BRASILEIROS NO TOPO DO MUNDO

Economia do compartilhamento garante lucro e é sustentável

O jovem Caio Danyalgil dá os últimos passos para atravessar o Atlântico e abrir em Portugal as portas de sua empresa Loc, especializada em locação de equipamentos de audiovisual e tecnologia

VICENTE NUNES Correspondente
postado em 28/05/2023 06:00 / atualizado em 28/05/2023 06:00
Caio Danyalgil (de camisa cinza), fundador da Loc, e parte de sua equipe: acessibilidade para os nômades digitais -  (crédito: Arquivo pessoal)
Caio Danyalgil (de camisa cinza), fundador da Loc, e parte de sua equipe: acessibilidade para os nômades digitais - (crédito: Arquivo pessoal)

Lisboa — O pernambucano Caio Danyalgil, 23 anos, nunca escondeu a sua veia artística. Até tentou entrar para o mundo do direito, quando, aprovado no vestibular, se matriculou na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ele levou o curso o quanto pode, mas o gosto pela fotografia falou mais alto. Depois de muito conversar com os pais, de expor o que realmente lhe fazia feliz, trocou uma possível vaga em uma banca de advocacia pelo estudo da técnica de retratar pessoas e, sobretudo, as belezas da natureza. Graduado pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), transformou o prazer em negócio, que, ressalte-se, vai muito além dos registros que lhe deram reconhecimento entre os que atuam no ramo de imagens.

Há pouco mais de um ano, Caio decidiu abrir uma empresa — a Loc — para alugar os equipamentos que tinha acumulado, mas que, nem sempre, eram usados. Aos poucos, os clientes que demandavam tudo o que ele tinha disponível nas estantes de casa passaram a pedir outros produtos, indicando que aquele negócio era mais promissor do que o imaginado. O jeito, conta o jovem, foi criar uma comunidade em Recife, em que parceiros também pudessem disponibilizar seus equipamentos para locação. A Loc passou a funcionar como intermediária. Identificava tudo o que podia ser compartilhado, localizava os interessados nos aluguéis e juntava as partes. Hoje, são mais de 500 clientes e cerca de 600 equipamentos cadastrados em Recife. "Nossa plataforma está fazendo a diferença", diz.

Caio Danyalgil, fundador da Loc, empresa de compartilhamento que se prepara para entrar em Portugal. Aos 16 anos, já flertando com a fotografia
Caio Danyalgil, fundador da Loc, empresa de compartilhamento que se prepara para entrar em Portugal. Aos 16 anos, já flertando com a fotografia (foto: Arquivo Pessoal)

Na avaliação do pernambucano, muito do sucesso da Loc, em tão curto espaço de tempo, se deve à combinação de demanda em alta e custos elevados para se comprar equipamentos voltados para a indústria do audiovisual, bastante forte em Pernambuco. "Muita gente não sabia como podia ter acesso a instrumentos de última geração sem precisar fazer gastos pesados. A partir do momento em que mostramos que era possível, por exemplo, alugar todo tipo de equipamento para a produção de um filme, o interesse pelo nosso negócio só aumentou, tanto do lado dos clientes quanto dos parceiros que passaram a ofertar o que estava ocioso", afirma. Mas há um segredo por trás de tudo, que se resume em uma única palavra: confiança.

“Até o primeiro aluguel de equipamento, sempre fica um certo temor de que algo de errado pode acontecer. Mas, quando todo o processo de encerra, que o produto locado é devolvido para o dono e o dinheiro da locação entra na conta-corrente dele, tudo muda. Logo, o parceiro pergunta quando será o próximo negócio e qual outro equipamento ele pode ofertar à comunidade”, ressalta Caio. “É uma questão financeira”, reconhece, “mas há também o lado social”. No entender dele, quando se compartilha bens, sejam eles equipamentos de audiovisual, sejam casas, carros, bicicletas, barcos, está se poupando o meio ambiente, pois se abre mão de recursos naturais para a produção de tais mercadorias. Essa visão de sustentabilidade tem se multiplicado mundo afora. É o presente e o futuro das relações econômicas, acredita.

À espera do visto

Caio, em Lisboa, com o sócio Rodolfo Loepert: "Portugal é o nosso destino"
Caio, em Lisboa, com o sócio Rodolfo Loepert: "Portugal é o nosso destino" (foto: Arquivo Pessoal)

O jovem tem a visão de que tudo o que pode ser emprestado pode ser compartilhado com ganhos financeiros. "Sempre ouvi que, no futuro, vamos compartilhar tudo. Se olharmos ao nosso lado, já compartilhamos conhecimento e informação, agora, será a vez de compartilhamos bens", frisa. Mas, para que toda essa engenharia seja fechada, é preciso, além de confiança entre os agentes envolvidos, muita eficiência por parte de quem está na retaguarda. No caso da Loc, o empreendedor acredita que faz a diferença. "Ninguém faz o que fazemos no Brasil. E, realmente, somos muito bons no que nos propomos", acrescenta ele, lembrando que a empresa está abrindo sua primeira filial em João Pessoa, Paraíba.

Mas é para o outro lado do Atlântico que o coração de Caio bate forte. Ele conta que está avançado o processo para que a Loc desembarque em Portugal ainda neste ano, mais precisamente no Porto, um dos principais polos tecnológicos do país europeu. A última etapa para que esse importante passo seja dado é a concessão, pelo governo português, de um visto especial, o Startup Visa. Com esse instrumento, a Loc poderá ter acesso a fundos de investimentos destinados a projetos inovadores para ampliar seu foco de atuação. "Mas não se trata apenas dos fundos, até porque a Loc é superavitária. O que realmente nos interessa é entrar num mercado que tem muito a ser explorado, um circuito de tecnologia que tem ligações com o mundo todo", assegura.

