Garantir aos transplantados a possibilidade de reinserção no mercado de trabalho é a principal meta da Comissão de Transplantados do Distrito Federal (CTXDF). Criada em 2020, a entidade vai apresentar na Câmara Legislativa, ainda neste semestre, proposta de projeto de lei que garanta essa possibilidade. De acordo com o dirigente da CTXDF, Robério Melo, 58 anos, paralelo à reivindicação ao Legislativo brasiliense, está em curso uma forte mobilização junto à Secretaria de Trabalho do GDF, ao Sistema Nacional de Emprego (Sine) e ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) com o propósito de assegurar vagas a esses pacientes.
Em pouco mais de dois anos de existência, a CTXDF vem implementando diversas ações para conscientizar a sociedade sobre a realidade dos transplantados na capital federal, como palestras para estudantes e educadores alertando sobre a importância da doação de órgãos e a estruturação de uma casa de passagem para acolher pacientes de todo o país que recorrem a esse tipo de cirurgia no DF. Além disso, disponibiliza assistência financeira para custeio de cestas básicas e pagamentos de contas como água e luz e também jurídica, para que transplantados tenham acesso, sobretudo, a medicamentos de alto custo, imprescindíveis para que o organismo não rejeite o órgão recebido.
Submetido a um transplante de fígado há seis anos, Melo lamenta a falta de informação da maior parte da sociedade acerca dos transplantes de órgãos. "Aguardei pacientemente na fila por minha vez. A pior parte são os efeitos colaterais pós-cirúrgicos, dentre outras intercorrências, sem contar os constantes exames e consultas de rotina", diz o empresário do ramo de papelaria, que, desde a cirurgia, vem refazendo a sua minha história. "Para se ter uma ideia, em 2020 contava apenas com seis funcionários. Hoje emprego 25. O fato é que, com o devido apoio e persistência, podemos seguir adiante, ser um grande diferencial para toda a sociedade. O importante é ocupar a cabeça, ter uma meta. O grande problema é a ansiedade", completa.
Em outubro do ano passado, a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 4613/20, do então deputado Fábio Trad (PSD-MS), que iguala direitos entre transplantados e pessoas com deficiência. O texto garante aos pacientes transplantados, mediante laudo médico, a possibilidade de também ter obstruída sua participação na sociedade em igualdade com as demais pessoas. A proposta seguiu para a deliberação e votação na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) e na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), para só então ser votada em plenário.
Para Melo, no entanto, o projeto de lei em questão não atende aos anseios dos transplantados. "Essa proposta equipara o transplantado à pessoa portadora de deficiência física, mas, na realidade, o transplantado não quer aposentar. Pelo projeto, a empresa que contratar o transplantado terá os mesmos benefícios da empresa que emprega uma pessoa com deficiência física. Não queremos cotas no mercado de trabalho. A gente quer dignidade", diz.
Melo argumenta, ainda, que quando o paciente transplantado volta para o mercado de trabalho ou pratica algum esporte, o transplante é consolidado em 100%. "Já a pessoa que fica em casa, deprimida, ansiosa, fica com a saúde ainda mais debilitada. Nossa proposta é fortalecer o transplantado para voltar ao mercado de trabalho", reitera. Além da garantia de empregabilidade, prossegue Melo, a proposta a ser encaminhada ao Legislativo do DF prevê a garantia de funeral gratuito aos transplantados de baixa renda, em situação de vulnerabilidade social.
"Com o devido apoio poderemos seguir adiante, ser um grande diferencial para toda a sociedade"
Submetido a quatro transplantes de fígado entre 2010 e 2020, o ex-empresário do setor de transportes Marcelo Henrique Messias e Silva, 61 anos, é mais um transplantado a lamentar a falta de políticas públicas que garantam a reinserção de pacientes como ele no mercado de trabalho. Atualmente morando "de favor" com uma irmã, que também enfrenta problemas de saúde, em Taguatinga, ele sobrevive com a aposentadoria por invalidez de um salário mínimo, além da ajuda de poucos parentes e amigos. No início do processo, chegou a ser desenganado por uma equipe médica. "Disseram que não teria mais que 90 dias de sobrevida", lembra.
Marcelo Henrique conta que vendeu a empresa e todos os bens que possuía para custear as frequentes cirurgias, acompanhamento e uma bateria de medicamentos para evitar a rejeição dos órgãos. "Abri mão de tudo que tinha, gastei pelo menos R$ 5 milhões. Fui a zero. Meu trabalho de anos foi embora com a doença. Hoje não consigo emprego de forma alguma", diz. Não obstante, foi abandonado pela mulher e as três filhas e passou a sofrer discriminação em função de sua condição como transplantado.
"Quando fizeram dois transplantes sucessivos cheguei a ficar 72 horas com o peito aberto na mesa de cirurgia, em coma induzido. Depois passei quase dois anos internado para me recuperar. Sem contar as quatro rejeições de órgãos. Essas intervenções me deixaram muito debilitado, mas considero que renasci, que sobrevivi por milagre, mas a maioria das pessoas sequer respeita minha condição, minhas limitações", lamenta. "Recentemente, fui destratado, verdadeiramente humilhado em um posto de saúde, mesmo comprovando minha condição", completa.
Marcelo Henrique conta que logo depois dos primeiros transplantes chegou a conseguir emprego como segurança e manobrista em grandes redes de hotéis, em São Paulo, mas, com a idade avançando e as limitações decorrentes das sucessivas cirurgias, chegou a perder a esperança. "É de suma importância que haja políticas públicas efetivas para os transplantados em todo o país, não apenas nos grandes centros", defende.
Inserção no mercado
Pesquisadora na área de transplantes, a assistente social Débora de Freitas observa que após os procedimentos cirúrgicos, poucos conseguem se reinserir no mercado. "São pacientes com necessidades especiais, que, quando trabalham, se vêm obrigados a se ausentar, com frequência, do emprego para prosseguir com o tratamento e isso impacta diretamente na rotina de trabalho", diz, observando que, por esse motivo, muitos optam por ocupações informais.
"As pessoas imunossuprimidas devem ser tratadas com distinção. Exigem, por exemplo, ambientes mais seguros", diz a pesquisadora, que engrossa o coro dos que defendem o reforço de políticas públicas para os transplantados. "O melhor caminho é sempre o da participação dos legisladores, que devem entender a real necessidade dos transplantados", afirma, destacando ser fundamental o envolvimento de toda a sociedade nesse processo.
Doações em queda
De acordo com a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), as taxas de doação e transplante seguem caindo no país. Somente no primeiro trimestre de 2022, comparado a igual período do ano anterior, houve diminuição de 8,6% nas taxas de doadores. A mesma entidade afirma que a lista de espera por um órgão, que no final de 2019 era de 37.946 pessoas, saltou para mais de 60 mil pacientes. A Secretaria de Estado de Saúde do GDF tem hoje 1.149 pacientes na fila de espera por transplante.