"Caminhe com cuidado, faça tudo para ser feliz, e partilhe com os outros a sua felicidade." Os versos do poema Desiderata, do escritor americano Max Ehrmann (1872-1945), são como uma mantra para a professora Celiana Moroso, 47 anos. O encontro com o texto — cujo título significa "aquilo que se deseja" ou "coisas desejadas" em latim — parece obra do destino. Ela vivia um momento de descobertas e buscava significado no trabalho diário em sala de aula. Um quadro na parede do consultório da dentista trazia as palavras inspiradoras que se encaixavam perfeitamente no projeto que ela começava a desenvolver no Centro de Ensino Fundamental (CEF) 16 de Ceilândia.
Criada na periferia, também na região de Ceilândia, ela conta que ser professora não era seu principal objetivo para a carreira, mas os caminhos dela se cruzaram com os da sala de aula em diversos momentos. "Estudei em escola pública a vida inteira. Sou de Brasília, de família humilde. Fui uma criança que não tinha livros em casa para ler, e eu era apaixonada pela biblioteca da escola", relata. "Hoje, meus filhos levam livros para casa para lerem. Antes, não tinha isso", completa a professora, que é mãe de Tainan, 18 anos; Samara, 17; Theo, 9; e Selena, 6 — todos estudantes de escola pública. "Eu adquiri o hábito de leitura depois de adulta. Isso, para mim, é um troféu", diz a professora, orgulhosa.
Celiana foi uma das últimas alunas da extinta formação em magistério. As primeiras aulas ela deu para crianças, em escolas classe. Como tinha vontade de passar a lecionar para jovens, optou, na graduação, pelo curso de letras inglês, em uma faculdade particular. A aprovação na Secretaria de Educação do DF veio em 2001, e representou a realização de um primeiro grande sonho: tornar-se servidora pública.
Houve uma época em que ela se desencantou com a profissão. "Por volta de 2010, eu comecei a fazer direito. Fiz até o terceiro semestre. Aí, um professor sábio, velhinho, fez uma dinâmica e perguntou aos estudantes: 'Porque você gosta do direito?' E eu respondi: 'Professor, não sei, só sei que não quero ser advogada'", lembra Celiana. "Eu me via dando aula de direito civil. Foi quando percebi: eu já sou professora!"
A partir daí, e com a ajuda do marido, Flávio Sanches, que é empresário e treinador de inteligência emocional, Celiana começou a lançar outro olhar sobre a escola. "A semente que uma professora lança, ninguém sabe quando vai nascer. Ao lançar a semente do conhecimento, um dia cada estudante vai refletir e analisar o que quer para a sua vida", analisa a professora, que lembra ainda o brilho no olhar dos próprios filhos quando chegavam inspirados da escola. "Eu comecei, em vez de olhar para aquele que reclamava, a observar aqueles que querem fazer a diferença."
Mudança
Antes de começar a dar aulas de inglês no CEF 16, Celiana lecionou para alunos do ensino médio em duas escolas de Samambaia, os Centros de Ensino Médio 304 e 414 da região administrativa. A chegada da caçula motivou a mudança para o colégio de Ceilândia, mais perto de casa. "Eu venho trabalhar de bike. É muito gostoso respirar esse ar puro enquanto eu chego à escola", conta ela, que estreou no local em 2018.
"Quando eu cheguei a Ceilândia, encontrei uma realidade de muito preconceito, discriminação, bullying, estudantes que se automutilavam, a questão do suicídio", elenca a professora. O sinal de alerta se acendeu quando uma aluna exemplar do 9º ano passou por um processo de adoecimento mental e tentou o autoextermínio. "Para nós, parece que está tudo bem, porque achamos que quem tem problema é quem tem problema de aprendizado", relata a professora. "Fiquei chocada."
"Foi quando eu me dei conta de que precisávamos trabalhar o psicológico desses meninos. Quem sou eu? O que eu preciso? Quais são os meus sonhos?", indagava Celiana, ao mesmo tempo em que planejava como instigá-los a compartilhar esses sentimentos. Não era mais possível pensar apenas no conteúdo para se tratar na escola. "Eu precisava fazer algo diferente, precisava mudar. Estava incomodada."
Os aprendizados do curso Mulheres Inspiradoras, que ela fez na Eape (Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação), formaram a base teórica necessária para a criação do projeto Desiderata. "Em 2019, querendo colocar em prática tudo o que eu aprendi nos projetos da Eape, eu desenvolvi esse projeto. Fiz uma roda de conversa com os estudanges e percebi o quanto é importante ouvi-los, para eles dizerem suas angústias."
