Além de levar às crianças a fantasia da magia natalina, os profissionais que incorporam a figura do Papai Noel são considerados imprescindíveis para atrair clientes e, consequentemente, garantir lucro aos estabelecimentos comerciais. Assumir esse papel, no entanto, exige mais que simpatia e disposição, sobretudo quando a ordem é atender as inúmeras crianças que procuram contato imediato com o bom velhinho.
Para esses atores sazonais, ser Papai Noel é mais complexo do que possa aparentar. A grande maioria deles afirma que, antes de tudo, é preciso estar atento aos horários de trabalho, gostar de entender as crianças, estar sempre com as roupas alinhadas, assim como a barba branca, principal marca do personagem, muito bem cuidada. É necessário, ainda, saber quais são os comportamentos e etiquetas indispensáveis para retratar o mais fielmente possível esse papel tão importante para o imaginário infantil. É preciso saber, por exemplo, como responder a um pequenino que, a todo custo, questiona sua identidade e também como lidar com os mais diferentes tipos de pedidos.
Adailton José dos Santos
O Papai Noel do Brasília Shopping é incorporado pelo aposentado Adailton José dos Santos, 68 anos. Ele conta que abraçou a profissão desde 2007, quando recebeu um convite de sua esposa, que atuava como diretora em uma escola pública do DF, para animar uma festa de fim de ano. A princípio, interpretou São Nicolau em uma noite de pijamas com os alunos. Na profissão, Santos conta com a ajuda de suas netas mais velhas para cuidar das agendas. Elas prestam ainda assessoria sobre como proceder em algumas situações. “Nunca digo, por exemplo, que não sei que objeto é esse. No pensamento das crianças, o Papai Noel sabe de muita coisa”, diz ele.
Santos afirma que deixa a barba crescer já em julho e, desde então, cuida diariamente para manter a coloração natural e fortalecer os fios. Entre os seus vários looks existem desde os mais tradicionais a opções temáticas, mas ele não considera que nenhum seja especial, a não ser o par de botas, que carinhosamente guarda como amuleto. As roupas características são fornecidas pelas agências ou pelos shoppings, embora seja comum cada um se apresentar com suas peças pessoais.
O dia a dia do Papai Noel é um capítulo a parte. Bastante corrido, é repleto de compromissos e encontros com a criançada. Assim como Santos, todas as manhãs eles acordam cedinho e tomam um café reforçado enquanto repassam a seus ajudantes os desejos dos pequenos.
A segunda parte do trabalho começa às 12h, ouvindo os pedidos das crianças e avaliando “se elas merecem os presentes”. “Olho para os pais, eles me dão sinais se é possível ou não que a criança ganhe o presente. Quando me dão um sinal que sim eu digo que vou anotar na minha agenda e que eles podem esperar”, revela Santos.
Com anos de carreira consolidados, ele perdeu conta da quantidade de chupetas que ajudou os pais a tirar das bocas dos filhos, como forma de abandonar esse hábito. “Muitas vezes funciona como uma troca. A criança entrega a chupeta e eu passo para a mãe, digo que estou levando-a comigo. Fica a critério dos pais aproveitar essa oportunidade ou acabar devolvendo depois”, diz.
Pedro Marcos Villas Boas, 58
Há 10 anos, o tecnólogo em segurança pública e pós graduado em docência do ensino superior Pedro Marcos Villas Boas, 58, andava pelas ruas do DF quando uma pessoa reparou em sua barba bem cuidada e, impressionada, o abordou com um convite para ser Papai Noel. “Entrei nessa brincadeira por ironia e sorte do destino”, conta o Papai Noel do Taguatinga Shopping.
Villas Boas lembra que na época eram poucas as agências especializadas no personagem e que foi necessário apenas algumas orientações sobre como se comportar com crianças. Segundo ele, na pele do bom velhinho é possível, sim, ganhar uns bons trocados nas festas de fim de ano. Considerado um dos mais agitados Papais Noéis do DF, ele cultiva o perfil @eusounoel nas redes sociais, com mais de 5.900 seguidores acompanhando diariamente suas atividades temáticas, que aproximam a magia do natal à tecnologia cada vez mais presente na vida das crianças.
Antônio Carlos Sampaio, 53
O aposentado Antônio Carlos Sampaio lembra como também entrou para o rol dos mais disputados Papais Noéis do DF. Em 2014, ele participou de um trabalho voluntário no Sol Nascente e foi contagiado pela magia do Natal. O curso que fez há 30 anos sobre qualidade no atendimento ao público marcou seu currículo como prova de que, para ser um bom velhinho, também é preciso conhecimento técnico. Hoje, aos 53 nos, ele garante seu 13° salário como Noel, no Águas Claras Shopping.
