Para a especialista em diversidade e inclusão e diretora de experiências na Profissas, Sônia Lesse, ainda existe uma tendência entre as corporações de contratar profissionais negros e pardos como "estratégia de marketing". Ela critica essa postura, ponderando que um ambiente diverso e inclusivo deve ser, necessariamente, fomentado na própria empresa.
De acordo com ela, casos como os assassinatos do estadunidense George Floyd e do brasileiro João Alberto na rede Carrefour provocaram uma mobilização social que implicou na ação de empresas que, agora, "precisam correr atrás do prejuízo".
Essas movimentações, conhecidas como ações afirmativas — processos estruturantes pontuais no qual a cada vaga ofertada uma porcentagem é destinada para a inclusão de minorias sociais —, começam, na maioria das vezes, por etapas. Mesmo com essa demanda e preocupação social, ela analisa que, atualmente, os ambientes de trabalho ainda enfrentam muita resistência para a inclusão de funcionários negros e, consequentemente, implica na ausência dessas pessoas em cargos de liderança.
"No Brasil não há uma empresa sequer de inclusão orgânica. Temos casos muito positivos, como a Natura, mas ainda estamos distantes de conseguir alcançar um ponto ideal", diz Lesse, observando que o maior erro das empresas não letradas na pauta racial é replicar métodos e estratégias utilizadas por outras corporações. "É um passo que prioriza mais os resultados do que a estrutura", diz.
Lesse afirma, ainda, que investimentos na área de diversidade e inclusão não são comuns nas empresas brasileiras. De acordo com levantamento realizado por ela, a maioria destina menos de 10% do capital para ações afirmativas. "Trata-se de um orçamento irrisório, que limita a atuação do RH e áreas de diversidade e inclusão. Nada mais do que uma forma de garantir o racismo", afirma.
Para a especialista, os processos seletivos e programas de trainee exclusivos para jovens negros são ações válidas, porém não podem ser "soltas". Lesse defende que haja uma análise crítica e responsável do mercado por parte das empresas. "Elas não podem se isentar da discussão da isenção do racismo, precisam debater a responsabilidade branca", diz.
"Sem diversidade não tem mercado. Se as empresas olharem estrategicamente para o mercado como um todo, é possível pensar na continuidade do negócio no âmbito da inovação", afirma. "Não criar um produto ou oferecer um serviço que sirva para a maioria da população, que é negra, vai culminar em fracasso", critica."Temos que reverberar a questão o ano inteiro porque o racismo é um problema de toda a sociedade brasileira", finaliza.
Caminho até o mercado
A analista contábil Júlia Silva, 23, acredita que, se fosse branca, teria mais oportunidade no mercado de trabalho. "Apesar de nunca ter sofrido qualquer tipo de descriminação nos processos seletivos, as barreiras contra pessoas negras são nítidas e existem em todas as camadas da sociedade", afirma.
Formada em ciências contábeis pela Universidade de Brasília (UnB), Júlia é a primeira da família a ingressar em uma universidade pública. Ela atribui parte dessa conquista ao esforço dos pais. "Empenhei-me muito para entrar na UnB porque sabia, desde cedo, que isso daria um peso muito maior quando procurasse emprego", diz.
Antes de ocupar o cargo que exerce na Confederação Nacional da Indústria (CNI), a Júlia Silva participou de processos seletivos e programas de trainee exclusivos para pessoas negras em outras corporações. "São diversas etapas nesse processo, com entrevistas e dinâmicas de grupo que chegam a ser desgastantes. Muitas vezes, pessoas brancas assumem o papel de recrutadores. Para nós, enxergar um rosto de alguém preto dá uma sensação de conforto e conseguimos nos abrir com mais segurança", desabafa.
Júlia considera importante os processos seletivos exclusivos para funcionários negros, porém, analisa que apenas a garantia da porta de entrada não é suficiente solucionar o racismo. "Alguns treinamentos sobre como lidar com a diversidade devem ser incorporados à vivência empresarial. Em outras ocasiões, presenciei como eles geram debates e questionamentos necessários entre pessoas brancas", conta.
"Ainda vivemos em situação de muita vulnerabilidade. Então, na maioria das vezes, não conseguimos escolher trabalhar por prazer. Temos que levar em consideração o salário e benefícios oferecidos", diz.
A estagiária de pesquisa tradicional no Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), Brenna Araujo Vilanova, 23, reflete que a entrada de jovens no mercado deve ir além das cotas em processos seletivos. "A população negra descende de um histórico marginalizado, e esse é um dos motivos pelo qual existe uma forte baixa autoestima profissional entre nós", afirma.
Os pré-requisitos e características exigidos por empresas, segundo ela, são um dos fatores que fecham as portas do mercado de trabalho para jovens negros. "O modo como você é contratado também influencia. É necessário abolir esse pensamento elitista que cobra diversos conhecimentos técnicos, equipamentos e idiomas", conta. "Precisamos aumentar a preocupação na qualificação acessível para todos" completa.
Estagiária sob a supervisão
de Jáder Rezende