Para o projeto-piloto, Celiana convidou três figuras inspiradoras a bater um papo com os estudantes num sábado: a também professora da secretaria Ruth Meyre, doutora em direitos humanos; a cantora e compositora Cris Costa; e a estudante de artes cênicas Glau Soares, hoje atriz e produtora cultural. Eram três salas com rodas de conversa que contaram também com a participação de professores. A atividade é sempre livre, ou seja, os alunos são convidados — nunca obrigados — a participar.
A experiência foi um sucesso e todos pediam bis, como em shows de artistas badalados. A segunda edição, já com o projeto batizado, depois da epifania na sala de espera da dentista, recebeu 12 convidados em uma grande ação que moveu a escola toda e teve adesão de três vezes mais estudantes. A recompensa foi imediata e o reconhecimento veio logo, logo.
Brasília no topo
Em 2021, Celiana inscreveu o Desiderata no Prêmio Educador Transformador e, no ano passado, recebeu o troféu de 1º lugar nacional no ensino fundamental — única do DF selecionada. "O projeto ganhou o prêmio porque a escola acolheu. Os professores dessa escola são muito dedicados. Eu tive o apoio dos colegas, pois eles também falam em sala de aula desses assuntos, a gente se comunica", observa.
A professora Gina Vieira Ponte, idealizadora do projeto que deu origem ao Programa Mulheres Inspiradoras da Secretaria de Educação e impulsionou a criação do Desiderata, também foi convidada em edições posteriores e destacou o impacto da ação: "A gente percebe que eventos como esse trazem aquilo que é o coração da escola: atribuir sentido e significado àquilo que está sendo ensinado".
A cada bimestre, o projeto se renova. As rodas de conversa são o estopim de um trabalho diário em sala de aula. No contrato pedagógico com os estudantes, Celiana discute com as turmas quais desejam participar e fazer as leituras necessárias para seguir no Desiderata. As obras selecionadas são diversas, mas sempre envolvem os temas focos do projeto: direitos humanos, diversidade, respeito ao próximo e convivência de paz na escola.
A experiência no ensino fundamental foi enriquecedora, pois permitiu que a professora trabalhasse por dois anos em sequência com os mesmos alunos. "Eu gosto disso. Acredito que todo processo na educação, ou em qualquer projeto de vida, precisa ser em longo prazo. É o que faz dar certo", defende Celiana, que cita uma afinidade maior com os estudantes como um dos principais benefícios.
Desiderata
Siga tranquilamente entre a inquietude e a pressa, lembrando-se de que há sempre paz no silêncio. Tanto quanto possível sem humilhar-se, mantenha-se em harmonia com todos que o cercam. Fale a sua verdade, clara e mansamente.
Escute a verdade dos outros, pois eles também têm a sua própria história. Evite as pessoas agitadas e agressivas: elas afligem o nosso espírito. Não se compare aos demais, olhando as pessoas como superiores ou inferiores a você: isso o tornaria superficial e amargo.
Viva intensamente os seus ideais e o que você já conseguiu realizar. Mantenha o interesse no seu trabalho, por mais humilde que seja, ele é um verdadeiro tesouro na contínua mudança dos tempos.
Seja prudente em tudo o que fizer, porque o mundo está cheio de armadilhas. Mas não fique cego para o bem que sempre existe. Em toda parte, a vida está cheia de heroísmo. Seja você mesmo. Sobretudo, não simule afeição e não transforme o amor numa brincadeira, pois, no meio de tanta aridez, ele é perene como a relva.
Aceite, com carinho, o conselho dos mais velhos e seja compreensivo com os impulsos inovadores da juventude. Cultive a força do espírito e você estará preparado para enfrentar as surpresas da sorte adversa.
Não se desespere com perigos imaginários: muitos temores têm sua origem no cansaço e na solidão. Ao lado de uma sadia disciplina conserve, para consigo mesmo, uma imensa bondade. Você é filho do universo, irmão das estrelas e árvores, você merece estar aqui e, mesmo se você não pode perceber, a terra e o universo vão cumprindo o seu destino. Procure, pois, estar em paz com Deus, seja qual for o nome que você lhe der.
No meio do seu trabalho e nas aspirações, na fatigante jornada pela vida, conserve, no mais profundo do seu ser, a harmonia e a paz. Acima de toda mesquinhez, falsidade e desengano, o mundo ainda é bonito. Caminhe com cuidado, faça tudo para ser feliz e partilhe com os outros a sua felicidade". Max Ehrmann (1872-1945)