Impasse

Enfermeiros aguardam piso salarial, um ano após Emenda Constitucional

Apesar de ter direito reconhecido por lei, categoria espera definições de sindicatos e governos para receber o piso

Denise Britto
postado em 23/07/2023 06:00 / atualizado em 23/07/2023 06:00
Enfermeiros, técnicos e auxiliares aguardam início do pagamento do piso salarial para a categoria um ano depois da aprovação da Emenda Constitucional que assegura o direito. Após sucessivas decisões, a previsão é de que profissionais da rede pública comecem a receber os valores atualizados em agosto. Na rede privada, trabalhadores dependem de negociação com clínicas, hospitais, laboratórios e casas de saúde. -  (crédito: Editoria de Arte )
Enfermeiros, técnicos e auxiliares aguardam início do pagamento do piso salarial para a categoria um ano depois da aprovação da Emenda Constitucional que assegura o direito. Após sucessivas decisões, a previsão é de que profissionais da rede pública comecem a receber os valores atualizados em agosto. Na rede privada, trabalhadores dependem de negociação com clínicas, hospitais, laboratórios e casas de saúde. - (crédito: Editoria de Arte )
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Os quase 3 milhões de profissionais da enfermagem no Brasil acompanham há um ano as sucessivas decisões sobre o pagamento do piso salarial para a categoria. Embora o julgamento recente do Supremo Tribunal Federal (STF) tenha sido favorável ao reajuste com valores fixos para todo o país, o impasse permanece entre representantes da rede privada e as secretarias de saúde. Para o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), no entanto, a decisão é clara: "o pagamento do piso salarial é o primeiro reconhecimento público recebido pela categoria".

Quem afirma é o conselheiro federal Daniel Menezes, enfermeiro concursado do Grupo Hospitalar Conceição, no Rio Grande do Sul. Para ele, o cumprimento ao piso é a correção de uma injustiça histórica com a categoria, e tanto a rede pública quanto a rede privada têm condições de arcar com os custos. De acordo com levantamento do Cofen, nos últimos dois anos, o setor privado de saúde teve um incremento de 20% na arrecadação.

Homem sorrindo com os braços cruzados, vestindo terno preto, camisa e gravata azuis.
Daniel Menezes, conselheiro do Cofen, defende reparação histórica (foto: Divulgação / Conselho Federal de Enfermagem)

"Para a rede privada, o impacto do piso salarial vai ser de cerca de 4% desse mercado. É preciso entender que tendo enfermeiros satisfeitos e bem remunerados, vai haver um aumento geral de ganhos também", explica o conselheiro.

Impactos nas contas

Para os sindicatos patronais, a situação parece ser mais complicada. De acordo com a superintendente do Sindicato Brasiliense de Hospitais, Casas de Saúde e Clínicas (SBH), Danielle Feitosa, o aumento na folha salarial das empresas de saúde vai ser insustentável. "Para se ter uma ideia do impacto, com a aplicação da nova lei, somente para os técnicos de enfermagem haveria um aumento de mais de 141% do valor nominal, fora todas as gratificações e benefícios", conta. "Não há empresa de saúde que consiga suportar tamanho aumento da folha salarial", completa a superintendente, apontando eventuais riscos às instituições privadas.

Atualmente, o piso pago aos profissionais da enfermagem é definido em convenções coletivas locais. No Distrito Federal, os valores vigentes para a rede privada são de R$ 2.000 para enfermeiros e R$ 1.376 para técnicos. Após aprovação da Lei Federal nº 14.434/2022, com projeto de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), os valores foram fixados em R$ 3.325 para técnicos e R$ 4.750 para enfermeiros, neste caso, um aumento de 137,5%.

Apesar das decisões favoráveis, hoje, nenhum hospital privado do DF cumpre o piso salarial da enfermagem, segundo o SBH. Nos estados brasileiros, a situação não é diferente para a saúde da rede privada. De acordo com o diretor jurídico do sindicato patronal Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), Marcos Vinícius Ottoni, as instituições de todos os estados ainda não se adequaram à nova realidade.

Para Ottoni, caso a decisão do STF não seja revista, a posição da Confederação é de que hospitais, clínicas, laboratórios e casas de saúde busquem o acordo coletivo com os enfermeiros para que se chegue a um novo valor, evitando riscos de demissão. "Nossa orientação é de que seja feita a negociação com a categoria. Não chegando a um acordo, serão feitos ajustes necessários para dar conta do piso", afirma. "Podemos ter demissão em massa na categoria e substituição de enfermeiros por profissionais com outras qualificações", complementa. Segundo o CNSaúde, a decisão pode chegar a 300 mil demitidos em todo o país, especialmente porque, de acordo com Ottoni, os sindicatos não estão dispostos a negociar.

