhadores formais e, agora, cinco anos depois, pude solicitar a cidadania portuguesa, que vai garantir mais direitos para mim e para a minha família", diz.
Assim que o processo estiver concluído, Alessandro planeja levar as filhas e a esposa que estão no Brasil para morar em Portugal. "Vivo nos dois países e, caso a minha família deseje ir para Portugal, terá mais facilidades no acesso aos serviços, como educação e saúde", ressalta. Foi também em 2018 que o caminhoneiro Washington Machado da Silva, 37, de Rubiataba, Goiás, teve a oportunidade de migrar para Portugal. Com emprego formal garantido, ele levou a família junto. Eles moram em Montijo, cidade próxima a Lisboa.
Cinco ano depois, Washington deu início ao processo para obter a nacionalidade portuguesa por tempo de residência. "Acredito que o imigrante que pretende viver longe do seu país tem o desejo de ter uma situação legalizada no exterior. A nacionalidade portuguesa vai me garantir mais direito em todos os países da Europa, ampliar as minhas possibilidades profissionais e trazer mais segurança para mim e minha família", afirma.
A pesquisa científica internacional atraiu a jornalista e publicitária Ravena Sombra, 35, para a Universidade de Lisboa, em Portugal. A fim de fazer mestrado em Ciências da Comunicação, ela deixou Fortaleza, no Ceará, e se mudou para a capital portuguesa em 2017. Depois de concluir o curso, permaneceu na pesquisa científica, passando para o doutorado. Esse período de dedicação aos estudos também lhe rendeu o direito de requerer a nacionalidade portuguesa por tempo de residência.
Em novembro do ano passado, Ravena ingressou com o pedido e espera a emissão do documento para ampliar as possibilidades de internacionalização de sua carreira. "Vim para Portugal com o intuito de desenvolver pesquisas na minha área profissional, mas nunca imaginei que ficaria por tanto tempo. Os estudos avançaram, e esse direito à cidadania portuguesa vai me permitir ter mais direitos e acessos em toda a Europa e a países como Canadá e Estados Unidos", enfatiza.