Personal trainer de formação, Fernanda Gomes é uma mulher de 34 anos determinada e apaixonada por arte. Há um ano, dedicava-se à carreira com sucesso, mas não sentia o mesmo entusiasmo, com o trabalho diário, que experimentava ao dar vazão ao seu lado artístico.
"Desde criancinha eu me dava muito bem com as artes e, no meu trabalho anterior, eu me sentia presa. Tudo se tornou cansativo e frustrante para mim", relata. "A liberdade da arte é um refúgio", revela.
A artista, então, decidiu transformar a vida profissional substituindo a carreira esportiva pelas artes. Passou a trabalhar com a escultura de bonecos, onde encontrou sua verdadeira vocação.
"Minha namorada falou que eu podia vender (os bonecos). Na hora não dei muita importância para a ideia, mas ela ficou na cabeça", conta a artesã. Quando decidiu, enfim, mudar de carreira, Fernanda recebeu muitos olhares preocupados. "As pessoas me diziam 'você acabou de largar seu emprego, e se não der certo?'. Mas tudo que eu pensava era 'vai dar certo'", relembra.
E como Fernanda já imaginava, o negócio decolou. Atualmente, sua renda mensal é superior ao que recebia enquanto personal trainer. Os bonecos moldados pela artesã já viajam o mundo, com encomendas internacionais dos Estados Unidos, Itália e Chile. "Agora eu me encontrei. Trabalhar com isso nem parece trabalho. Eu só paro porque acaba o dia. Em questão de horas, eu trabalho mais do que quando eu trabalhava como personal e sem perceber", conta.
Na busca por realização pessoal e profissional, como no caso de Fernanda, muitas pessoas se deparam com a difícil decisão de abandonar suas carreiras, consolidadas ou não, para perseguir seus verdadeiros sonhos. A princípio, essa pode ser vista como uma escolha impensada ou inconsequente, mas para quem não quer mais esperar para seguir seu propósito de vida, a decisão torna-se fundamental.
De acordo com a psicóloga clínica Valéria Cardoso, a psicologia vê a relação entre propósito de vida e a escolha de carreira como fundamental para o bem-estar e a satisfação pessoal. A especialista destaca a importância de encontrar um trabalho que esteja alinhado com os interesses, valores e habilidades do profissional.
"Quando uma pessoa encontra uma carreira que se alinha ao seu propósito de vida, ela experimenta maior satisfação, motivação e realização pessoal. Isso ocorre porque o trabalho se torna mais do que apenas uma fonte de renda, mas também uma oportunidade de expressar seus talentos, paixões e valores", diz.
Foi o que aconteceu com Fernanda. Agora, ela já planeja outros desafios na nova profissão. Para o futuro, a artista pretende ensinar, de forma gratuita, suas técnicas aos próximos artistas que, como ela, prezam pela liberdade da arte. "Quero que todos tenham a mesma chance que eu tive. Mudar de carreira me renovou e me fez nascer de novo, com um novo significado dessa vez", destaca.
Empreendedor digital
Para quem deseja experimentar novos ares na carreira, o mundo virtual é um terreno fértil. Foi usando de tudo que a internet oferece que Allan Martins, de 28 anos, se encontrou no empreendedorismo digital. Mas, antes de encontrar o sucesso no ramo, Martins passou por grande frustração em sua ocupação anterior.
ção em sua ocupação anterior. O então recém-formado em direito, que estava insatisfeito na área, teve de lidar com a pandemia. Todos esses fatores motivaram o jovem adulto a se aventurar na web em busca de algo que lhe agradasse. “Eu sempre tive vontade de viajar e precisava de renda extra. Então, passei a pesquisar bastante sobre algo que unisse as duas coisas”, explica.
Foi assim que Allan se encontrou no mercado de milhagens aéreas. “Me dediquei totalmente a esse assunto e comecei a pesquisar algumas coisas. Entendi a mecânica das milhas aéreas e aprendi como faturar ao vender, comprar e trocar milhas”, conta. “Hoje, faço consultorias e ensino as pessoas a monitorar suas milhas para que possam vender no momento mais oportuno ou viajar de forma econômica”, completa.
Allan conta que as pessoas o achavam louco quando decidiu mudar de carreira, acreditavam que era jogar cinco anos de faculdade no lixo. “Hoje, tiro minha renda exclusivamente disso e realizo meu sonho de viajar pelo mundo. Sou totalmente realizado”, comemora o empreendedor.
Descoberta da vocação
A mudança de carreira pode servir para mostrar um novo propósito dentro de um sonho já estabelecido, como foi o caso do advogado de causas médicas Hyago Alves. Aos 31 anos, Hyago relembra sua trajetória desde o ingresso na faculdade de direito, aos 16 anos. “Eu sempre fiquei em dúvida entre as duas áreas, mas quando a minha irmã começou a estudar para entrar em medicina, meu coração chamou”, conta ele. “Estudei e entrei na faculdade, já estava na metade do curso de direito e, para ajudar a financiar o curso pelo Fies, atuava nas duas áreas como dava”, recorda
A surpreendente mescla entre medicina e direito mostrou ao médico advogado seu verdadeiro propósito de vida. “Eu já havia me formado e tinha carreira no direito quando atuei em Samu, UTI Covid, mas neste momento precisei me afastar da medicina para exercer somente a defesa médica”, explica. “É uma descoberta de uma vocação. Se eu não tivesse passado pela medicina eu não teria descoberto meu propósito. É mais que uma profissão e o dinheiro, em si”, destaca Hyago.
A transição de carreiras não é uma escolha fácil ou imediata, principalmente quando estão na balança o sonho a ser seguido e a segurança financeira adquirida na carreira anterior. Essa é a situação da contadora e personal trainer Stephanie Candido, que, aos 25 anos, concilia as duas áreas. “Aos 18 anos eu escolhi fazer contabilidade, não era o que eu queria, mas uma frase que meu pai me disse me fez ingressar no curso”, conta. “Ele disse: pobre tem que fazer o que tem mercado. E assim eu fiz. Eu não odiava o curso, mas também não o amava”, desabafa.
A agora, estudante de educação física, iniciou sua nova trajetória há dois anos. “Eu passei a fazer o que eu realmente queria, o que fazia meus olhos brilharem”, explica. Trabalhando como personal e, no tempo livre, de forma remota, como contadora, muitas vezes dentro das academias, Stephanie se sente cansada, porém muito mais realizada
“Mesmo sendo algo que eu amo, vem com muitas responsabilidades e minha rotina é exaustiva: estudar e trabalhar em áreas diferentes. Mas apesar disso, me sinto satisfeita”, diz. Por enquanto, Stephanie não pretende abandonar a contabilidade. “Eu achava que abandonaria, mas agora pretendo usar minha experiência na área para atuar como autônoma e ter uma renda extra”, esclarece a personal.
A psicóloga Valéria Cardoso recomenda essa escolha para pessoas que, como Stephanie, precisam equilibrar a segurança financeira e a busca de um sonho. “Para equilibrar a necessidade de segurança financeira com a busca de um trabalho significativo, avalie suas prioridades. Não dá para fazer tudo ao mesmo tempo, avalie seu tempo, necessidades financeiras e faça mudanças aos pouco”, orienta a psicóloga. “Nem sempre você vai precisar abandonar sua segurança totalmente, você pode por exemplo, considerar um outro trabalho em meio período e usar o restante do tempo para dedicar-se aquilo que você deseja e que está alinhado aos seus valores”, completa.
Medicina na maturidade
Juliana Salvarani, 51 anos, viu muito tempo passar até decidir ir em busca do seu sonho, aos 46: entrar no curso de medicina. "Quando saí do ensino médio, há muitos anos, eu tentei entrar para medicina, mas não consegui. Fiquei cansada de tentar, na época, pelo processo exaustivo de vestibulares, então resolvi cursar farmácia e fui muito feliz, até esqueci da medicina por um tempo", recorda.
A vida seguiu e Juliana encontrou um novo propósito ao atuar como farmacêutica, mas o desejo de ser médica nunca a havia deixado, de fato. "Sempre fiz tudo com muito amor e a farmácia não foi diferente. Mas eu ainda tinha aquela vontade de ser médica dentro de mim, em algum lugar", conta.
A coragem veio anos depois, em 2013, quando ela resolveu encarar os medos e seguir em busca do antigo sonho: "Eu decidi largar a farmácia para tentar medicina de novo". A decisão, no entanto, não foi vista com bons olhos por quem acompanhava sua trajetória. Juliana precisou lidar com olhares desdenhosos e palavras de desincentivo com a resolução.
"Fui muito julgada pela minha idade e decisão. Me chamaram de doida e disseram que era melhor me aposentar", desabafa. Mas nenhum comentário maldoso sobre a atitude foi suficiente para abalar sua confiança.
Juliana sempre soube olhar para si e reconhecer seu propósito de vida, algo extremamente recomendado pela psicologia. A futura médica conta que, desde criança, sonha em fazer medicina, em especial a medicina comunitária e de família: "Quero o corpo a corpo, esse contato é a minha vocação".
Satisfação profissional
Para a psicologia positiva, a felicidade tem cinco pilares. É o que explica a psicóloga Maria Eduarda Monteiro (veja quadro) sobre a relação entre trabalho e propósito de vida. "Pensamento positivo, engajamento, relações interpessoais, propósito e conquistas são os cinco pilares para a satisfação pessoal de uma pessoa em sua carreira, todos esses pontos estão diretamente ligados para o bem-estar do indivíduo".
De acordo com a psicóloga, adepta da psicologia positiva, a escolha de carreira está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento da identidade e do propósito de vida. "Todos têm um propósito, mas algumas pessoas não conseguem perceber isso", explica a profissional.
A psicóloga diz que, quando uma pessoa não se conhece, não sabe seus valores e motivações, todos os trabalhos a tornarão insatisfeita e infeliz. "Se você não sabe o que você quer, o que faz sentido pra você ou por que você faz o que faz, você se torna uma pessoa frustrada", esclarece.
Para a profissional, o autoconhecimento é a chave para superar os entraves tanto da vida pessoal quanto profissional. "Para se conhecer e saber qual o seu propósito, uma pessoa pode precisar desde alguns momentos de introspecção a acompanhamento psicológico, pois fatores externos como pressão familiar e social influenciam nesse processo", completa.
Apesar de não ser sempre possível, a psicóloga orienta ainda buscar por uma rede de apoio para ajudar a lidar com o momento delicado que costuma ser uma mudança de carreira. Felizmente, para Juliana, o apoio veio multiplicado por cinco: marido e quatro filhos, também da área médica, a ampararam durante toda a jornada.
"Eles não me ajudaram somente a entrar para a faculdade, mas também me ajudam dentro dela. Por esse apoio e por seguir meu sonho, eu me sinto tão feliz e realizada", celebra Juliana.
*Estagiária sob supervisão de Ana Sá