De fato, a orientação do Cofen é de que não reduzam os valores estabelecidos em lei. "Nós não recomendamos a negociação para menores salários", sustenta Menezes. Para ele, o setor privado terá de lidar com as possíveis perdas: "Esse mercado quer ganhar cada vez mais e não quer perder nem R$ 1 para valorizar a enfermagem".

Defesa do piso

Senador Contarato (PT-ES): "ferrenho defensor" do piso para a enfermagem
Senador Contarato (PT-ES): "ferrenho defensor" do piso para a enfermagem (foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

Mesmo com tanta polêmica sobre as possíveis consequências da efetivação legal do piso, o senador Fabiano Contarato se define como "ferrenho defensor" da causa e explica que a bandeira é fruto dos esforços exercidos pela categoria durante a pandemia. "Esse projeto (que deu origem à Lei Federal nº 14.434/2022) é de 2020, quando o Brasil lutava contra a pandemia de covid-19 e os índices de mortes só subiam. Na linha de frente das instituições de saúde de todo o país, os profissionais da enfermagem arriscaram a própria vida diariamente para salvar o próximo", pontua.

O senador concorda com a visão do Cofen de que o pagamento do piso é uma reparação histórica para os enfermeiros. "É o reconhecimento de uma categoria que vem almejando por dignidade há décadas", diz Contarato.

Cezar Black é mais um integrante do time Pipoca do BBB23. Baiano e mora em Brasília há mais de 10 anos. No Instagram leva vida de luxo.
Ex-BBB Cezar Black: "Quero ajudar a enfermagem a ser mais forte" (foto: Reprodução/Instagram (cezar.black))

Outro defensor notório do piso nacional da enfermagem é o ex-BBB Cezar Black. Enfermeiro do Hospital Universitário de Brasília (HUB), Black ajudou a popularizar o tema ao levar a realidade da enfermagem à TV, em rede nacional. Presente na assinatura do Projeto de Lei da Enfermagem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-BBB se diz entusiasmado com as decisões favoráveis ao piso. "A enfermagem sempre foi a minha vida e contribuiu para me tornar o homem que sou hoje", diz.

"Mesmo sendo a classe de maior presença nas unidades de saúde, ainda não é devidamente valorizada pela população e menos ainda pelos gestores. O piso salarial vai trazer além de valorização salarial, dignidade e qualidade de vida pra uma classe que trabalha integralmente cuidando de pessoas e salvando vidas", defende Black.

Saúde pública

Para a rede pública de saúde, o pagamento do piso salarial da enfermagem está condicionado ao repasse de verbas da União para os estados, municípios e entidades que mantêm contrato com o poder público, conforme decisão do STF. Em maio deste ano, R$ 7,3 bilhões em créditos suplementares foram autorizados pelo presidente Lula para o custeio do piso, destravando o impasse jurídico sobre a questão.

Mesmo com a liberação dos recursos, a ressalva feita pelo STF vem no sentido de que o valor pode ser insuficiente para arcar com os custos públicos. No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.222, impetrada pela CNSaúde, o ministro Luís Roberto Barroso pontua que informações contidas nos autos dão conta de que o impacto financeiro, somente para os municípios, seria de R$ 10,5 bilhões no primeiro ano, valor muito superior ao aprovado para a efetivação do pagamento.

O Ministério da Saúde, no entanto, garante que os valores serão pagos no próximo contracheque. Em nota, a pasta afirma que o pagamento será retroativo a maio e feito em nove parcelas. O valor total a ser destinado ainda não foi divulgado.

 ara os estados, a posição é de cautela. O Correio procurou as Secretarias de Saúde dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal e, até o fechamento desta edição, as secretarias do Ceará, DF, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo disseram aguardar definição dos repasses do governo federal para dar início ao pagamento. As demais não responderam.

Relembre as decisões

  • Em julho de 2022 a Emenda Constitucional 124 foi promulgada pelo Congresso Nacional, instituindo um piso salarial para a enfermagem.
  • Em agosto do mesmo ano, a lei federal proposta pelo deputado Fabiano Contarato (PT-ES) fixou os valores do piso: R$ 4.750 para os profissionais de enfermagem; R$ 3.325 para os técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras.
  • No mês seguinte, o STF suspendeu o pagamento sob a alegação de que a lei não previa a origem dos recursos para os custos com os profissionais da rede pública, conforme determina a Lei de Responsabilidade
    Fiscal (LRF).
  • O Congresso aprova a Emenda Constitucional 127 em dezembro de 2022 prevendo a criação de um Fundo Social com a destinação de recursos da União para o custeio do piso salarial.
  • Já em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sanciona sem vetos
    a lei que abre crédito suplementar
    de R$ 7,3 bilhões para estados e municípios pagarem o piso.
  • A última decisão do STF, publicada em 12 de julho, determina o pagamento do piso para profissionais da saúde pública, obedecendo os limites dos repasses federais. Para a rede privada, fica decidida a realização de acordo coletivo em 60 dias sobre o assunto. Não havendo negociação, vale o valor definido em lei.

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