Após mais de uma década sem ações afirmativas, agravadas por desmontes sem precedentes do último governo, a coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) retoma as atividades formativas do Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI). Entre os dias 10 e 20 deste mês, representantes de várias etnias se reuniram em Brasília para o primeiro workshop sobre gestão pública para lideranças indígenas.
Direcionada a gestores de coordenações regionais da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), coordenadores de distritos sanitários especiais indígenas (DSEIs), secretarias de Estado dos povos indígenas e demais cargos correlatos, o Workshop proporcionou ambiente de comunicação onde líderes indígenas, educadores, investigadores, especialistas, funcionários públicos e formuladores de políticas públicas colaboraram para capacitar líderes indígenas na articulação, gestão e planejamento de ações governamentais estratégicas que atendam às necessidades dos povos indígenas. Tudo isso com respeito aos princípios da gestão pública e em consonância com a defesa dos direitos desses povos.
A formação conta com apoio da The Nature Conservancy (TNC) e da WWF-Brasil, em parceria com o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e Fundação Getúlio Vargas (FGV). Ministrada na Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV Brasília, a aula magna teve como principal tema o retrato do movimento indígena na atualidade, seus problemas e desafios, com apresentação do coordenador geral da Coiab, Toya Manchineri, e de lideranças de organizações das cinco regionais presentes. Foi o primeiro de três módulos, que será encerrado no final do ano.
Retomada
Na primeira etapa, participaram 35 líderes de 20 etnias. Lideranças que estão assumindo cargos e funções na gestão pública, como em Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), coordenações da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), secretarias municipais e estaduais, entre outros cargos. A próxima edição será em junho e contará com a participação de outras 35 lideranças dos estados de Rondônia, Pará, Amapá e Maranhão.
Para eles, o momento é mais que propício para a retomada das políticas indigenistas. "Se tivermos bons gestores, teremos a garantia de bons serviços, mas o Estado, que sempre foi muito omisso, deve fazer a sua parte", destacou o coordenador geral da Coiab, Toya Manchineri, ao final do evento, destacando, ainda, a necessidade de consolidação de parcerias em defesa dos direitos das populações indígenas, mesclando conhecimento acadêmico e ancestrais.
"É importante que firmemos parcerias para fortalecer ações em busca de direitos e consolidação dos territórios dos povos indígenas", frisa Manchineri, lembrando que, hoje, pelo menos 70% das terras demarcadas pela União estão invadidas. "É passada a hora de vivermos com dignidade, de consolidarmos esses territórios nas mãos dos nossos povos, de fortalecer a cultura e a economia familiar, com conhecimento na área de gestão", completou.
Ação histórica
Coordenadora da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (Fepoimt), Dineva Maria Kayabi, alertou para a necessidade de empenho na luta pelos direitos de todas as etnias que rersistem no país. "Plantamos, aqui, uma boa semente. Saímos mais fortalecidos, mas ainda há muito trabalho pela frente", disse, destacando a ação histórica da FGV.
Coordenadora adjunta do Programa Povos Indígenas (PPI) do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), Marcela Menezes frisou que as duas semanas de formação foram decisivas para que as lideranças coloquem em prática os conteúdos de gestão pública ministrados durante o treinamento. "Sabemos que é um grande desafio assumir liderança indigenista em suas regiões após quatro anos de franco retrocesso", disse, anunciando que o IEB está concluindo uma nova etapa para auxiliar as lideranças, que garantirá o aprofundamento de conteúdos em uma plataforma virtual.
Professor da Escola de Políticas Públicas e Governo da FGV e coordenador executivo do Programa de Gestão Pública para Lideranças Indígenas, Bernardo Oliveira Buta destaca que a retomada de formação de lideranças indígenas é um momento histórico. "São lideranças que chegaram para assumir cargos em importantes órgãos, como a Funai, ocupados no governo passado por militares. Caberá a eles definir políticas públicas, traçar planejamentos estratégicos sem que haja espaço para erros", disse. "É uma semente que plantamos e que vai ajudá-los a definir as melhores armas na luta pelos direitos dos povos indígenas."
Povos originários, lideranças indígenas, workshop, gestão pública, FGV-Brasília