Eu, Estudante

Pretos no topo

2022 revisto em negrito: cultura, audiovisual e diversidade

Convidamos a Comissão dos Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal (Cojira-DF) para escolher os destaques do ano passado ligados à temática negra

Mais candidaturas negras

 

Arquivo Pessoal - .

Pessoas negras e do gênero feminino se candidataram mais para vagas no Legislativo do que em 2018. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2018, pessoas do gênero feminino representavam 31,02% e, em 2022, avançaram 2,97 pontos percentuais (33,99%). No ano de 2018, as pessoas negras (pretas e pardas) representaram 45,89% dos/as candidatos/as. No ano passado, o número cresceu e chegou a 49,91%. Os dados indicam que a semente está sendo lançada e, eleição após eleição, essas pessoas vão ocupando mais espaço na disputa democrática.

O problema é que o fosso da iniquidade é muito profundo e, ao que pese o bom desempenho dos/as que buscam uma cadeira no Legislativo, eleger pessoas negras é um desafio. Entre candidatos/as ao Senado, apenas seis negros/as foram eleitos/as. As pessoas brancas arremataram 17 cadeiras. Para a Câmara Federal, enquanto 353 deputados/as brancos/as foram eleitos, apenas 135 negros/as alcançaram o mesmo feito.

E, não podemos esquecer que muitos candidatos/as, incentivados pela possibilidade de acessar maior tempo de propaganda e recursos, mudaram de raça/cor ao registrar suas candidaturas. Ação amplamente denunciada pelo movimento social negro. Ainda assim, mesmo notando apenas candidatos/as pretos/as, se vê avanço.

Mas quando essas sementes vão germinar? A resposta pode estar naquilo que tem sido expurgado do debate democrático: as pautas identitárias. Candidaturas femininas, negras, antissexistas, antirracistas e o voto consciente e compromissado ainda parecem ser o caminho para que o sonho da Frente Negra Brasileira e de muitos outros levantes do passado e do presente, possam germinar.

Rachel Quintiliano é jornalista e promotora de equidade de gênero e raça

Anastacia Vaz - Ana Elisa Santana, jornalista, cientista social e integrante da Cojira/DF

A força do audiovisual

O ano de 2022 deixa marcas relevantes nas produções do audiovisual brasileiro realizadas por pessoas pretas ou que se dedicaram a retratar a diversidade social e cultural do país. A despeito dos recursos escassos de financiamento, obras como Marte Um (Gabriel Martins; Filmes de Plástico) alcançaram resultados históricos, seja em bilheteria, seja em reconhecimento da crítica e de festivais. O filme conta os sonhos de uma família negra da cidade de Contagem (MG), fugindo do clichê que relaciona periferias e pessoas negras à violência, e, além de ter sido eleito o melhor filme pelo júri popular do Festival de Gramado, foi representante do Brasil na lista prévia que poderia levá-lo à disputa do Oscar.

Em um dos países que mais ouvem podcasts no mundo, foi lançado, em 2022, o Projeto Querino (Tiago Rogero; Rádio Novelo). Uma série que apresenta, com apuração cuidadosa, um olhar afrocentrado sobre a história do Brasil e superou a marca de 1 milhão de plays e downloads — número expressivo para esses conteúdos em formato de áudio. E por falar em números, nas mídias sociais o influencer Raphael Vicente mobiliza milhões de seguidores produzindo vídeos cômicos com sua família no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, onde moram.

Esses exemplos são produções que se propõem a mostrar um Brasil que muitos se recusam a enxergar, mas vêm ganhando força, provando que há, sim, demanda para que o país valorize suas raízes e toda sua cultura, afastando estereótipos e construindo junto à população uma identidade diversa e orgulhosa. Em 2023, além de celebrar o retorno do Ministério da Cultura e dos investimentos no setor, é necessário cobrar que o fomento seja, também, pensado por pessoas que compreendam a importância de retratar a imagem desse Brasil visto e vivido além dos padrões impostos pelo racismo que é histórico e estrutural no país.

Ana Elisa Santana é jornalista e cientista social

Diversidade no novo governo

Arquivo pessoal - André Ricardo Nunes Martins, jornalista, doutor e pesquisador em análise do discurso e integrante da Cojira/DF

Com o peso de quatro anos de reveses no combate ao racismo e nas políticas de direitos humanos em geral e o desmonte parcial desse aparato institucional por parte do governo federal, 2022 se encerrou com onda de alívio e de esperança na sociedade quanto à reversão de medidas retrógradas e ao avanço de políticas progressistas e de aprofundamento da democracia. A maré virou.

Em alta, outra vez, o foco governamental na promoção da igualdade racial e numa postura mais assertiva e compromissada com os povos indígenas. Diversidade torna-se eixo programático da nova administração, com mais pessoas negras no primeiro escalão, o que já é um bom avanço até mesmo em relação ao ministério inaugural do primeiro mandato de Lula.

Destaco a presença de Anielle Franco, irmã da vereadora Marielle Franco — executada por milicianos, com seu motorista, Anderson Gomes, em 2018. Há forte simbolismo na escolha. Com um olhar sobre comunidades vulneráveis e o apoio às políticas públicas que Marielle defendia. Silvio Almeida, consagrado teórico da questão racial, vai comandar a área dos direitos humanos e cidadania. Vislumbramos prioridade para a agenda de combate ao racismo e promoção da igualdade racial no orçamento, retomada e expansão de políticas de ação afirmativa e enfrentamento da discriminação estrutural nas abordagens policiais e nos sistemas prisional e judicial.

Também a escolha de Margareth Menezes prestigia tanto a Bahia quanto a herança afro-brasileira. Já de cara, ela chama o presidente do Olodum, bloco afro de Salvador e técnico dos mais respeitados na área, para presidir a Fundação Palmares. É sopro de esperança após quadriênio inteiro de muitas baixas.

André Ricardo Nunes Martins é jornalista, doutor e pesquisador em análise do discurso