O receio de retornar ao trabalho depois da licença maternidade vem afligindo cada vez mais mulheres. Além da preocupação com o "abandono" do bebê, essa angústia recai, ainda, sobre a possibilidade da demissão, como atesta estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apontando que metade das mulheres são desligadas da empresa cerca de dois anos após a licença maternidade. Pesquisa realizada pelo Infojobs mostra que 94,7% das mulheres acreditam que a licença maternidade ainda é vista de forma negativa no mercado de trabalho.
A licença maternidade garante 120 dias de afastamento do emprego, com garantia de salário para a colaboradora. A funcionária pública Lourdes (nome fictício) teve a licença com uma prazo de 180 dias, por se tratar de uma empresa pública.
Ela conta que durante a gestação foi transferida de setor sob a justificativa de "estar grávida". Segundo ela, foram feitas, em vão, várias tentativas com comitês e até diretores para tentar reverter a situação. "Devido ao estresse provocado quase perdi o bebê, minha resistência baixou, assim como as taxas de probióticos, e precisei antecipar o parto. Meu bebê ficou três dias na UTI, mas felizmente saiu com vida", lembra.
Lourdes afirma que essa série de fatores pesa consideravelmente em sua inclinação por deixar a correria do dia a dia de lado para se dedicar exclusivamente ao filho, seguindo na contramão da pesquisa da Infojobs, que aponta a dupla jornada como realidade para 89,7% das mulheres que conciliam a vida profissional com atividades domésticas ou cuidado com os filhos. O estudo revela que destas — onde se inclui Lourdes —, 48,7% não contam com rede de apoio ou ajuda de parceiros.
A mesma pesquisa mostra que a conquista de uma oportunidade é o maior desafio para as mulheres, seguido, para 26,3% delas, da expectativa de reconhecimento e crescimento profissional. Para 20,7%, o machismo na cultura das empresas também interfere no dia a dia.
De acordo com o estudo da FGV, após 24 meses, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade se vêem fora do mercado de trabalho, padrão que se perpetua, inclusive, 47 meses após a licença.
A pesquisa mostra, ainda, que a maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador. No entanto, os efeitos são bastante heterogêneos e dependem da educação da mãe, visto que as trabalhadoras com maior escolaridade apresentam queda de emprego de 35% 12 meses após o início da licença, enquanto a queda é de 51% para as mulheres com nível educacional mais baixo.
Medo
A psicóloga, mentora de mães e também palestrante na Escola de Parentalidade, Bianca Amorim, duas vertentes são preponderantes para o medo das mães com recém-nascidos voltarem ao trabalho. "O primeiro é a insegurança da organização familiar pois, como moramos em um país carente em políticas públicas, não exite a certeza, a garantia de que o bebê terá uma creche para ficar", salienta.
"O outro fator, nesse contexto, é o medo de como ela será recebida no ambiente de trabalho, visto que hoje as empresas ainda têm muita dificuldade de lidar com as colaboradoras que estão passando por uma fase de transição na vida, que tem suas questões pessoais ampliadas, mas que ainda assim desejam voltar ao mercado de trabalho", explica psicóloga.
Mãe, esposa, coach e consultora de desenvolvimento humano e organizacional, Marina Moreno acredita que o mercado vem procurando se adequar a essa questão, embora timidamente. "Infelizmente ainda há empresas que não contratam mulheres que estão em um período provável de engravidar, ou perguntam na entrevista se pretendem ter filhos a curto prazo", afirma. "O fato é que esse período em que a mulher fica afastada deve ser visto com bons olhos, pois trata-se de um período tão curto perto de uma carreira toda", completa.
A analista de comunicação Thaiane Pinheiro Da Rocha, 34, viveu a experiência de demissão logo depois de retornar da licença maternidade. Segundo ela, as dificuldades começaram antes mesmo do afastamento. Thaiane trabalhava em um hospital e, grávida, durante o auge da pandemia, não era recomendado que se aproximasse de áreas de risco, como UTI e pacientes com covid. No entanto, segundo ela, por determinação de seus supervisores, nenhuma dessas medidas protetivas foram acatadas.
Thaiane diz que já desconfiava de uma possível demissão após o retorno da licença. "Soube que minha substituta já estava com contrato assinado. Mal entrei na empresa e fui convocada pelo setor de recursos humanos para o exame demissional, que durou no máximo dois minutos. Sei que demissões acontecem o tempo todo, mas, no meu caso, não foi de forma humanizada".
Executiva de Recursos Humanos em organizações multinacionais, psicóloga e criadora do @maesnalideranca no Instagram, Monique Stony lista algumas adversidades da licença-maternidade do ponto de vista do empregador. Segundo a executiva, o tratamento dispensado a mães e pais em relação aos direitos da licença ainda são gritantes. "Existe esse tabu em muitas empresas. Quanto mais a licença maternidade for equiparada à licença paternidade, porque é preciso aumentar o tempo da licença paternidade, a gente não vai ter essa diferença de gêneros. Essa diferença já é observada em países mais desenvolvidos. É um movimento que precisa acontecer no Brasil para que a mulher não seja mais penalizada” afirma.
Legislação
Em novembro do ano passado entrou em vigor a lei federal que instituiu o Programa Emprega + Mulhere, com normas para incentivar a empregabilidade das mulheres. A lei prevê para regras mais flexíveis de trabalho e férias, cria o benefício do reembolso-creche, em substituição ao berçário nas empresas, além de medidas de apoio à volta ao trabalho após a licença-maternidade. A medida estabelece, também, estímulo à ascensão profissional por meio de qualificação em áreas estratégicas e paridade salarial com homens que exerçam a mesma função na empresa.
Outras inovações são a prioridade na qualificação de mulheres vítimas de violência e a ampliação dos valores disponíveis para empréstimos para mulheres empreendedoras e trabalhadoras informais no Programa de Simplificação do Microcrédito Digital para Empreendedores (SIM Digital). O texto aprovado ainda inclui na legislação a regra de paridade salarial entre homens e mulheres que exerçam a mesma função dentro da mesma empresa.
A lei determina, ainda, que os empregadores priorizem nas vagas de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho à distância a empregadas com filho, enteado ou criança sob guarda judicial com até seis anos de idade ou com deficiência. E autoriza ainda a antecipação de férias individuais à empregada durante o primeiro ano do nascimento do filho ou enteado, mesmo antes do período mínimo exigido para a concessão.
A relatora da medida provisória, deputada Celina Leão (PP-DF), alterou o texto para incluir os homens e as mulheres com crianças entre os beneficiários da flexibilização do regime de trabalho para apoio à parentalidade, além de ampliar o reembolso-creche e criar programa de combate e da prevenção ao assédio sexual e outras formas de violência nas empresas.
*Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende