NOSSOS MESTRES

Vocação para o acolhimento, paixão pelo ensino

Alfabetizadora do EC 05 do Guará, a professora Andréia Azenha Marques mantém há mais de 25 anos o brilho nos olhos na hora de receber cada novo aluno

Mariana Niederauer
postado em 29/01/2023 10:15 / atualizado em 29/01/2023 10:15
Aos 45 anos, a educadora Andréia Azenha Marques passou a maior parte de sua vida atuando em sala de aula. A primeira vez que encarou uma classe foi aos 17 anos, logo depois de concluir a antiga Escola Normal. Hoje, é a companheira dos alunos do Centro de Ensino Fundamental 5 do Guará na mágica trajetória da alfabetização. -  (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)
Aos 45 anos, a educadora Andréia Azenha Marques passou a maior parte de sua vida atuando em sala de aula. A primeira vez que encarou uma classe foi aos 17 anos, logo depois de concluir a antiga Escola Normal. Hoje, é a companheira dos alunos do Centro de Ensino Fundamental 5 do Guará na mágica trajetória da alfabetização. - (crédito: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)

"Alfabetizar, para mim, é abrir as portas do mundo com uma pessoa." É assim que a professora Andréia Azenha Marques define o sentimento que se fortalece a cada dia de exercício do magistério. Aos 45 anos, ela passou mais tempo de vida atuando em sala de aula do que fora. Pisou numa classe como regente pela primeira vez ainda aos 17 anos, após concluir a formação na antiga Escola Normal. Hoje, é a companheira dos alunos do EC 05 do Guará na mágica trajetória da alfabetização.

"Sabemos o quanto a leitura e a escrita são fundamentais na vida de uma pessoa. Então, quando você pega uma criança, um ser pequenininho, para transformar e ver aquele crescimento, é muito emocionante", conta Andréia, sem conseguir conter o choro de orgulho e de alegria. "Porque, para mim, não é simplesmente o alfabetizar, não é tão mecânico. Alfabetização tem muito a ver com afetividade. Se você não tem afetividade, um vínculo com seu aluno, não funciona. Ele tem que se sentir confiante, estimulado, feliz, alegre. A escola tem que ser um lugar de aconchego, de acolhimento, de pertencimento", resume a professora, que trabalha na Secretaria de Educação há 26 anos.

A mesma emoção e empenho ela manteve até durante a pandemia, seja nos encontros virtuais, seja nos primeiros meses de retorno presencial, quando as precauções ainda eram necessárias. "Eu busco recebê-los todos os dias com abraço, com beijo, faço uma festa! Mesmo na pandemia a gente usava umas mãozinhas, dava um jeito. Eu sou muito do abraço, do afeto, pois assim eles vão se sentindo seguros." Essa é uma maneira, segundo a professora, de tornar o aprendizado mais leve. Premissa que Andréia segue à risca, e por um motivo tão nobre quanto desafiador.

Motivação especial

Coluna "Nossos Mestres". Professora Andreia Azenha, da Escola 05 do Guará.
Coluna "Nossos Mestres". Professora Andreia Azenha, da Escola 05 do Guará. (foto: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)

Nascida em Brasília e criada em uma região de baixo desenvolvimento econômico — a M Norte, em Ceilândia — ela precisou quebrar as barreiras trazidas pelas dificuldades financeiras e enfrentou a falta de empatia de muitos dos professores por quem cruzou. A dificuldade se transformou em força e estímulo para fazer diferente — e melhor. "Minha mãe tinha uma formação, mas não o suficiente para me auxiliar. O meu pai também. Sou filha de taxista e minha mãe era servidora da escola", relata Andréia.

"Eu sempre tive muita dificuldade na escola, mas eu era uma pessoa que queria muito aprender", relembra. "Então, eu falava que um dia eu seria uma professora diferente. Porque os meus professores olhavam para uma turma, não olhavam para o histórico de vida, as dificuldades sociais que as pessoas enfrentavam, os problemas familiares. Não que a gente vá resolver, mas quando a gente compartilha isso, entende, compreende, é fundamental. Eu me virava para estudar. Ficava ali procurando alternativas para entender."

O objetivo principal de vida se tornou, então, fazer diferente quando chegasse a hora dela de lecionar. "A minha história de vida como professora é focada nisso: fazer com que as crianças não vivam, não precisem passar pelo que eu passei. Pode ser uma coisa mais leve", atesta.

Filha do meio, Andréia tem uma irmã mais velha que também passou por dificuldades na escolarização. O caçula é onze anos mais novo, e o elo entre os dois sempre foi intenso. "Eu me sentia a mãe dele. Eu brincava, sentava no chão, pois minha mãe trabalhava e não tinha muito tempo. Eu queria sair da escola correndo para ficar com ele, como se fosse um boneco", brinca a professora. "Mas depois virou um sentimento muito maior", celebra. Hoje, todos são formados em cursos superiores. A primogênita cursou história e o irmão, relações públicas.

Para realizar o sonho de se tornar professora, Andréia cumpria uma rotina rigorosa. A matriarca trabalhava como auxiliar de limpeza e conservação no colégio Elefante Branco, na Asa Sul, como concursada da Secretaria de Educação. A família toda saía cedo de casa para economizar a gasolina na ida ao Plano Piloto. Andréia acompanhava a mãe e até ajudava a varrer as salas. Depois de tomar café, seguia para a Escola Normal, que funcionava onde hoje está instalada a Eape (Subsecretaria de Formação Continuada dos Profissionais da Educação).

Andréia ficou fora da primeira convocação por pouco, mas graças à insistência de uma tia, que trabalhava no local e todos os dias conferia se havia alguma desistência, conseguiu a vaga e se formou. Mais tarde, ainda concluiu o ensino superior na Universidade Católica de Brasília, para orgulho dos pais. "Foi a realização de um sonho. Desde criança eu queria ser professora. Não tinha dúvidas."

Sala de aula inclusiva

Coluna "Nossos Mestres". Professora Andreia Azenha, da Escola 05 do Guará.
Coluna "Nossos Mestres". Professora Andreia Azenha, da Escola 05 do Guará. (foto: Carlos Vieira/CB/D.A.Press)

Depois de terminar a graduação e já como professora da rede pública de ensino, Andréia ingressou na especialização na área de inclusão escolar, diante do início do processo de atendimento de estudantes com necessidades especiais em salas de aula regulares. "Eu tinha mais dificuldade e vi que havia campos para evoluir como profissional e fazer um bom trabalho", observa.

"O que mais me envolve é essa questão de olhar para cada um. Eu não vejo uma turma. Eu vejo o Enzo, a Carla, a Fabíola: eu vejo a criança. Quando você tem um olhar voltado individual para aquela criança, ela sente isso, percebe que ela é importante naquele espaço. É muito prazeroso", detalha Andréia. "E eu acredito que eu ganho muito mais do que ofereço. O professor tem esse estigma: ele que sabe tudo e que ensina tudo. Eu acho que uma criança é capaz de te ensinar milhões de coisas, e eles me ensinam a ser um ser humano melhor todos os dias. Foge ao currículo, às habilidades, às competências que a gente tem que trabalhar com eles. Acredito que é através dessa mudança individual, de cada um, que você muda o mundo. Ainda tenho essa esperança, não perco essa vontade."

Professora Andréia Azenha Marques com os pais, Marcos e Alzira. Coluna Nossos mestres. Trabalho&Formação Profissional
Professora Andréia Azenha Marques com os pais, Marcos e Alzira. Coluna Nossos mestres. Trabalho&Formação Profissional (foto: Arquivo pessoal)

E, com o início do ano, a professora não esconde que o frio na barriga e a curiosidade permanecem. "Quando eu recebo uma turma fico olhando os nomes e imaginando como vão ser. Se vão ser mais criativos, se vão ser mais zangados, se gostam de ler ou gostam mais das artes", revela.

A semana de aula sempre começa com história. Foram cerca de 30 livros trabalhados com as turmas no ano passado. "Começo com a rodinha na sala, eles se sentam, colocam as coisinhas deles e aí eu pergunto como foi o final de semana, se tem alguma coisa para contar. Aquele que chega triste eu vou lá, ponho no colo, pergunto se teve alguma discussão no carro com a família, coisas inúmeras que acontecem. Aí a gente começa a nossa aula. Eles falam tudo. Eles gostam muito de falar na vida deles, do que eles fizeram", detalha Andréia. Os kits de livros e de jogos recebidos pela escola são essenciais para dar apoio ao trabalho pedagógico.

Professora Andréia Azenha Marques com o companheiro, Francisco. Coluna Nossos mestres. Trabalho&Formação Profissional
Professora Andréia Azenha Marques com o companheiro, Francisco. Coluna Nossos mestres. Trabalho&Formação Profissional (foto: Arquivo pessoal)

Hoje, Andréia mora com a filha, Lavínia Azenha Marques Douetts, 15 anos, e o companheiro Francisco de Oliveira Belchior, 53. No mesmo terreno, no Guará, vivem os pais, Marcos Marques, 70, e Alzira Fernandes Azenha Marques, 72.

Ela conta de forma descontraída, mas expressando uma preocupação real, que precisa se preparar para a aposentadoria, pois vai representar o fim de um ciclo essencial em sua vida. "Eu tenho que conversar com a minha terapeuta, porque faltam cinco anos para eu me aposentar, vai ser difícil. Eu gosto de estar aqui. Eu não venho trabalhar: venho aqui fazer uma coisa que eu amo", relata. "Estar com as crianças é maravilhoso. A gente enfrenta problemas pessoais, que todos têm, mas elas trazem essa alegria."

A caminhada continua

Professora Andréia Azenha Marques com alunos.
Professora Andréia Azenha Marques com alunos. (foto: Arquivo pessoal)

Essa é parte do caminho que Andréia percorre e compartilha no desafio de alfabetizar, tarefa que mobiliza redes de ensino pelo país todo. Sobre essa face nacional da alfabetização, a professora analisa que justamente o compartilhamento de experiências poderia contribuir para que todas as regiões do país alcançassem a mesma página e até escrevessem novos capítulos. "Se o Ministério da Educação pegasse as experiências produtivas do Brasil e fosse repassando, acho que seria um ganho maravilhoso, porque os professores, os meus colegas, são incríveis", exalta.

Professora Andréia Azenha Marques com alunos. Coluna Nossos mestres. Trabalho&Formação Profissional
Professora Andréia Azenha Marques com alunos. Coluna Nossos mestres. Trabalho&Formação Profissional (foto: Arquivo pessoal)

Ela reforça, no entanto, que para isso é preciso vocação. Na avaliação da professora, seria importante que os cursos de pedagogia ajudassem os estudantes a terem mais clareza quanto à escolha, incluindo nos currículos, por exemplo, vivências em sala de aula desde o primeiro semestre da graduação.

O trabalho é árduo, mas pode gerar frutos por muitas gerações. "Há tantos pais, tantas pessoas que têm gratidão. A mãe de uma ex-aluna que a filha passou no vestibular para direito me mandou uma foto agradecendo por tudo o que eu tinha feito. Eu fico muito emocionada com essas coisas. Essas pequenas coisas vão nutrindo a vontade da gente. Eu não sei o que eu estou plantando, mas eu sei que vai florescer."

 

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