Sálvia, manjericão, arruda, mirra, água boa de moringa e muita reza. Esses são os principais ingredientes para ajudar no equilíbrio do corpo e da mente oferecidos pelas benzedeiras do SUS. Depois de dois anos promovendo atendimento on-line, um grupo de mulheres com o dom da bênção retomou os atendimentos presenciais na Unidade Básica de Saúde 1 do Lago Norte, sempre na última sexta-feira do mês.
Elas prometem amenizar e até mesmo curar todo tipo de moléstia, de "carne quebrada a osso rangido, nervo torto a veia magoada", mas é preciso, sobretudo, ter muita esperança de que o melhor está por vir. "Acima de tudo, a pessoa tem que ter fé, coração aberto. Sem convicção não há ressonância para todas as possibilidades, fica uma via de mão única", afirma a guardiã da Escola de Almas Benzedeiras de Brasília, Maria Bezerra, que há seis anos oferece o serviço pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
O trabalho desenvolvido nos postos de saúde do DF faz parte das Práticas Integrativas e Complementares (PICS) do SUS, tratamentos que utilizam recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais voltados à prevenção de diversas doenças, como depressão e hipertensão. Em alguns casos, essas terapias também podem ser usadas como paliativos no caso de algumas doenças crônicas.
Atualmente, o SUS oferece, de forma integral e gratuita, 29 procedimentos dessas modalidades à população, entre eles a imposição de mãos, prática terapêutica secular que implica esforço meditativo para a transferência de energia vital, denominada Qi prana, por meio das mãos, com o intuito de restabelecer o equilíbrio do campo energético humano, auxiliando nos processos de cura.
Os atendimentos se iniciam na atenção básica, principal porta de entrada para o SUS. De acordo com o Ministério da Saúde, evidências científicas têm mostrado os benefícios do tratamento integrado entre medicina convencional e práticas integrativas e complementares. Somam-se a essas ações um crescente número de profissionais capacitados e habilitados e também maior valorização dos conhecimentos tradicionais de onde se originam grande parte dessas ações.
As práticas integrativas e complementares não substituem o tratamento tradicional. Elas são um adicional, um complemento no tratamento, e são indicadas por profissionais específicos, conforme as necessidades de cada caso.
Além do grupo liderado por Maria Bezerra, dois outros realizam esse tipo de atendimento no Distrito Federal, sempre uma vez ao mês — no Parque Ecológico Riacho Fundo, e na UBS 3 de Taguatinga, respectivamente, na última sexta-feira e na terceira quarta-feira do mês, das 15h às 17h. Sempre gratuitos, os atendimentos são feitos por ordem de chegada. Desde 2017, quando as benzedeira deram início às suas ações por meio das PICS, cerca de 9 mil pessoas foram atendidas nas UBS 115 Norte, UBS Asa Sul e UBS Lago Norte.
Acolhimento
Segundo Maria Bezerra, a ideia é retomar as sessões aos sábados sempre em espaços abertos, como no Parque Vivencial da Asa Sul. "Atendemos todas as classes sociais, gêneros e etnias, sem distinção alguma", diz ela. Em média, cada sessão tem duração de 15 minutos, dependendo da complexidade do caso, e são realizadas em ambientes acolhedores e em contato com a natureza. "Não se trata de uma atenção privada, como ocorre em consultórios. Permitimos que a pessoa revele sua queixa, seu desconforto, para agirmos de acordo com a demanda", afirma.
Os pacientes também são orientados a consumir alimentos que curam, como chás de ervas medicinais, assim como cuidar de plantas e até mesmo andar descalço. Segundo Maria Bezerra, "nada não acessível a qualquer pessoa".
Gerente da UBS 1 do Lago Norte, Cristiane Vieira avalia positivamente a adoção das Práticas Integrativas e Complementares naquela unidade. "Essas práticas comunitárias são praticadas há milhares de anos em diversas comunidades e se perpetuam, agora, em estabelecimento de rede de apoio para os usuários, exatamente por seus benefícios, como diminuição da depressão e da ansiedade, aumento do bem estar, emagrecimento, recuperação da saúde, dentre outras benesses", enfatiza.
Além da imposição de mãos, a UBS 1 oferece, dentro do PICS, práticas de tai chi chuan, yoga, terapia comunitária, constelação familiar, fitoterapia por meio do horto medicinal, acupuntura, quiropraxia, auriculoterapia e técnica de redução de estresse, esta última inciada recentemente.
