REVIRAVOLTA

Volta por cima

Mulheres que foram exploras e submetidas a trabalho desde a infância escravo relatam suas experiências de vida e superação

Samara Oliveira*Diogo Albuquerque*
postado em 23/04/2023 00:01
Gislene Alexandre, representante da Articulação das Empregadas Rurais de Minas Gerais (Adere-MG) e autora do livro sobre empregas domésticas escravizadas -  (crédito: Geraldo Magela/Agência Senado)
Gislene Alexandre, representante da Articulação das Empregadas Rurais de Minas Gerais (Adere-MG) e autora do livro sobre empregas domésticas escravizadas - (crédito: Geraldo Magela/Agência Senado)

Natural de Três Pontas, município da região sul de Minas Gerais, e filha de trabalhadores rurais, a escritora Gislene Alexandre, 38 anos, trabalhou durante 15 anos como empregada doméstica. Desde pequena ela entendia as circunstâncias sociais que a cercavam. "Na minha casa tinha banheiro, era um privilégio comprado à realidade dos meus colegas de classe", lembra.

Pouco depois, a família se mudou para um casebre nos fundos de uma outra fazenda, onde não tinha água encanada. "A gente tinha que buscar água no fundo de uma cisterna", recorda. O pai saía para trabalhar durante o dia e a mãe cuidava da casa dos patrões. Foi vivendo essa rotina que Gislene, ainda criança, sentiu a necessidade de trabalhar para ajudar a família.

Já atuando como doméstica na cidade, ainda menina, Gislene dividia seu tempo entre o trabalho e os estudos. Porém, aos 12 anos, a patroa a impediu de continuar frequentando a escola para dar conta do trabalho. Mas as frequentes mudanças de emprego não impediram que os abusos prosseguissem. Ela conta que aos 17 anos uma patroa a manteve em casa durante três meses a fio. "Foi difícil sair, parte por causa da patroa, parte por causa da dívida de gratidão", diz.

Com determinação, Gislene retomou os estudos aos 22 anos, concluindo o ensino médio aos 28. Aos 30, ficou entre os primeiros colocados no vestibular da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), cursando bacharelado interdisciplinar em ciência e economia. Giza, como é tratada pela família e os amigos, sempre gostou de ler e escrever e viu na universidade uma oportunidade de dar voz às mulheres de contextos semelhantes aos seus. Lançou, então, o livro Vozes do Campo: Emancipação da Trabalhadora Rural Contra a Violência Doméstica.

Seu livro ultrapassou barreiras e foi aclamado ela crítica. Foi convidada a ocupar o cargo de diretora executiva da Confederação Latino-americana de Escritores, Poetas e Artistas do Mundo. Hoje faz sua segunda graduação e afirma que "todo e qualquer direito só é conquistado pela luta dos trabalhadores e trabalhadoras".

 

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