Apontado como alternativa para a geração de emprego e renda, o incremento do afroturismo no Brasil é visto pelo Ministério do Turismo como importante modalidade para o mercado interno e o turismo de base comunitária. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No Brasil, as atividades do setor de turismo foram responsáveis pelo crescimento de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, fator que vem motivando a abertura de cada vez mais empresas focadas em oferta de produtos e serviços com foco na valorização do protagonismo negro-africano no país. Mapeamento do Diaspora.Black — startup que agrega serviços e produtos focados na cultura negra — mostra que a maior parte das empresas em operação no segmento é liderada por mulheres com idade entre 35 e 44 anos e formação superior.
As discussões sobre o tema vem ganhando cada vez mais espaço em eventos do segmento e também na esfera pública. Propostas de ações para alavancar o turismo no Brasil a partir de elementos diversos da cultura negra nortearam os debates ocorridos na última quarta-feira na Comissão de Turismo da Câmara dos Deputados. O evento inédito contou com a presença de representantes do governo federal e de agentes de afroturismo.
O presidente da Embratur, Marcelo Freixo, destacou que o afroturismo corresponde, hoje, a 7,8% do PIB e tem amplo potencial de crescimento. Destacou, ainda, que o desenvolvimento dessa atividade também é estratégico no combate ao racismo estrutural no país. "Mais do que não tolerar o racismo, a gente tem que fazer da igualdade racial um produto, uma identidade e uma visão que nos traga emprego, crescimento e desenvolvimento", defendeu o ex-parlamentar.
Potencial
Organizador do debate, o deputado Bacelar (PV-BA) é mais um a apostar em boas perspectivas para o afroturismo a partir da mudança de perfil do turista tradicional. "As pessoas querem ter contato com a cultura local. Você chegar, por exemplo, à cidade de Salvador, ir a um templo religioso — como o Ilê Axé Opô Afonjá — que é uma pequena aldeia africana com museu, culinária, artesanato, vestuário, oficina, música, dança, religião, é maravilhoso. Não tem parque, no mundo, que consiga superar isso", destacou.
A coordenadora de diversidade, afroturismo e povos indígenas da Embratur, Tânia Neres, citou uma série de experiências em curso, como as visitações ao Cais do Valongo e ao Quilombo Pedra do Sal, no Rio de Janeiro, além da Caminhada Salvador Negra, na Bahia e o Parque Memorial dos Palmares, em Alagoas, que já recebeu mais de 10 mil visitantes de 19 países desde 2020.
Além de resgate histórico, o afroturismo também tem foco em valorização cultural. Tânia Neres anunciou iniciativas para ampliar o mercado e a interação sobretudo com a África e os Estados Unidos. "Os Estados Unidos são o nosso mercado potencial. Os americanos negros gastaram US$ 109 bilhões em turismo, nesse grande interesse que eles têm por reconexões ancestrais", disse.
Segundo a Diáspora.Black, plataforma digital de promoção do afroturismo, 85% das iniciativas são lideradas por mulheres e 35% registradas como microempreendedor individual (MEI). Porém, a falta de políticas públicas, de investimentos e de infraestrutura ainda são determinantes para o baixo faturamento: 48% indicaram renda de apenas mil reais por mês com afroturismo.
A coordenadora de articulação interfederativa do Ministério da Igualdade Racial, Melina de Lima, apresentou o Programa Rotas Negras, que busca desenvolver "circuitos afrocentrados" em 188 municípios. "É importante entender que o afroturismo é feito por nós, pessoas pretas. Ter essa história recontada por nós e ressaltando a beleza, a realeza e a potência do povo negro é o melhor caminho para preservar a nossa própria história".
O Ministério do Turismo informou que o tema também está presente em projetos específicos, como Experiências do Brasil Original, cujo objetivo é ampliar e diversificar a oferta turística brasileira por meio do desenvolvimento de experiências turísticas memoráveis ofertadas por povos indígenas e comunidades quilombolas em seus territórios.
Competitividade
O projeto visa, ainda, fortalecer o mercado turístico interno e o turismo de base comunitária, para que roteiros turísticos que envolvam povos indígenas e comunidades quilombolas passem a compor a oferta competitiva e inovadora de produtos e serviços turísticos do Brasil, além de garantir visibilidade à sociobiodiversidade brasileira, com a valorização das culturas e das tradições e o fomento a fontes alternativas de renda. A meta é garantir apoio e capacitação de integrantes dos povos Indígenas e comunidades Quilombolas brasileiras para a criação e o aprimoramento de experiências turísticas que estejam aptas à comercialização.
A empresária brasiliense Bianca D'Aya apostou todas as suas fichas nessa nova modalidade. No final do ano passado, ela criou a agência de turismo Me Leva Cerrado e, em parceria com a plataforma de afroturismo Guia Negro, lançou o tour Brasília Negra, que leva as pessoas a conhecerem mais a fundo personagens, lugares e histórias com protagonismo negro, lançando um novo olhar sobre a história da capital federal. O roteiro, com três horas de duração, abrange a Praça dos Orixás, às margens do Lago Paranoá, ao lado da Ponte Honestino Guimarães, o Museu Vivo da Memória Candanga, o Congresso Nacional e baobás — árvore de grande porte, proveniente das estepes africanas — espalhados pela cidade.
D'Aya considera o afroturismo uma vertente do segmento do turismo cultural. "É um contar de histórias que não estão nos livros, uma modalidade que tem como principal foco valorizar o patrimônio material e imaterial da cidade, que proporciona visibilidade e resgate", diz, completando que, além dos pontos turísticos, os passeios também envolvem gastronomia e cultura, com foco especial no artesanato. "Tudo isso faz com que a cadeia do turismo gire em torno da negritude."
A agência de D'Aya integra uma rede de operadoras de afroturismo no Brasil, que reúne mais de 50 empresas. A meta, segundo ela, é alinhar ainda mais agências no processo. "Quanto mais pessoas se identificam, se dispõem a conhecer a história, melhor. É muito importante que esse movimento ocorra, que haja mais empresas atuando no segmento", afirma.
A meta, adianta proponente do Guia Afetivo Negro do Distrito Federal, projeto que busca difundir a representatividade e facilitar o acesso a serviços que fortaleçam a identidade negra, é levar o tour Brasília Negra às escolas do Distrito Federal, como forma de despertar nos estudantes dos ensinos fundamental e médio o sentimento de pertencimento.
D'Aya aponta como base para essa nova empreitada a Lei 10.639/03, que obriga as escolas de ensino fundamental e médio a incluírem em suas grades curriculares história e cultura afro-brasileira. "É um tour que abraça a todos, que enaltece, por meio de uma experiência única e inovadora, as histórias das pessoas que acabaram sendo invisibilizadas pelo racismo, valorizando a resistência e resiliência do povo negro no DF", salienta. (com informações da Agência Câmara)