Legislação

Projeto de Lei quer barrar perguntas indiscretas em entrevistas de emprego

Projeto em tramitação na Câmara dos Deputados quer proibir questionamentos de cunho pessoal e com viés discriminatório. Essa prática viola a intimidade e impacta a garantia de igualdade entre os candidatos

Aline Gouveia
postado em 02/07/2023 00:01 / atualizado em 02/07/2023 14:55
Deputada Talíria Petrone (PSOL), uma das autoras da iniciativa, quer facilitar o acesso mais igualitário ao mercado de trabalho -  (crédito: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados)
Deputada Talíria Petrone (PSOL), uma das autoras da iniciativa, quer facilitar o acesso mais igualitário ao mercado de trabalho - (crédito: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados)

"Você tem filho?". "Com quem você vai deixá-lo para trabalhar?". "Qual a sua orientação sexual?". Esses são exemplos de perguntas que, embora não estejam relacionadas ao ambiente de trabalho, são comuns de serem ouvidas em entrevistas de emprego. Apesar de o candidato não ser obrigado a responder tudo o que recrutador gostaria de saber, ser indagado sobre questões pessoais faz com que as pessoas fiquem sem saber como agir para se sair bem-sucedido na seleção. Entretanto, para as parlamentares Talíria Petrone (Psol-RJ) e Daiana Santos (PCdoB-RS), esses questionamentos são constrangedores e têm vieses discriminatórios.

As parlamentares apresentaram um projeto de lei que proíbe perguntas deste tipo em entrevistas de empregos e outros processos seletivos. O texto estabelece multa correspondente ao valor da remuneração mensal da respectiva vaga de emprego, em caso de reincidência o valor deverá ser dobrado. "A proposta de lei visa combater a precarização da vida das minorias sociais no Brasil, em um contexto em que esses grupos enfrentam desafios significativos e discriminatórios. Ela é apresentada como parte das discriminações sofridas pelas populações em situação de vulnerabilidade. O objetivo principal dessa lei é estabelecer mecanismos legais para promover a equidade e proteção dessas minorias", defendem as deputadas.

Segundo o projeto, indagar aos candidatos sobre questões pessoais em processos seletivos viola os princípios da privacidade e intimidade previstos na Constituição Federal. "Importante ressaltar que o Brasil é signatário da Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, a qual determina que empregador não poderá fazer qualquer distinção, exclusão ou preferência ao empregado em razão de raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social", ressaltam, na justificativa do projeto, as deputadas Talíria e Daiana.

Para lidar com essas situações, a diretora executiva do Instituto Ser , Wandreza Bayona, recomenda que as pessoas usem do direito de não responder as perguntas que não os deixam confortáveis ou leve o caso ao setor de Recursos Humanos da empresa. No entanto, a especialista também destaca a importância de manter a educação e mostrar maturidade.

"Se tiver qualquer pergunta de viés discriminatório, você pode, inclusive, pontuar isso para o RH, desta forma: 'peço desculpas, mas essa pergunta está com um viés discriminatório e eu não gostaria de responder'. A transparência e a tranquilidade nesse tipo de resposta, é o que vai conotar o seu processo de maturidade, porque é necessário manter a maturidade mesmo quando este tipo de questão aparecer. Também devemos sempre estar preparados para situações adversas e que não nos preparamos. Manter a perspectiva que do outro lado tem uma pessoa que, talvez nem tenha percebido que a pergunta foi feita de uma maneira discriminatória, pode te ajudar a manter a calma e conduzir a sua resposta", diz Wandreza.

Contudo, a especialista em administração e gestão empresarial, Thaisa Batista, ressalta que nem todas as perguntas de cunho pessoal têm aspectos discriminatórios. Pelo contrário, alguns desses questionamentos podem integrar a política da empresa de buscar por mais representatividade no ambiente de trabalho. "Estamos em um momento em que há empresas que estão buscando serem mais inclusivas e diversas, e para isso, no primeiro contato com o candidato, muitos deles precisam preencher características, como opção sexual e raça. Se esse é o propósito da organização, é válido que, se a pessoa se sentir à vontade, declare essas informações. Vale entender o contexto das situações", pontua Thaisa.

Em relação às empresas, Wandreza Bayona defende mais capacitação da equipe, a fim de evitar perguntas possivelmente constrangedoras ou discriminatórias. Além disso, abrir espaço para a diversidade também pode contribuir na oferta de um ambiente de trabalho mais acolhedor e igualitário. "É importante olhar as competências e não os outros itens incluídos naquele currículo. E para que a empresa garanta isso, como se trata de pessoas, a melhor forma é sempre por meio da capacitação. Se a companhia tiver empresas terceirizadas que cuidam desses processos, deve-se olhar como a empresa trabalha, seu índice de diversidade, porque quanto mais diversa ela for, menor as chances de ter um viés discriminatório nas entrevistas", recomenda a especialista.

"Traumas"

A pesquisa Maternidade e Mercado de Trabalho, realizada pela plataforma Vagas.com e divulgada no fim de 2021, revela que cerca de 70% das mulheres já foram questionadas sobre filhos em entrevistas de emprego. O principal temor dessas pessoas é o fato de que esse questionamento possa ser um aspecto desclassificatório para a vaga. E essa insegurança das mães se confirma em muitos dos casos. Assim que a licença-maternidade da escritora Joice Melo terminou, ela foi buscar outro emprego após ser demitida da antiga empresa. Joice lembra que, durante a entrevista, o recrutador perguntou insistentemente com quem ficaria o bebê dela. "Eu falei que tinha um bebê, na época eu estava casada e disse que a criança ficaria com o pai. A pessoa virou para mim e começou a falar que o bebê era muito pequeno e tinha de que ficar com a mãe", diz.

"'Quem vai cuidar?', 'quem vai amamentar?'. Eu expliquei para ele como eu faria. Depois, eles me ligaram e falaram que eu não tinha passado na seleção. Eu tenho certeza que foi por causa disso, porque eles me questionaram muito", relata a escritora. Joice descreve essas experiências em processos seletivos e em empregos como "traumas". Quando ainda estava grávida, ela foi chamada de "imprestável" pela chefe depois dela relatar a dificuldade em se deslocar por causa do inchaço causado pela gravidez. 

Para a vendedora Sarah Favaro, essas práticas são "abusivas" e as empresas devem se atentar para o currículo dos candidatos, e não às questões estritamente pessoais. "Em toda entrevista eles perguntam se você tem filhos, quantos tem, sua idade e também a escolaridade, como se quem tem ensino superior não deveria ter filho. É muito comum, e é ruim ter de que dar explicações para alguém que não tem nenhum vínculo com você, sobre se seu filho vai para a escola, se vai ficar com a babá ou parente, se está casada com o pai da criança. Acho muito abusivo", afirma Sarah. 

  • Deputada Daiana Santos apresentou o projeto de lei junto com a Talíria Petrone. "O objetivo principal dessa lei é estabelecer mecanismos legais para promover a equidade e proteção dessas minorias", diz o texto Pablo Valadares / Câmara dos Deputados
  • Wandreza Bayona, diretora executiva do Instituto Ser : "Se não quiser responder, não precisa responder. Mas se optar por responder, é necessário sempre manter a educação e maturidade para o tema", diz Divulgação/Thiago Rodrigues
  • Thaisa Batista, especialista em gestão empresarial, diz que o candidato pode se recusar a responder perguntas constrangedoras. "Mediar essa inconsistência de propósito de maneira educada", diz Arquivo pessoal
  • A escritora Joice Melo descreve as experiência em entrevistas de emprego e na empresa, quando estava grávida, como "traumas" Arquivo pessoal

Dicas

De maneira geral, estudar sobre a empresa que está recrutando é a principal dica para que os candidatos aumentem as chances de se saírem bem-sucedidos nas entrevistas de emprego. A recomendação serve tanto para a pessoa ser mais assertiva, quanto para ter mais segurança para lidar com situações imprevistas ou possivelmente constrangedoras. Para os mais jovens, o fato de não ter experiência costuma causar medo. Nesses casos, a especialista Wandreza Bayona lembra que ser sincero e evitar criar expectativas sobre conhecimentos que não tem é fundamental.

"Dizer a verdade e enfatizar suas soft skills, que são as habilidades pessoais que você possui, é sempre uma boa dica. A ideia é compartilhar exemplos do seu dia a dia, mesmo que não tenha experiência profissional, como projetos realizados durante a escola, faculdade, trabalhos voluntários em que já tenha participado, e relatar situações da sua rotina que evidenciem suas habilidades, como resiliência, trabalho em equipe e habilidades de gestão. É essencial compreender a empresa que está recrutando, o processo seletivo e a vaga para a qual está se candidatando, a fim de avaliar se possui o perfil adequado e se é realmente um sonho trabalhar nesse ramo e carreira, evitando decepções de ambas as partes", orienta.

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