Conciliar o trabalho com os estudos é algo que o estudante Lucas Nunes da Silva, 26, sempre precisou fazer desde cedo. Oriundo de uma família humildade de catadores do Recanto das Emas, a situação de Lucas, no entanto, nunca o impediu de estudar. O jovem conseguiu aprovação em quatro residências em enfermagem, duas delas em primeiro lugar e segue, atualmente, em uma segunda graduação em educação física na Universidade de Brasília (UnB).
Estudante de escola pública desde o ensino básico, Lucas destaca que, desde cedo, precisava trabalhar para ajudar a manter a casa. Durante o ensino médio, o rapaz trabalhava em dois estágios, um no período da manhã e o outro, à tarde, e estudava à noite. Depois de concluir os estudos, o jovem passou a trabalhar com os pais, catadores de material reciclável. "Saía de casa às 5h e chegava de madrugada, por volta de 0h. Sempre fui muito esforçado e tinha uma certa facilidade no aprendizado, mas estudava nos intervalos de tempo que tinha", explica.
Trilha acadêmica
Inicialmente, Lucas conseguiu a aprovação para cursar letras na UnB pelo vestibular tradicional, em 2016. "Nunca me vitimizei, e consegui a aprovação pelo sistema universal, nunca precisei de cotas", diz. Durante a faculdade, ele permaneceu trabalhando como catador e estudando à noite. Porém, depois de três semestres, o estudante não se identificou com o curso. "Peguei uma disciplina da área da saúde e comecei a me interessar mais. Acredito que nada acontece por acaso, sempre digo que foi a enfermagem que me encontrou", relata.
O estudante, então, optou pela transferência de curso. Em 2019, foi aprovado para cursar educação física pela UnB, curso que deve concluir ainda este ano. Depois, Lucas conseguiu vaga em uma universidade particular com bolsa para estudar enfermagem, onde permaneceu por um ano e meio. Em 2020, o jovem prestou uma prova de transferência para seguir o curso de enfermagem na Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) e se formou em 2022. "Meus pais sempre me disseram e eu sempre tive consciência de que a educação era o único caminho para mudar de vida", diz.
Depois de se formar, Lucas passou em quatro residências em enfermagem: em 1º lugar no Exame Nacional de Residência (Enare), em 1º lugar na Universidade Federal de Goiás (UFG), em Belo Horizonte, em 5º lugar na Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) e na Secretaria de Saúde de Goiás (SES-GO). O jovem optou por seguir na residência no Hospital Regional da Asa Norte (Hran), para ficar mais próximo da família.
Dificuldades financeiras
Lucas lembra que a família chegava a viver apenas com uma refeição por dia e que, em alguns momentos, comiam o que encontravam pela rua. "Lógico que selecionávamos o que estava melhor. Era um trabalho árduo, pouco rentável, debaixo de chuva e sol", confessa. Um dos irmãos de Lucas morreu depois de contrair leptospirose na coleta de materiais recicláveis. "Foi um momento muito difícil para a nossa família, mas conseguimos superar essas dificuldades", reforça.
Os pais de Lucas encontraram na coleta de materiais recicláveis o sustento para o lar. O pai, Maurício José da Silva, era pedreiro e, após sofrer um acidente no trabalho que quase o deixou paraplégico. A mãe, Maria Holita Nunes Ferreira, trabalhava como doméstica. Com o desemprego, passou a trabalhar também como catadora, há 14 anos.
Hoje, além de Lucas, o irmão mais velho é formado em arquitetura e também estuda educação física pela UnB. O mais novo concluiu o ensino médio agora. Para o futuro, Lucas pretende se tornar consultor de saúde e juntar as duas formações para oferecer um serviço diferenciado. "Não quero automaticidade. Pretendo juntar a parte assistencial da enfermagem com a reabilitação e prevenção da educação física para conseguir oferecer ao paciente o melhor tratamento", realça.
Estagiário sob a supervisão de Ana Sá
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