Sampaio afirma que ter jogo de cintura é imprescindível para lidar com a curiosidade das crianças que, invariavelmente, sempre querem saber detalhes de sua existência, onde mora, se a barba é falsa e também das famosas renas, se voam ou não de verdade. Ele conta que algumas chegam até mesmo a puxar sua barba para saber se é de verdade.
Mas os casos de crianças especiais são os que mais marcaram sua vida. “Sou intérprete de Libra, a Língua Brasileira de Sinais, e me lembro dom episódio de uma criança surda, que comemorava sua última sessão de quimioterapia. Ela me perguntou por que eu era o único Papai Noel que conseguiu conversar com ela por Libras. Fiquei emocionado com isso”, recorda.
Edson Neri, 64
Há seis anos, até o mês de novembro, Edson Neri, 64 anos, atua como analista de inteligência organizacional, atendendo empresas como consultor de desenvolvimento tecnológico e inovação. Já no início de dezembro, sua rotina é alterada radicalmente, quando começam os preparativos para assumir uma nova identidade. “Atuar como Papai Noel é diferente, mas tem similaridades. Ambas as minhas profissões trabalham com o futuro”, diz o bom velhinho do Park Shopping.
Neri ressalta que cuidar da saúde está entre os principais hábitos de sua preparação para “mudar de vida”. “Entregar presentes para crianças do mundo inteiro exige bom condicionamento físico”, brinca. Para ele, o processo mais importante na hora de entrar na brincadeira é fazer uma leitura de cada um dos meninos e meninas que se aproximam, reinventando formas de atendê-las da melhor forma.
Ele compartilha um episódio que aconteceu neste ano, nos primeiros dias de volta ao atendimento no shopping. “Um menino me disse que já estava com seu pedido pronto e eu perguntei qual era. Quando revelou, afinal, não contive a gargalhada. O fato é que ele me pediu uma banana, porque sabia que eu iria gastar muito dinheiro presenteando outras crianças mais pobres e que o pai dele poderia dar um presente mais caro.
Vicente Gomes da Silva, 72
O aposentado Vicente Gomes da Silva, 72 anos, ingressou nos bastidores da magia do Natal em 2014, na festa de final de ano da família, e logo se interessou profissionalmente pela empreitada. Agenciado desde o primeiro trabalho, ele conta que também nunca passou por um curso específico. Deram a ele apenas algumas orientações básicas sobre como lidar com crianças.
Com a proximidade do Natal, Silva recebe muitos convites para marcar presença em domicílios, festas e jantares de família. A ideia, segundo ele, é facilitar a vida dos pais com agendas apertadas e que não conseguem levar os filhos aos shoppings. E foi justamente essa modalidade de atendimento que proporcionou a tão ansiada magia do Natal, no auge da pandemia.
Ele lembra que naquele período muitas famílias não abriram mão de contratá-lo e que, com os devidos cuidados, marcou presença em vários lares com o coração repleto de alegria.
Carlos Matias da Silva, 62
Em 2015, o então desempregado Carlos Matias da Silva, 62, entrou no mercado de Noéis disposto a experimentar novas experiências. Ele é mais um a admitir que encara o dia a dia do Noel como uma performance e não uma profissão. Silva conta que aprendeu no Grupo Ciranda técnicas fundamentais para incorporar o mais importante personagem do imaginário infantil. “Mais que uma realização pessoal, é uma grande honra poder fazer parte de momentos especiais com as crianças”, diz.
Para ajudar outros Noéis a cuidar de tantas crianças, Matias deixou sua casa em Anápolis (GO) e passou a, literalmente, morar no shopping, provando que a rotina de um bom velhinho não é fácil. “Foi uma decisão tomada por mim e pelo shopping, pensando no melhor protocolo contra a covid-19. Minha rotina morando aqui é como se estivesse em casa, faço refeições no horário certo e consigo descansar também. Não há nada de extraordinário”, conta.
Dicas para ser um bom Papai Noel
» “Gostar de criança, ser paciente, animado, carismático e feliz” — Noel Pedro Marcos Villas Boas, do Taguatinga Shopping;
» “Nessa profissão, amar as crianças é prérequisito” — Antônio Carlos Sampaio, do Águas Claras Shopping; » “É preciso ser sensível. Essa profissão recebe crianças cheias de esperança e sonhos” — Edson Neri, Park Shopping;
» “Continuar alimentando a magia dentro das pessoas” — Carlos Matias, JK Shopping; » “Estar aberto a novas histórias” — Adailton José, Brasília Shopping;
» “Entrar no personagem” — Vicente Gomes da Silva, Terraço Shopping.
*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá