Aos 15 anos, nos primórdios da Universidade de Brasília (UnB), o livreiro Francisco Joaquim de Carvalho, mais conhecido como 'Chiquinho da Livraria', montou uma pequena loja para vender publicações no corredor do Instituto Central de Ciências (ICC) Norte do câmpus Darcy Ribeiro. Considerado figura histórica da instituição, ele está, agora, empenhado em registrar em uma publicação sua trajetória e os fatos marcantes presenciados em 50 anos na principal universidade do Distrito Federal.
A ideia, segundo ele, é reunir, junto de sua amiga, Sinara Bertholdo depoimentos de figuras ilustres que marcaram a história da UnB, como o neurocientista Sidarta Ribeiro, Arlindo Schnaglia, formado em medicina e deputado federal há sete mandatos, Paulo Bernardo, ex-ministro do Planejamento e das Comunicações, Arlete Sampaio, ex-vice governadora de Brasília, e Érika Kokay, deputada federal, psicóloga e sindicalista, além de alunos e professores que interagiram com ele no câmpus.
Natural de Picos, no Piauí, Chiquinho, hoje com 63 anos, começou a se interessas por leitura vendendo exemplares do extinto Diário de Brasília nas ruas de Sobradinho, nos idos de 1973. "Foi quando comecei, também, a analisar os diferentes perfis de leitura das pessoas", recorda. Já na UnB, constatou que a preferência recaía por jornais de esquerda. "Alguns nem mais existem, como o Pasquim e o Movimento. Foi a partir daí, que percebi a importância de entrar em contato direito com o leitor, pelo conhecimento", conta. "O livro nos dá essa chance, de aproximar com o leitor", afirma.
Sina
Chiquinho considera a escolha para trabalhar na UnB, em 1975, como o destino mais importante de sua vida". Foi dona Franscisca que o convidou para trabalhar na livraria que hoje administra. Em 1980, depois de um tempo na UnB, prestou serviço em outras livrarias que já fecharam, como da rodoviária do Plano Piloto e a Galilei. Nesse período, ele conheceu o livreiro Nelson Abrantes, que o levou a despertar paixão pela leitura e descobrir autores como Lima Barreto e Graciliano Ramos.
Mesmo tendo passado meio século num ambiente acadêmico, Chiquinho preferiu dar vasão à sua veia diletante. "Faço a faculdade da leitura, do dia-a-dia, conhecendo outros autores e temáticas que estão sendo comentadas", filosofa. "Me considero autodidata", conclui.
A queda significativa da procura por livros físicos após o advento da internet, é motivo de tristeza para Chiquinho, embora prossiga vendendo títulos de 40 anos atrás, segundo ele, os mais relevantes, como O que é sociologia, de Carlos Benedito Martins, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. "São livros clássicos, com conceitos antropológicos, para toda a eternidade", diz.
Mestranda em estudos latino-americanos na UnB, Thaíse Torres, 35, conta que conheceu Chiquinho há 20 anos, quando ingressou na universidade para cursar jornalismo. Ela é mais uma a afirmar que o livreiro sempre foi gentil, prestativo e atencioso com todos. "Quando penso na UnB, sempre me lembro do rosto sorridente do Chiquinho. Acho que todo mundo que estudou no Minhocão consegue entender o que estou falando", afirma.
O estudante de letras Matheus Lopes Nascimento, 22, considera Chiquinho um incansável defensor dos livros e do direito à leitura. "Para ele, não importa apenas vender, mas despertar na gente um interesse pelo livro que está apresentando. Suas palavras, com seu jeito manso e doce de falar, humanizam a profissão de livreiro", afirma. "Nunca nos deixa na mão. Quando não tem o livro que a gente quer, corre atrás. E sempre nos apresenta novidades de acordo com nossa área de estudo ou de interesse. Não é por menos que é considerado patrimônio cultural da UnB. Em sua livraria não há apenas livros, mas encontros sempre regados de filosofia e leitura", completa.
Para os jovens estudantes, como Thaíse e Matheus, Chiquinho endossa que "a leitura essencial, pois vai mudar a vida de qualquer pessoa". "Além de fazer grande diferença no futuro dessa moçada, traz uma luz ao entendimento humano. É só através da leitura que a gente tem uma competência do mundo e interpretá-lo", afirma. Para esse público, ele recomenda Não-coisas, de Byung-Chul Han, que fala sobre a modernidade, tecnologia e comportamento, o romance Homem de Papel, de João Almino, diplomata e um dos escritores mais importantes da literatura nacional, e O futuro ancestral, do filósofo e líder indígena Ailton Krenak, que trata da possibilidade de outros mundos, entre cenários apocalípticos e possibilidades de redenção.
Em 2015, Chiquinho da Livraria protagonizou uma grande movimentação nas redes sociais para. Ameaçado de ser "despejado" do câmpus, foi amparado por uma campanha emblemática para que ele permanecesse com sua banca de livros no Minhocão. Quatro anos mais tarde, o jornalista Hélio Doyle lançou o documentário de 55 minutos Chiquinho, o livreiro da UnB, que conta a história e o trajetória do livreiro.
Sobre o reconhecimento de seu trabalho por alunos, pesquisadores e professores, afirma se sentir realizado e orgulhoso. "Trabalhar com livros é uma dádiva, é atender as pessoas de um jeito especial, com cuidado, atenção. Entender o que as pessoas estão precisando, seja para fazer um trabalho ou uma leitura leve de lazer. Ser livreiro é uma dádiva, eu amo isso. Afinal, é com a leitura que podemos mudar o amanhã", ensina.
*Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende