Responsáveis por lidar com as complexidades da saúde na terceira idade, considerando os aspectos físicos, mentais e sociais do envelhecimento, os geriatras têm papel fundamental na qualidade de vida da pessoa idosa. Apesar dessa importância, a pouca oferta de especialistas na área é motivo de preocupação para especialistas. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que haja um geriatra a cada mil idosos. No Brasil, é a média é de um para 12 mil.
O Brasil está passando por um processo de envelhecimento acelerado da população, com um aumento significativo da expectativa de vida e maior proporção de idosos. De acordo com o último levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), pessoas com 60 anos ou mais representavam 14,7% da população residente no Brasil em 2021. Em números absolutos, são 31,23 milhões de pessoas.
Para a servidora pública Maria Ilva Alves, 59 anos, principal responsável por sua mãe, Rosa, 83, a maior angústia de toda a família é a dificuldade de aceso a médicos geriatra na rede SUS. Segundo ela, na grande maioria das vezes, a tentativa de marcação de consulta foi em vão. "Nas ocasiões que cogitei o atendimento na rede pública, me deparei com dificuldade de encontrar médicos especialistas. Observei que, mesmo na rede particular, é muito difícil conseguir atendimento, tanto por falta de médicos como pelo preço altíssimo das consultas", lamenta. "Na grande maioria dos consultórios só atendem com pagamento a vista e em dinheiro", afirma.
Maria Ilva acrescenta que, devido a sua minha mãe já ter comorbidades, é necessário recorrer, sempre, a médicos especialistas. 'O geriatra acaba por atender pessoas em longevidade e que não necessariamente seguem uma rotina com especialistas. São fatores que representam uma calamidade para a maioria das famílias de idosos da nossa cidade e em todo o país", lamenta.
O funcionário público Vandir da Silva Brandão, 69, afirma nunca ter se consultado com um geriatra, apesar da idade avançada. "Quando vou ao posto de saúde só tem clínico geral disponível. Peço, então, os exames básicos pra ver se está tudo certo", diz ele, revelando, ainda, não ter mais plano de saúde por conta dos reajustes abusivos. "Faz anos que minha única alternativa é o SUS, onde, mesmo os médicos de outras áreas nunca me orientaram a procurar por atendimento específico, com geriatria. Sei que a idade vai avançando e os problemas vão aparecendo e se agravando. Por isso, tenho sempre em mente que o melhor é prevenir para não ter que remediar", completa o morador da Cidade Ocidental, que há três décadas trocou a Paraíba por Brasília.
A cearense Terezinha Maia, 73, que nasceu e vive na pacata Independência, região do Crateús, ressente-se de nunca ter tido acesso a atendimento geriátrico em sua terra natal. "Lá só tem médicos do PSF (Programa Saúde da Família) e os médicos que atuam no programa só dão orientações básicas. Como se não bastasse, o hospital de lá não faz nenhuma cirurgia. Em caso de urgência temos que recorrer a cidades distantes, como Sobral, Mauá e Fortaleza", afirma a professora aposentada.
Ainda segundo ela, a única possibilidade de atendimento com um geriatra na cidade é por meio de consulta particular, da ordem de R$ 350, valor que pesa significativamente no orçamento da grade maioria da população. "A população de todo o país está envelhecendo e muita gente que passou a vida trabalhando e conta com aposentadoria minguada está morrendo por falta de atenção básica, infelizmente, por conta da ausência de políticas públicas eficientes", diz.
A Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa idosa da Câmara dos Deputados revelou, em recente audiência pública, que apenas 2.700 especialistas da área estão registrados no Conselho Federal de Medicina (CFM) e somente 1.691 na Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Durante os debates, a geriatra Karla Giacomin, do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC), ressaltou que muitos cursos de medicina não oferecem disciplina específica sobre envelhecimento e que, entre os cerca de 42 mil alunos de residência médica no país, apenas 0,7% optam pela geriatria.
Giacomin salientou, ainda, que apesar da Política Nacional do Idoso, criada em 1994, e do Estatuto do Idoso, de 2003, preverem a capacitação de profissionais para o cuidado dos mais velhos, a desigualdade social faz com que seja bem diferente envelhecer na classe média alta e na periferia. O representante da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), Carlos Uehara, foi mais um a destacar a falta de interesse de instituições de ensino superior em oferecer vagas para residência em geriatria.
Pesquisa da SBGG mostra que em 2018 foram abertas 332 vagas para residência de geriatria no Brasil e apenas 60% foram ocupadas, deixando o equivalente a 132 vagas em aberto, o que reflete, hoje, na carência de profissionais no mercado. Uehara apontou que essa demanda não chega a 200 postos. Segundo ele, o modelo atual de saúde está muito centrado no hospital e no médico e que, com o aumento da prevalência das doenças crônicas não transmissíveis, é preciso que haja uma mudança nesse cenário para incorporar outros profissionais, como fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e nutricionista.
"A gente tem que começar a olhar a população idosa também como uma oportunidade e possibilidade de desenvolver ações de prevenção para que esse idoso não evolua para uma dependência, uma necessidade de leito de longa permanência. E para isso, as equipes multidisciplinares são extremamente importantes", disse Uehara.
Também associado da SBGG, o médico geriatra Thiago Póvoa complementa que a parca oferta desses especialistas faz com que eles sejam mal distribuídos no Brasil, se concentrando apenas nas capitais. Póvoa aponta a falta de políticas públicas que promova a integração da terceira idade na sociedade como uma agravante na falta de atendimento adequado. "Falta cuidado com quem envelhece. Para piorar a situação, falta vontade política" diz. "O geriatra não cuida só de quem já é velho, cuida de todos que estão caminhando para o envelhecimento para que esse processo ocorra de forma saudável", afirma.
O especialista alerta que o acesso e o cuidado ao idoso recai sobre toda a sociedade. "A SBGG recomenda que todos os setores lancem um olhar mais atento, compreenda as dificuldades e pratique a inclusão desses indivíduos de maneira a prezar pela saúde física e mental de todos", lembra.
O gerontólogo da SBGG Otávio Nóbrega confirma a crescente exclusão dos idosos no sistema de saúde complementar. "Mesmo quando essa população está interessada em arcar com os custos, há dificuldades no ingresso em planos de saúde, por questões de estratégia comercial", destaca o especialista. De acordo com dados do Conselho Federal de Medicina (CFM), apenas 1% dos médicos em formação escolhem a geriatria. Além disso, as vagas de residência na área não são preenchidas por falta de interesse.
Uma das mais sérias consequências da pouca oferta de médicos geriatras, afirma Nóbrega, é o consumo excessivo de medicamentos. "No SUS, há situações clínicas em que a única alternativa do idoso é consumir medicamentos inadequados", diz.
Póvoa destaca que a ausência de políticas públicas voltadas à terceira idade culmina na superlotação de pronto socorros e postos de saúde. E que o desfalque de geriatras no país é, também, uma questão de diferença de classe social, principalmente por conta da concentração de médicos nas capitais, sobretudo na região sudeste. "São poucos profissionais, e muito mal distribuídos", afirma, ponderando que a desigualdade social faz com que o envelhecer seja muito diferente entre as camadas da sociedade. "Não é fácil ser idoso no Brasil sem a garantia de uma assistência digna", lamenta.
*Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende