O estudo para concurso público foi um tanto atribulado na trajetória de Luana Farias Rocha, de 28 anos. É que seus dias eram divididos entre a rotina de concurseira, a faculdade de direito e o trabalho como cobradora de ônibus, fazendo da catraca a mesa de estudos. Valendo-se de materiais gratuitos no celular e a resolução de questões por aplicativos, entre uma viagem e outra, além de mais umas horas de dedicação à noite ao chegar em casa, a jovem conquistou o cargo de escrevente técnico judiciário no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).
Os esforços trouxeram resultado logo na segunda tentativa feita por Luana em provas de concursos. A posse no cargo veio em 2022, quando ela substituiu o posto nos ônibus pela função de viabilizar o andamento de processos judiciários, cumprindo determinações de juízes e atendimento ao público. A mudança, para Luana, é a realização de um sonho.
Natural do Grajaú, bairro da periferia de São Paulo, a origem de Luana é parecida com a de muitos brasileiros: o pai é motorista de ônibus e a mãe, empregada doméstica. Ela afirma que a força para chegar onde chegou veio de cada. "Meus pais criaram os dois filhos com muitos sacrifícios, abrindo mão de qualquer conforto pra eles e dando o melhor que podiam", conta.
Para ajudar, como podia, em casa, a rotina de trabalho começou cedo: aos 17 anos, ela começou a trabalhar. Atuou como atendente de lanchonete, recepcionista e cobradora de ônibus, emprego em que ficou por cinco anos, até ser nomeada no cargo público.
A história de Luana ganhou repercussão nas redes sociais e acabou viralizando na rede X, antigo Twitter, em novembro do ano passado, quando ela relatou o processo de aprovação no concurso em sua conta pessoal. A publicação, com mais de 151 mil curtidas, dizia: "Acabei de ser nomeada Escrevente do TJSP! Essa nomeação vai mudar TUDO na minha vida. Hoje sou cobradora de ônibus, estudei na catraca e nem consigo assimilar que meu sonho vai se realizar, que minha realidade vai ser outra!".
Educação como solução
Com uma trajetória marcada por muito trabalho e muito estudo, em condições nem sempre ideais, Luana acredita que houve um fator decisivo para a transformação em sua vida: a educação. "Encaro a educação como uma porta que deveria se abrir para mais pessoas. Infelizmente, a maioria dos que nascem em família pobre precisa trabalhar desde muito novo, em funções extremamente cansativas, e as oportunidades são poucas para ter acesso a material de qualidade e cursos", defende.
Ela acredita que, em outras condições, o sonho talvez tivesse sido alcançado mais cedo. "Meu pai começou a trabalhar aos doze anos. Eu tive o privilégio de poder começar aos 17, mas ainda considero muito cedo. Tenho certeza que, em situação diferente, teria conquistado meus sonhos mais rapidamente", afirma.
Mas, mesmo em meio às adversidades, o objetivo foi conquistado. E o conselho de Luana para aqueles que têm um sonho a perseguir, é que não desistam. "Sei que muitos estão em um contexto cansativo, mas é a única forma que encontrei de mudar a minha vida. Acredito que seja a única maneira que muitos outros encontrarão também, então é necessário perseverar. Existe material gratuito, ou mais barato, e muita gente disposta a ajudar e a compartilhar", recomenda.
*Estagiária sob a supervisão de Denise Britto