Caio tem se deslocado com frequência de Recife para o circuito Lisboa-Porto. A razão é que a Loc foi selecionada por duas incubadoras portuguesas para ganhar robustez e fincar raízes na terra de Cabral. "Já temos mentorias, tenho frequentado os escritórios dessas incubadoras, mas ainda não podemos assinar contratos pois precisamos do visto especial. Somente de posse dele poderemos tirar nosso CNPJ (registro de empresa) em Portugal", relata. Ele conta que seus sócios e sua equipe — são 13 pessoas hoje —, de início, ficaram preocupados com a expansão dos negócios para o exterior. O argumento usado por eles foi o de que, primeiro, era preciso crescer no Brasil para, então, se ramificar pelo mercado internacional. "Contudo, apesar de todos os argumentos, insisti que Portugal é nosso destino", enfatiza.

O que mais animou o pernambucano a levar adiante os planos em território luso foi o retorno que ele teve em reuniões com fotógrafos e integrantes da indústria do audiovisual de Portugal. Uma das conversas ocorreu no ano passado, durante a Web Summit de Lisboa, um dos principais eventos de tecnologia do mundo. Lá, ele relatou aos presentes o que a Loc fazia e qual o potencial de crescimento dela. A surpresa foi geral. Antes, ele havia estado no Porto, onde descobriu algumas empresas atuando no mesmo ramo da sua, mas longe de apresentar os resultados da Loc. "Essas concorrentes têm recursos financeiros, mas o serviço prestado não é o melhor, longe de ter a eficiência com que atuamos. Não é um modelo que considero sustentável. Isso fortaleceu a minha visão de que devemos, sim, aportar em Portugal", assinala.

Nômades digitais

Integrantes da equipe Loc: meta de expansão e inovação no Brasil e em território europeu
Integrantes da equipe Loc: meta de expansão e inovação no Brasil e em território europeu (foto: Arquivo pessoal)

Há outro fator que estimula o fundador da Loc a cruzar o Atlântico: o aumento exponencial dos nômades digitais, profissionais aos quais Portugal tem oferecido uma série de atrativos para se estabelecerem no país. A perspectiva, diz Caio, é de que, nos próximos 10 anos, o mundo tenha mais de 1 bilhão de pessoas vivendo fora dos países onde estão instaladas as empresas para as quais trabalham. Esses profissionais, acredita o empreendedor, não vão querer carregar equipamentos pesados durante seus deslocamentos. Portanto, recorrerão ao aluguel do que precisam. "Vamos tornar fácil o que está na mente dessas pessoas. Veja, por exemplo, o caso dos óculos usados para o metaverso. Eles ocupam um espaço enorme na mala de viagem. Por que não podem ser alugados onde a pessoa está?", indaga. "Isso vale para computador, para uma máquina fotográfica e tantos outros equipamentos", afirma.

Diante de tamanha oportunidade na economia do compartilhamento, o pernambucano reconhece que os desafios para a expansão da Loc só tenderão a aumentar. E o maior deles será provar que é capaz de continuar prestando serviços de excelência ao longo da próxima década. "As expectativas precisam ser atendidas da melhor forma possível. Eu mesmo tive péssimas experiências antes de abrir a Loc ao alugar equipamentos fotográficos. Isso me ajudou muito a ter a percepção sobre o quanto a qualidade do serviço deve ser boa", destaca. "Como diz o nosso slogan, deixe com a gente, que a gente resolve", emenda.

Durante participação na Web Summit de Lisboa, em 2022: tecnologia e potencial
Durante participação na Web Summit de Lisboa, em 2022: tecnologia e potencial (foto: Arquivo Pessoal)

Outra preocupação é estimular o cliente do futuro e, claro, reforçar os laços com parceiros e consumidores, que, muitas vezes, estão dos dois lados — ao mesmo tempo em que colocam equipamentos para alugar, também locam produtos. Não por acaso, a empresa faz parcerias com universidades e cede, gratuitamente, equipamentos que estão sendo demandados pelos estudantes. "Certamente, os futuros profissionais tenderão a ser nossos parceiros", frisa. Além disso, a cada mês, exibimos nas nossas motos de entregas fotos tiradas por um artista selecionado. É como se fosse uma exposição itinerante. Também oferecemos cursos dados por donos de equipamentos a futuros locadores para que aprendam a usá-los. O valor dos cursos é abatido nas futuras locações", detalha. "Isso é gestão de comunidade."

Todo esse contexto, acredita Caio, fortalece os laços entre os agentes que circulam em torno da plataforma da Loc. "Isso nos ajuda a criar soluções e a melhorar os processos. De novo, entra aí aquela palavra importante: confiança", diz. "Criamos um processo que nos leva a escolher as melhores pessoas", acrescenta. Tal movimento, reforça, vai se repetir em Portugal. "Há muita coisa por jogar luz naquele país. Isso ficou claro nas conversas que tive com profissionais locais. E tem a questão dos nômades digitais. Temos um projeto de acessibilidade lindo em desenvolvimento para entregar a esse público", garante. "Estamos inseridos em um processo global, que precisa de quem faz. É o nosso caso", sentencia.

 

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