"São práticas extremamente benéficas. Temos alguns relatos marcantes, como o de um senhora portadora de obesidade que em dois meses perdeu 6 quilos no tai chi chuan, além de uma outra usuária da yoga, que usava mais de 50 unidades de insulina e passou a não precisar do medicamento, controlando valores glicêmicos com mudança de hábitos de vida. Há, ainda, o exemplo de um usuário que, depois de uma sessão de constelação familiar, abandonou o cigarro. Além desses casos emblemáticos, muitos outros são narrados diariamente, como melhora no sono, diminuição da ansiedade, controle de peso e diminuição das dores musculares", relata Cristiane.
Terapeuta em constelação familiar, Sabrina Neri, 53, abraçou a benzeção como ofício em 2017 e hoje integra a Escola de Almas Benzedeiras de Brasília, que promove as sessões na UBS 1 do Lago Norte. Natural do Espírito Santo, ela conta que a prática do benzimento a acompanha desde a mais tenra infância. "Sempre fez parte do meu universo. Antes de procurar por médicos, minha família sempre recorria às benzedeiras. As vezes, essa prática era vista como tratamento para doenças até mesmo físicas. Percebíamos, sempre, o efeito da energia", conta.
Essa memória afetiva, segundo ela, foi decisiva para que o processo se tornasse permanente em sua vida. "Comecei observando e aprendi que, com o olhar do bem, da aceitação, de desejar coisas boas, é possível levar paz e otimismo a outras pessoas. Depois da iniciação, fui submetida a uma imersão, o que despertou em mim a benzedeira que sou hoje", afirma. "É algo muito simples, muito singelo, receber o próximo, ouvi-lo, saber o que procura, o que o aflige naquele momento. Aprendi que o mal estar físico sempre é precedido do mal estar mental e emocional", revela.
Sabrina frisa que, por tradição, o trabalho das benzedeiras é sempre feito de forma voluntária. "É uma prestação de serviço baseada na oferta de amor. É um ofício que não está se perdendo. Há um resgate em curso em todo o país. As pessoas estão se reencontrando, se renovando. E as redes sociais são muito importante nesse processo", salienta.
Equilíbrio
Durante o auge da pandemia, com necessidade de isolamento, as benzedeiras da Escola de Almas de Brasília, assim como outros grupos espalhados pleo país, passaram a promover sessões on-line. No DF, segundo Sabrina, foram mais de 1.500 atendimentos realizados. "Chegou a ficar inviável. Passamos a fazer testemunhos impressos para colocar no altar, mas, mesmo à distância, as pessoas perceberam muitas mudanças", lembra.
Há 5 anos, a psicóloga e terapeuta energética Márcia Franco Custódio abraçou a causa das benzedeiras. Sempre muito religiosa, é mais uma que desde a mais tenra infância era levada pela mãe a sessões de bênçãos onde quer que estivesse. "Aprendi, desde cedo, a confiar nas orações, a perceber que elas podem ajudar em todos os momentos das nossas vidas. O benzimento é a arte de bendizer o outro. Todos podem praticar, basta ter amor e fé", sustenta.
Ela conta que são inúmeros os relatos de pessoas que, depois das benzeções, afirmam ter alcançado alguma cura ou equilíbrio em suas vidas, sobretudo emocional. "Muitas delas chegam literalmente aos cacos e saem mais leves das sessões", afirma. "Já soube de vários casos de melhora de diversas doenças emocionais e físicas. As pessoas atendidas entraram em contato para agradecer pelo atendimento", diz.
"Sintomas de refluxo e insônia entre adultos, além de crianças com sono agitado, acordando assustadas, com dificuldade para dormir, além de erisipela, dores nas juntas, na coluna, e até mesmo tristeza ou depressão, entre tantas outras coisas", completa.
Márcia diz que é regra entre as benzedeiras não recomendar, em hipótese alguma, que as pessoas que as procuram abandonem ou interrompa qualquer tipo de acompanhamento médico ou medicamento prescrito. "O benzimento é um auxílio para fortalecer o corpo e a mente, fazer com que a pessoa se sinta mais forte. Esse é o grande mote", pondera, completando que a prática não requer qualquer convicção ou credo. "Cada benzedeira tem a sua crença e sempre respeita a de quem é benzido", avisa.
A psicóloga observa, ainda, que o fator psicológico também é importante nesse contexto. "Quando a pessoa busca auxílio psicológico, de cara está quebrando barreiras de preconceito. O psicólogo tem uma escuta não punitória, que auxilia sobremaneira a minimizar as dores. Nós também temos essa escuta, traduzida na força da fé, da atenção, do abraço acolhedor", diz, lembrando que também é recorrente nesse processo as benzedeiras indicarem, em casos mais complexos, a busca de auxílios específicos, como terapia comunitária.