Com quase 30 anos de existência, o propósito da Pamonha Pura de levar produtos feitos à base de milho de forma rápida e saborosa ao cliente foi alcançado. Na fábrica familiar localizada em Taguatinga, os alimentos sempre foram preparados de forma artesanal e com matéria prima selecionada, mas, ao assumir a chefia da produção, em 2010, o filho do casal de fundadores, Rômulo Lopes, identificou o desperdício do que não era consumido no dia. O jovem rapaz, cheio de ideais, buscou qualificação profissional em um instituto de tecnologia em alimentos e encontrou uma solução.
"Foi quando começamos a congelar a pamonha e os salgadinhos de milho utilizando uma técnica de conservação das características de um produto tradicionalmente feito no dia", conta Rômulo, que, assim, possibilitou ao negócio alçar voos mais altos. Atualmente, a Pamonha Pura emprega diretamente em torno de 50 pessoas e comercializa com 10 estados brasileiros e mais quatro países. "Um produto típico da região, popular no Brasil inteiro, não podia ficar com a venda restrita por ser um alimento perecível", justifica.
Rômulo conta, com orgulho, que, em 2015, a empresa ingressou no mercado internacional timidamente, com o envio de remessa única para os Estados Unidos, a partir de uma encomenda feita por um cliente. De lá para cá, o processo atingiu patamares inimagináveis até então. Hoje, os produtos de milho chegam na Bélgica, no Japão e em Portugal por meio da MiliusPure, uma marca que foi criada especialmente para atender o comércio internacional. "São muitos desafios para exportar produtos alimentícios, mas nós soubemos compreender a oportunidade que a vida estava nos oferecendo e, com muito estudo, embarcamos", observa o empresário.
A Pamonha Pura é um exemplo bem-sucedido de uma empresa brasiliense que conseguiu expandir seus negócios em território nacional e também internacionalizar seus produtos. Mas representa uma parcela muito tímida em relação ao robusto setor produtivo local. Embora esteja em posição privilegiada, o avião que simboliza a capital do país ainda não decolou para o comércio exterior.
As exportações do Distrito Federal representam apenas 0,1% do total brasileiro. Para se ter uma ideia, em termos de recorte, a região Centro-Oeste exportou cerca de U$S 55 bilhões em 2022, mas a fatia do quadradinho foi de U$S 300 milhões, valor comedido ante o potencial que representa. "É muito complexo exportar alimento pronto, mas, em Brasília, há quem faça isso", destaca o presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), Jorge Viana.
Em 2022, os principais produtos exportados pelo DF foram carne de aves e miudezas (38%), soja (28%) e ouro não monetário (18%), mas, de acordo com a avaliação da agência de desenvolvimento ligada ao governo federal, há ainda muito espaço para que as exportações cresçam e abracem uma cartela maior de produtos made in Brasília. "Existe um caminho percorrido, mas a escala ainda é pequena", avalia Jorge Viana. "O nosso papel enquanto agência de desenvolvimento é criar condições para que o pequeno empresário encontre meios de atravessar essas janelas de oportunidades que surgem. E, estando sediada em Brasília, a ApexBrasil precisa trazer esse olhar diferenciado para a cidade", reconhece o presidente da agência.
Para Viana, a posição geográfica, ser sede de centenas de representações estrangeiras e a presença de um aeroporto internacional são fatores competitivos que o Distrito Federal precisa explorar. O Terminal JK, por exemplo, movimenta, por mês, em média, entre 300 e 400 toneladas de produtos de importação, mas apenas cerca de 50 toneladas de material para exportação.
De acordo com o coordenador comercial de cargas da Inframérica — consórcio responsável pelo Aeroporto Internacional Presidente Juscelino Kubitschek —, Alexandre Telles, a capital federal tem toda a estrutura necessária para se tornar um hub de cargas e os empresários locais podem e devem usufruir dessa vantagem, ainda que não disponham de uma grande indústria. "O vizinho Goiás nos mostra que não é preciso ter um único tijolo erguido para movimentar milhões em vendas. Brasília possui essa vocação empresarial mais doméstica, e investir nesse movimento vai gerar muito mais emprego no setor produtivo", avalia.
Esforço institucional
A Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra) defende o valor que as pequenas empresas brasilienses possuem. "A indústria do DF tem potencial e capacidade para produzir e para exportar mais. Mas é preciso incentivar economicamente, transferir conhecimento e auxiliar na elaboração de estratégias", afirma o presidente da entidade, Jamal Jorge Bittar. Com este olhar, há duas semanas, a Fibra e a ApexBrasil assinaram um memorando de entendimentos para fomentar a colaboração para a ampliação do comércio exterior local. O secretário de Relações Internacionais do DF, Paco Britto, que endossou o documento, entende que uma política de Estado que estimule a cultura exportadora na capital federal é necessária e urgente. "Precisamos colocar as empresas locais na porta do comércio exterior. Mas não basta abrir o caminho, é preciso dar continuidade", reforça.
Para o vice-diretor de Assuntos Institucionais e Governamentais da Fibra, Paulo Eduardo Montenegro de Ávila e Silva, a vocação para o comércio exterior existe, e o papel dos órgãos competentes é abraçar as empresas, entender as dificuldades delas e apontar os caminhos possíveis. "Quando se produz algo bom, há alguém para comprar. Pode ser o vizinho ou alguém que está do outro lado do oceano. Queremos, podemos e vamos colocar mais produtos do DF lá fora", garante o empresário.
Paulo Eduardo tem conhecimento prático. A empresa que o líder sindical representa na Fibra é exportadora desde 2010. "Acredito que temos todas as condições para transformar em realidade e fazer com que os pequenos negócios passem a participar do mercado internacional", conclui o sócio da Confraria, indústria do setor de vestuário que vende produtos para lojas multimarcas em países como França e Suíça.
Brasilidade na pele
Marca brasiliense reconhecida no mercado de luxo, a Confraria completa 25 anos com três lojas próprias no Lago Sul, em São Paulo e em Trancoso, além de 130 pontos de venda espalhados pelo Brasil. A empresa fabrica principalmente bolsas de couro para a classe AA e os produtos têm o design criado pela esposa de Paulo Eduardo, a artista plástica Ana Paula Braga Fernandes de Ávila e Silva. Ela é a mãe de cada detalhe das peças, desde as fivelas até os adereços e forros e considera o produto — que não custa menos de R$ 1 mil — uma peça de arte.
"Um dos nossos propósitos sempre foi ensinar que a bolsa feita a mão no Brasil é de luxo e não há necessidade de se adquirir produtos falsificados da China. Precisamos valorizar mais o que o país tem", declara a empresária, que trabalhava em uma grande empresa de acessórios, em Minas Gerais, quando resolveu criar uma pequena coleção, que fez tanto sucesso que, em seis meses, já era uma marca própria. A fábrica trabalha com um produto diferente, uma linha feita com junco, uma fibra natural da Amazônia explorada pelos índios que só existe no Brasil. "Muitas vidas brasileiras são transformadas através da fabricação de uma bolsa de luxo, mas o consumidor daqui não valoriza muito o produto nacional. Ao contrário lá de fora, em que tudo que lembra o Brasil tem muito valor", destaca a estilista, que se declara apaixonada pelo país. "Sou brasileira e tenho muito orgulho de levar o meu país ao exterior. Os estrangeiros amam o Brasil", ressalta.
Quem endossa a afirmação é Walquíria Aires, presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário do Distrito Federal (Sindiveste-DF). Há duas décadas, ela liderou um consórcio de dez microempresas do DF e do Entorno em uma missão internacional com destino à Itália para participar da mais importante feira europeia de moda íntima e praia. O grupo levou na bagagem 60 mil biquínis confeccionados em Santo Antônio do Descoberto (GO), Guará, Taguatinga, Gama e Sobradinho, especialmente para serem apresentado ao mercado internacional com outras renomadas grifes mundiais. "Foi a primeira vez que uma confecção de Brasília participou de um evento de moda no exterior, mas foi preciso formar um consórcio chamado Flor Brasil para que essas empresas pequenas pudessem encarar o desafio", relembra a empresária e sindicalista.
