Os estudantes brasilienses Gabriel Araújo Souto, 23 anos, e Dimitria Giovanna Costa Ferreira, 25, conquistaram vaga em um programa de mestrado integral, com tudo pago, para estudar na Universidade Tsinghua, considerada a melhor universidade da China e uma das 20 melhores do mundo, segundo o QS World University Rankings. Com taxa de aceitação de menos de 3%, o programa Schwarzman Scholars é uma iniciativa de mestrado completo e um dos mais prestigiados e disputados do mundo em assuntos globais.
Fundado em 2016 por Stephen Schwarzman, empreendedor, investidor e filantropo bilionário norte-americano, o programa tem o objetivo de despertar em jovens líderes as habilidades necessárias para compreensão mútua e fortalecer o cenário geopolítico do século XXI. Para isso, os bolsistas são colocados em contato com uma rede influente de líderes internacionais de diversos setores, entre os alunos do programa e também em palestras e atividades extracurriculares.
Desde sua criação, apenas nove brasileiros foram selecionados. Os dois aprovados em novembro do ano passado são egressos da Universidade de Brasília (UnB). Dimitria nasceu na Asa Norte e foi criada em Sobradinho. Formada em letras (português e respectiva literatura), ela afirma que a UnB foi sua base.
"Foram quatro anos de estudo em uma universidade de grade aberta, onde pude aprender diversos assuntos. A gente não fica preso em uma única área. Tive aula de filosofia, relações internacionais. Essa experiência da UnB, de estar junto a pessoas de diversos cursos, de diversas partes do Brasil, me fez ser quem eu sou hoje", explica ela.
As lembranças de Dimitria de sua vida universitária não para por aí. O que sobra são recordações de momentos importantes e decisivos em sua formação. "A UnB me proporcionou a imersão em pesquisas de iniciação científica, a possibilidade de escrever artigos e de viajar pelo país apresentando meus projetos. Me possibilitou conhecer professores renomados, participar de empresa júnior. Então, tudo que eu pude explorar por lá, explorei. Com certeza não teria conseguido essa vaga na Tsinghua se não fosse por todo o suporte que a UnB me deu. Só tenho a agradecer a essa maravilhosa instituição", reconhece.
Morador do Jardim Botânico, região administrativa do DF composta basicamente por condomínios fechados, Gabriel estudou engenharia de redes de comunicação por um ano na UnB e, depois, decidiu cursar direito em outra universidade. Ele conta que participa de um grupo de pesquisa na UnB, o Laboratório de Políticas Públicas e Internet (Lapin), que o auxiliou a se tornar, efetivamente, um pesquisador.
Em busca de independência financeira e possibilidade de pautar os próprios estudos, o grupo se transformou em uma associação sem fins lucrativos para poder captar recursos e patrocínio. Gabriel é membro fundador e diretor acadêmico do Lapin. "Essa experiência na UnB me garantiu uma base acadêmica muito forte para projetar nessas oportunidades internacionais", afirma.
No último processo seletivo da Schwarzman Scholars, que ocorreu em meados de 2022, foram 3 mil inscritos de 121 universidades no programa, dos quais foram selecionados 151 estudantes de 36 países de todo o mundo. A bolsa de mestrado cobre todos os custos, desde passagens de ida e volta até gastos pessoais. Além disso, o programa fornece alojamento em um complexo exclusivo, material didático completo e equipamentos eletrônicos, como notebook. Dimitria e Gabriel viajarão para a China em agosto deste ano.
Processo seletivo do programa
O processo seletivo para ingressar no Schwarzman Scholars é dividido em duas partes: na primeira, o candidato deve enviar uma redação explicando o que fará no programa, o currículo, responder a perguntas objetivas sobre alguma experiência de liderança e elencar as premiações recebidas ao longo da vida acadêmica. "Eles avaliam, por meio dessa escrita, o seu perfil, além de um vídeo de um minuto", diz Gabriel.
Já na segunda fase do processo, os candidatos viajam para Nova York, Coreia do Sul ou Pequim para uma entrevista com líderes internacionais de diversos países e reitores de universidades renomadas. A entrevista dura cerca de 45 minutos e é feita em inglês. "Os painelistas, como são chamados os entrevistadores, fazem perguntas elaboradas e complexas para te tirar do conforto. Uma pergunta que me fizeram, por exemplo, era o que eu faria se fosse o Biden e tivesse que lidar com uma ameça de bomba nuclear do Putin. São perguntas para testar sua liderança e suas reações", complementa Gabriel. No caso dos dois brasileiros, a entrevista foi feita pela internet devido a pandemia de covid-19.
Dimitria afirma que o processo não é o mesmo a que os estudantes estão acostumados no Brasil. Segundo ela, a avaliação é holística. "Não fazemos uma prova que se assemelha a um vestibular. Nessa avaliação holística eles observam tudo que você fez desde muito cedo, suas competências. O que eles querem é ver a sua capacidade de liderança, ver como você se tornou um líder na sua área", observa. A jovem conta que o preparo para o processo durou dois meses e que a parte mais difícil foi, justamente, a entrevista. "Você é colocado na parede mesmo. Eles avaliam desde o início a sua capacidade de resposta, seu nível de emoção. Nessa etapa muita gente não passa, essa é a verdade."
Depois de aprovados, os estudantes têm a oportunidade de estudar relações globais e podem escolher as disciplinas que serão cursadas, ou seja, cada estudante define o direcionamento que dará à sua formação. No fim, o aluno sai com um diploma de Global Affairs ou assuntos internacionais. Gabriel conta que escolherá a disciplina de economia para compreender melhor as políticas públicas e o sistema financeiro chinês. Dimitria também pretende estudar políticas públicas, para entender como o governo chinês conduz os princípios linguísticos. Ela conta que a turma é diversificada e que o programa é frequentado até mesmo por filhos de ex-presidentes, como do ex-presidente ucraniano Viktor Yushchenko.
O mestrado como alternativa de carreira
O mestrado é uma das opções para se especializar, se aprofundar em uma área de atuação se inteirar de novos métodos e técnicas de trabalho. No caso de programas internacionais, é a chance de ter contato com o novo. Além disso, a oportunidade de estudar no exterior é, para alguns estudantes, a chance de fazer uma imersão cultural e adquirir novas experiências e conhecimento que serão, no futuro, aplicados no país de origem.
É o caso de Dimitria, que confessa alimentar a expectativa de um "choque cultural". Ela afirma que sempre seguiu uma linha voltada à imersão. "Sempre quis pesquisar mais. Comecei fazendo duas sobre línguas indígenas, ambas no Norte do Brasil. Foi quando comecei a desenvolver a minha paixão por letras, por línguas", diz, lembrando que o contato que teve com a UnB a levou a se aproximar mais do curso. "Inicialmente eu não queria esse curso. Meu plano era fazer direito ou relações internacionais, mas a vida me encaminhou pra letras. Por conta dos recursos que a UnB me proporcionou, consegui me apaixonar pelo curso", pondera.
Atualmente, Dimistria trabalha com políticas linguísticas, área ainda recente, e pretende abrir uma consultoria de formulação dessa ciência. "Pretendo dar início a esse lobby para que países, no meu caso o Brasil, prestem atenção à questão das línguas, para protegê-las por meio de leis e decretos. Não só o português, como também línguas indígenas e outras línguas minoritárias", sonha. Ir pra China, seguindo ela, será uma forma de observar o que o governo daquele país fez para fomentar diferentes idiomas, e, assim, trazer os ensinamentos para o Brasil.
Para Gabriel, se tornar professor sempre foi um sonho. O jovem quer estudar o acesso à tecnologia e ir para a China será, para ele, uma oportunidade de ver e entender de perto como o país consegue produzir tecnologia da informação e comunicação e de que maneira isso pode contribuir para fomentar o acesso à tecnologia e à industrialização. Depois, ele pretende aplicar a lógica de uma nova perspectiva no Brasil. Gabriel também espera internacionalizar o estudo de proteção e privacidade de dados que já desenvolvia na Lapin.
Estagiário sob a supervisão de Jáder Rezende