"Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade." O verso da canção Prelúdio, do inesquecível cantor e compositor baiano Raul Seixas (1945-1989), expressa a persistência da diretoria da Ação Social Caminheiros de Antônio de Pádua (AscapBsB), fundada em 1994, no Setor O de Ceilândia, de levar às mulheres da periferia atividades voltadas à promoção social e econômica.
"Nosso objetivo não é só distribuir cestas de alimentos às famílias que passam necessidade. Queremos transformar a vida das pessoas, principalmente das mulheres, para que possam viver melhor", diz a presidente da instituição, Salvelina Pereira Roldão Cabral, que comemora o resultado do curso básico de costura, o primeiro do gênero financiado com recursos públicos. Foram formadas 113 mulheres em costura básica, entre as mais de 300 inscritas, e 42 terapeutas comunitários integrativos (TCIs), garantindo a presença desses profissionais reconhecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na maioria das regiões administrativas do Distrito Federal.
O desejo se concretizou pela sensibilidade da senadora Leila Barros (PDT-DF). Ela acolheu o projeto para oferecer os cursos de costura básica e de formação de TCIs. A parlamentar apresentou emenda ao Orçamento da União de 2021, possibilitando os recursos aos dois cursos necessários ao desenvolvimento do projeto.
"Desde o começo da construção da proposta, com as professoras e terapeutas Neusa Zimmermann e Mirna Almeida, do Polo Correnteza, hoje Polo de Formação em TCI Correnteza, pensei que não seria fácil formar 150 costureiras e 30 terapeutas. Mas, logo que lançamos a pré-inscrição, por meio de um formulário eletrônico, o número de interessadas passou a aumentar a cada dia. Terminamos esse ciclo com 325 inscrições, quando o nosso limite era de 150 vagas", conta Salvelina Pereira Roldão.
O número de máquinas de costura era insuficiente. A dificuldade foi superada pelo gesto solidário da Fundação Casa Rosa, organização da sociedade civil sediada em Sobradinho que presta assistência ao público LGBTQIAP , presidida por Marcos Tavares. Ele cedeu à AscapBsB parte das máquinas industriais da instituição. Assim, foi possível organizar um pequeno atelier para as aulas, que foram ministradas pela designer de moda Suzete Cunha.
Tecidos, linhas, agulhas, fitas métricas e outros insumos não cobertos pelos recursos do projeto foram arrecadados por meio de doações. "Temos que agradecer ao jornalista José Carlos, editor de Cidade e Cultura do Correio Braziliense, ao armarinho Mundo do Aviamento e à loja de tecidos Saliba, de Ceilândia", destaca Salvelina.
Segundo ela, todos contribuíram com tecidos, aviamentos e redução de preços para que fosse possível garantir às alunas o material do curso, cientes da importância dessa formação, para quem vive na periferia. "Uma rede de solidariedade, e incluo também o Correio Braziliense, que tem nos apoiado com divulgação das nossas realizações", acrescenta a presidente da AscapBsB. Para ela, os próximos desafios são avançar com os cursos de corte e modelagem e construir um galpão para que as alunas tenham um atelier bem organizado, aprendendo e produzindo, a fim de que tenham renda e uma vida melhor.
Protagonismo feminino
"A minha experiência para dar aulas na Costura Social foi uma grande realização tanto profissional quanto como ser humano. O objetivo do projeto era, entre tantos, o protagonismo feminino. A minha sensação, na conclusão desta empreitada, foi a de ter atingido com louvor essas metas. Conseguimos despertar o protagonismo e a autoestima de tantas mulheres, que, em sua grande maioria, chegaram até nós desacreditadas de seu potencial, podadas por tantas dores ao longo da vida", diz a professora e designer de moda Suzete Cunha.
Ela destaca que o encontro de tantas histórias de vida criou, além de uma simbiose, acolhimento e solidariedade entre todas as participantes. "Fui percebendo que as aulas estavam indo muito além de costurar linhas sobre o tecido. Estávamos costurando uma enorme colcha de retalhos de sentimentos e histórias. A combinação de cores da vida de cada uma criou uma harmonia. As dores estavam se transformando em arte", frisa.
"Cada uma que chegava ia tecendo a sua história e tornando a colcha ainda mais sensacional. É claro que eu também fui transformada por tantas histórias, ao perceber, com o meu conhecimento, que estava contribuindo para que outras mulheres ampliassem seu horizonte e enxergassem novas perspectivas. Hoje, o grupo não quer mais se separar. Todas querem aprender ainda mais e estreitar a cada dia os laços de amizade e admiração mútuos", complementa Suzete Cunha.