Segundo Walquíria, as peças brasileiras foram as mais vendidas da feira. E o segredo do sucesso foi adaptar o estilo europeu — que utiliza uma lycra mais leve, com secagem mais rápida, e bojos, o que na época não era comum por aqui — e agregar a brasilidade aos biquínis, com a inserção de cristais retirados de colares fabricados em Cristalina (GO), um trabalho feito a mão por 33 artesãs treinadas especialmente para esse fim. Naquele período, o consórcio formado pelas marcas brasileiras comercializou mais de 4 milhões de dólares para oito países, como Estados Unidos, França e Inglaterra. As exportações, entretanto, foram diminuindo, até serem reduzidas. Walquíria ressalta que as políticas de incentivo ao comércio exterior não vingaram nos últimos governos e o grande gargalo que as MPEs encontram é o crédito. "Os pequenos exportadores devem ser priorizados, porque os grandes caminham sozinhos", ela defende.
O doce sabor de internacionalizar
Alexandre Ferreira é sócio-fundador da Aguimar Ferreira Chocolateria, empresa do ramo alimentício que produz chocolates finos para venda direta e sob encomenda para eventos corporativos e sociais. Com a primeira loja física instalada em um shopping center desde 2021, o negócio existe há 14 anos.
A fábrica, instalada no Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte (SAAN), possui uma produção artesanal de cerca de 600 quilos a uma tonelada por mês, com capacidade produtiva de até 10 toneladas. "Comecei aos 19 anos vendendo bombons nas ruas, no transporte público e em comércios da cidade. Depois, comecei a comercializar para outros estados e, há dois anos, realizei o sonho de abrir uma loja física. Agora sinto que estou pronto para voar mais alto", garante o empreendedor e chef de 34 anos, que abriu mão de ser jogador de futebol — uma paixão que substituiu a outra.
A mudança de rumo não trouxe arrependimentos. Ao contrário, rendeu goleadas. Com clientes como Ivete Sangalo, Juliana Paes, Gusttavo Lima e Daniela Mercury, a cartela da marca oferece mais de 200 produtos para venda direta — com receitas exclusivas que incluem produtos veganos, zero açúcar e sem glúten — e outros 30 em embalagens prontas para exportação.
Os chocolates da Aguimar Ferreira — nome que homenageia os pais de Alexandre, Aguimar Araújo e Manoel Ferreira — estão com o passaporte nas mãos, mas ainda precisam emitir os bilhetes. O empresário identificou que a alta do dólar durante a pandemia contribuiu para que os produtos brasileiros ficassem mais atrativos para os investidores estrangeiros, inscreveu-se no Programa de Qualificação para Exportação (PEIEX), oferecido pela ApexBrasil, e passou a priorizar o desejo antigo de internacionalizar os negócios. A qualidade da marca foi atestada em relação ao produto, gestão e estrutura — requisitos para iniciar o processo de exportação.
A Aguimar Ferreira ainda não entrou no comércio exterior, mas vivenciou uma experiência internacional ao ter a oportunidade de levar os seus doces a um grande evento em Dubai, nos Emirados Árabes. Na ocasião, foi servido aos convidados — sheiks e compradores de cavalos para haras — um bombom personalizado que, utilizando uma tecnologia diferenciada, trouxe internamente um QR Code impresso em alta resolução, em que um vídeo pôde ser exibido aos consumidores. "Trata-se de um produto inovador, que não existia no Brasil. A receptividade foi boa e eu entendi que exportar não é algo distante e obscuro como imaginava, mas o processo é desafiador e exige muita perseverança", avalia o empreendedor.
Fruto de uma profecia
O sabor de internacionalizar um produto também foi doce para a empreendedora Yannah Rasran, chef brasileira formada em Portugal. Durante a crise que se abateu sobre o país em 2008, ela e o marido português vieram embora para Brasília com as palavras do então ministro lusitano Álvaro Santos Pereira na cabeça. "Os portugueses só estão em crise porque não aprenderam a internacionalizar o pastel de Belém", alertou o político, em referência a uma das pratas da casa. Já na capital brasileira, o casal começou, domesticamente, a produzir comida portuguesa e abriu um restaurante. Até que, em 2015, graças a uma consultoria do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), eles entenderam que o segredo do sucesso estava no famoso doce que era posto como sobremesa. "Foi como uma profecia, aliada às palavras do ministro. A partir daí, a produção dos pastéis de nata foi tomando forma de indústria", conta Yannah, que hoje é proprietária da Confeitaria da Torre, em solo brasiliense.
