Por muitos anos se acreditou que não havia racismo no Brasil. O mito da democracia racial se fortaleceu na crença da sociedade miscigenada, contrapondo às experiências de Jim Crown norte-americano, e o apartheid sul-africano. Acredita-se que exisitia racismo nos EUA e África do Sul por haver a consolidação de espaços exclusivamente ocupados por brancos ou negros (Bernardino-Costa, 2021).
Confrontando radicalmente essas visões, o movimento negro brasileiro vem de múltiplas formas (por meio da religiosidade, de organizações políticas, culturais e sociais), construindo as bases históricas que evidenciaram a discriminação racial e seus impactos sobre grupos étnico-raciais desde os povos originários (indígenas), quilombolas e pessoas negras.
Os instrumentos legais como o art. 26-A da LDB, que obriga o ensino de história da África e cultura afro-brasileira e indígena, o Estatuto da Igualdade Racial, a polêmica lei de cotas (12.711/2012) são algumas dessas conquistas importantes.
Todavia, as mudanças conjunturais não conseguiram, ainda, abalar a estrutura racializada que opera no Brasil. Há um fosso que separa brancos e negros, mesmo que em algumas situações, pareça que estamos “juntos e misturados”. Procede no cotidiano, a falta de equidade no tratamento e a presença da desigualdade racial, econômica e social, ou seja, o racismo estrutural segue.
No que diz respeito ao mercado de trabalho, a diferença ainda é gritante. Por exemplo, no mercado informal, 34,4% se autodeclaram homens brancos e 46,9% mulheres brancas, em contrapartida, cerca de 46,9% dos homens negros e 47,8 das mulheres negras estão nessa mesma situação (Ibge, 2019).
Em sua análise histórica sobre a presença negra nas 500 maiores empresas do Brasil, o Instituto Ethos (2016) constatou que, além da disparidade gritante no que se refere aos cargos de executivos, 85,5% dessas empresas não possuem incentivo à contratação de funcionários negros para o quadro executivo e 84,4% não possuem incentivo para contratação de estagiários negros.
O mesmo se dá com o trabalho formal, com carteira assinada, à desigualdade racial intersecciona-se a questão de gênero. Ao analisarmos as opressões que atingem mulheres negras, que recebem cerca da metade do que um homem branco recebe (44%), muito há por ser feito.
Nesse sentido, educar a sociedade para as relações raciais é uma necessidade, que fortalece as políticas educacionais combinadas com as políticas de cotas. Além do acesso garantir a permanência, é uma forma essencial de qualificar segmentos historicamente excluídos. No âmbito do mercado de trabalho fazer funcionar a 12.990/2014, que reserva 20% de vagas para pessoas negras na administração pública, precisa ser mantida e ampliada para a iniciativa privada.
Enfim, propor e fortalecer ações e incentivos que estimulem a contratação, oferta e formação para pessoas negras é uma responsabilidade da sociedade brasileira, como forma de desalojar muito do privilégio branco, e abalar o “racismo nosso de cada dia”.
*Renísia Cristina Garcia Filice – Líder do Geppherg – Grupo de Estudos e Pesquisas em História, Educação das Relações Raciais e Gênero/Universidade de Brasília.
*Everaudo Lacerda Lopes Filho – Graduando em História/Universidade de Brasília