O nome da empresa tem uma simbologia. "A Torre de Belém é o monumento que marca o local de onde saíram os desbravadores portugueses que descobriram o Brasil. A gente repetiu o movimento que eles fizeram", explica a chef. Desde 2018, a marca deixou de ser familiar, com a entrada de sócios investidores. Nessa transição, a fábrica adquiriu uma cozinha profissional e passou a distribuir os produtos congelados e embalados. A logística, porém, era um item complexo e o ponto de virada ocorreu com o surgimento de um distribuidor, que permitiu a expansão para fora de Brasília, atingindo Goiás, Tocantins, São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pará. "Nosso pastel tipo de Belém passou a ser encontrado em supermercados, hotéis, cafeterias, bufês...", enumera Yannah.
A atual fábrica, no Setor de Oficinas Norte, existe desde 2022. Ali, trabalham seis funcionários, e conta com um bom nível de mecanização para otimizar a produção, que está no ponto para decolagem além do território nacional. Esse movimento internacional estava em pleno desenvolvimento em 2019, quando Yannah participou de um projeto de exportação da ApexBrasil e, no meio do caminho, surgiu uma oportunidade liderada por entidades estrangeiras como a Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a União Europeia e a rede Ibero.
Tratava-se de um programa de transformação social na América Latina por meio do empreendedorismo feminino, que tinha como objeto a apresentação de um produto tipicamente europeu com um toque de latinidade para ser vendido para a El Corte Inglés, uma cadeia espanhola de armazéns. Foi quando Yannah teve o insight de introduzir o famoso Romeu e Julieta (junção de queijo e goiabada), iguaria tipicamente brasileira, na receita do tradicional pastel de nata português. "A Confeitaria da Torre ficou entre as cinco finalistas, mas veio a pandemia e o projeto não foi para frente, porque as pessoas perderam o interesse. Enfim, elas queriam apenas sobreviver", lamenta a chef, ressaltando que esse primeiro olhar para as exportações já trouxe resultados. "Adquirimos para o mercado interno um produto de melhor qualidade que o comércio exterior exige", pontua.
Em novembro do ano passado, a confeitaria brasiliense integrou uma comitiva organizada pela ApexBrasil, que reuniu, em Lisboa, algumas empresas brasileiras para expor produtos nacionais, juntamente com grandes marcas diversas, em um evento internacional que comemorou o Bicentenário da Independência do Brasil. "A Avenida da Liberdade ficou lotada com pessoas do mundo, a cidade fervilhando de portugueses e pessoas de diversas nacionalidades que experimentaram o pastel de nata e aprovaram o sabor", conta Yannah, orgulhosa e ávida para exportar seus produtos. "Ainda não aconteceu a finalização da venda externa, mas estamos prontos e temos apoios que nos facilitam o acesso. Essa união de empresários e entes públicos vai nos colocar na cara do gol", aposta.
Apoio especializado
Em atenção ao desejo dos micro e pequenos empresários em exportar seus produtos, o Sebrae oferece suporte para queque os empreendedores conheçam mais sobre essa oportunidade de ampliação de mercado. "Oferecemos apoio em todos os sentidos, especialmente para a melhoria do negócio, preparando-o para um mercado diferente do nosso. Nossos serviços vão desde consultoria a missões técnicas internacionais, como a que realizamos com o setor de turismo e economia criativa brasiliense recentemente. Algumas empresas voltaram com negócios encaminhados", afirma a superintendente regional do Sebrae no DF, Rose Rainha.
O Centro Internacional de Negócios (CIN-DF), da Fibra, auxilia as empresas industriais a uma entrada segura e bem-sucedida no mercado internacional. O centro apoia a participação em missões empresariais, promove periodicamente ações de capacitação e tem autorização para emitir documentos importantes para as relações de empresas brasilienses com outros países, como o Certificado de Origem Digital (COD). Também fazem parte dos serviços as análises do cenário, das oportunidades e dos riscos e a elaboração de estudos personalizados.
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