BRASILEIROS NO TOPO DO MUNDO

Inspirações caseiras e o valor da tecnologia

Nos Estados Unidos, Daniel Costa, co-fundador da Take Blip, pavimenta o caminho para que a startup mineira, que atua em 25 países, lance ações nas bolsas de valores norte-americanas

VICENTE NUNES Correspondente
postado em 13/11/2022 06:00 / atualizado em 13/11/2022 06:00
Daniel Costa: timing, determinação e vontade de crescer -  (crédito: Arquivo Pessoal)
Daniel Costa: timing, determinação e vontade de crescer - (crédito: Arquivo Pessoal)

Lisboa — A mãe, Bárbara, sempre foi inspiração para Daniel Costa, 50 anos, um dos fundadores da Take Blip. Ainda na adolescência dele, a costureira de mão cheia decidiu que se tornaria empreendedora. Queria ter a própria confecção de roupas. O menino via nela um exemplo de força e convicção. E não estava errado. Dona Bárbara não só abriu seu negócio, como fez dele uma referência em Belo Horizonte na produção de roupas de festas. O sucesso da mãe incutiu em Daniel a certeza de que, um dia, poderia dar os próprios passos para ter uma fonte de sustento. Antes, porém, precisava investir na educação privilegiada que os pais lhe proporcionavam e fortalecer o conhecimento que faria diferença quando o destino lhe abrisse as portas.

Aos 18 anos, o jovem, que dava expediente na empresa da mãe, passou no vestibular para duas universidades. De manhã, fazia administração de empresas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). À noite, cursava comércio exterior, na Una. O estudo, porém, foi interrompido ao ser convocado para o serviço militar. Foi lá, no Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), que Daniel conheceu Roberto Costa de Oliveira, de quem se tornaria sócio em futuros empreendimentos. A primeira parceria efetiva surgiria anos depois, com os dois já formados, quando o Brasil estava sendo apresentado ao que se tornaria um item obrigatório na vida de todos: o telefone celular.

Daniel decidiu fazer uma pós-graduação em marketing na UFMG. Ironia do destino, um dos alunos do curso era tio de Roberto, que estava prestes a se aposentar como executivo de um banco público federal. Toninho, como era chamado, fazia planos para continuar na ativa, seja em que ramo fosse. Numa das muitas conversas que tinha com o aluno e o sobrinho, ele levantou a possibilidade de os rapazes entrarem no setor da telefonia, pois a Nokia, precursora nesse mercado, se preparava para desembarcar no Brasil. A dica foi muito bem recebida. Faltava aos jovens, porém, capital para tirar o projeto do campo das ideias.

Daniel, na premiação Great Place To Work
Daniel, na premiação Great Place To Work (foto: Fotos: Arquivo Pessoal)

Confiante de que a parceria entre Daniel e Roberto renderia frutos, o professor se comprometeu com os recursos necessários para dar início ao negócio — R$ 250 mil à época. A meta era abrir, dentro do câmpus da UFMG, um quiosque para a venda dos tais telefones. Não demorou muito para que, com a Take Phone funcionando, tivessem a certeza de que estavam cravando os dois pés no futuro. "Ali ficou claro que a experiência de ter trabalhado na empresa da minha mãe — o pai, que era bancário, se juntou a ela tempos depois — foi fundamental para gerir e tocar aquele empreendimento", conta Daniel.

Três anos depois, ele e Roberto já tinham quase 10 lojas, várias delas em shoppings de Belo Horizonte. A Take Phone, que havia começado com um capital minguado, estava faturando mais de R$ 2 milhões por ano. "Dos 100 mil primeiros telefones celulares vendidos em Minas Gerais, boa parte foi adquirida por meio da nossa empresa", conta. "Pegamos todo o processo de migração do telefone fixo, que valia muito à época, para a telefonia celular. Por isso, digo que, quando a gente vê a história de grandes empreendedores, não é só a respeito da capacidade de formação das pessoas, mas, também, uma questão de timing", frisa.

Liberdade

Com funcionários, celebrando resultados
Com funcionários, celebrando resultados (foto: Arquivo Pessoal)

As ambições de Daniel e do sócio, que, antes da Take Phone, mergulharam nos negócios das respectivas famílias, eram maiores. "Queríamos a liberdade para tocar nossos próprios empreendimentos", afirma. Mas, com a vontade de crescer, vieram os desafios.

"Começamos a ter muitos funcionários, muitas lojas. E nos deparamos com a nova fase que viria, que era a da internet nos telefones. A preocupação não era mais apenas atividade de comércio, de compra, de venda, de logística. As empresas de telefonia se transformaram em grandes agentes de transformação tecnológica. E nos apaixonamos por isso", acrescenta.

Seguir na direção daquela revolução tornou-se obrigatório. "Começou-se a falar de uma coisa que não era óbvia: os telefones não seriam mais só um dispositivo para conversas. Víamos o nascimento da internet móvel. Vieram as câmaras fotográficas, o alarme, as músicas nos telefones (ringtones)", relembra. Da mesma forma que Daniel e o sócio se encantavam, as grandes redes de varejo perceberam o tamanho do potencial que tinham para explorar. Sem musculatura para enfrentar a maiúscula concorrência, a Take Phone ficou à deriva. O problema se agigantou porque, no mesmo período, os rapazes decidiram abrir duas empresas, uma delas, de manutenção da Nokia — "chegamos a ser um dos players desse segmento".

Durante participação no Great Place to Work
Durante participação no Great Place to Work (foto: Arquivo Pessoal)

"Os negócios, porém, passaram a consumir muito capital. E começamos a ter um insucesso muito grande. Passamos a enfrentar todos os problemas pelos quais muitos empreendedores passam. Ficamos dependentes de bancos, caímos na ciranda financeira, com um passivo muito alto", detalha Daniel. Ao mesmo tempo, ele e o sócio viam uma oportunidade enorme via tecnologia, pois tinham ativos importantes para empreender: o timing do telefone celular, o relacionamento com a Nokia e o entendimento de como o consumidor via a nova onda. Ou seja, a Take Phone estava quebrada, mas o conhecimento era muito, num mercado pujante.

Nesse contexto, prevaleceu a ousadia de virar o jogo. "Vimos que nem os fabricantes nem as operadoras de telefonia tinham o componente que estava faltando: o de como usar a estrutura tecnológica dos telefones. Criamos, então, um software, uma plataforma, que conectava várias peças tecnológicas e permitia a entrega de serviços para o cliente final, que, à época, era via SMS", explica. "Fizemos, no entanto, algo ainda mais inovador: transformamos o pedido de música, que no mundo inteiro era feito por meio de código, em uma conversa", emenda. "Hoje, parece uma coisa simples, mas, naquele momento, foi uma revolução."

Internacionalização

No evento "Chatbots Meeting", em 2016
No evento "Chatbots Meeting", em 2016 (foto: Arquivo Pessoal)

Para seguir no novo caminho, Daniel e o sócio tiveram de fechar as empresas deficitárias, apostando todas as fichas na nova plataforma. O entusiasmo só não era maior porque ainda havia um passivo financeiro grande a ser superado. Mas nasceu a Take Net, especializada em serviços de alto valor agregado para as operadoras de telefonia — um componente de tecnologia e um componente de conteúdo. "Para fazer as músicas de celular, nós tínhamos a tecnologia, a nossa própria plataforma, e recorremos a ferramentas inovadoras para produzir as canções. Tínhamos vários diferenciais, isso antes da consolidação do setor de telefonia. Chegamos a ter o monopólio desse mercado no Brasil", diz.

A Take Net — depois, Take Blip — passou a ser vista como uma empresa de tecnologia focada em telefonia celular, o que foi um sucesso no mundo inteiro antes dos apps. Chegar a esse estágio, contudo, exigiu muito controle emocional e, segundo Daniel, fé. "Tínhamos muita pressão financeira, de credores. Felizmente, tivemos resiliência e estruturas construídas em famílias de vencedores, de pais empreendedores, que vieram do nada e nos motivavam", acredita. Não só. "Cometemos muitos erros, especialmente de gestão, mas aprendemos com eles, em administrar pessoas, nas questões contábeis, no fluxo de caixa, em logística, em talentos, em planejamento, no entendimento de variáveis macroeconômicas, em aprender a lidar com grandes empresas, pois, como pequenos, estamos em situação mais fragilizada", relata.

Daniel palestra no "Chatbots Meeting"
Daniel palestra no "Chatbots Meeting" (foto: Arquivo Pessoal)

Daniel tem certeza de que todos erros e acertos das empresas que não floresceram são o combustível para o sucesso da Take Blip, da qual ele é presidente do Conselho de Administração. Consolidada, a startup já levantou mais de US$ 170 milhões com investidores de primeira linha, liderados pelo Warburg. "Mas foi a nossa história lá no começo que nos trouxe até aqui. Falhamos, falhamos grande e não foi nada barato emocionalmente e financeiramente. O importante é que, durante toda a nossa história, a nossa rota, fomos corrigindo das falhas e consolidando nossa reputação", afirma ele, que está nos Estados Unidos tocando o processo de internacionalização dos negócios.

A Take Blip está em 25 países. No total, são 3 mil clientes, sendo que, das 500 maiores empresas do Brasil, 300 usufruem das inovações entregues pela startup. "Nosso maior desafio hoje, com tudo o que aprendemos, é estar à frente da tecnologia, como a gente já está. Somos parceiros das maiores empresas de tecnologia do mundo, como a Meta, dona do Facebook e do WhatsApp", destaca. "Também temos de aproveitar esses canais tradicionais e as redes sociais para fazer a conexão entre pessoas e marcas. Qualquer empresa do mundo pode ser nossa cliente, de qualquer tamanho", acrescenta.

Geração de riqueza

Planos estruturados, a Take Blip pretende fechar contratos a partir do exterior. "Temos de criar raízes nos Estados Unidos, em Portugal e Espanha e na América Latina, começando pelo México", explica. O objetivo é estar mais próximo fisicamente dos seus principais aliados tecnológicos, que são Google, Apple e Meta. "A intenção é replicar o mesmo sucesso que temos no Brasil com o WhatsApp nos EUA, além de continuar o processo de aquisição de empresas, como ocorreu com a Stilingue, que usa inteligência artificial no social listening e nos permitiu ter um entendimento melhor das redes sociais, um complemento para os nossos serviços", assinala Daniel.

Publicação no jornal Planeta Digital (1999)
Publicação no jornal Planeta Digital (1999) (foto: Arquivo Pessoal)

O executivo vê, ainda, oportunidades em mecanismos de pagamentos dentro das redes de conversas. "As pessoas, por exemplo, não precisarão mais sair do WhatsApp para pagar alguma coisa", lista. Planos à parte, Daniel reconhece que empreender não é um fato trivial. "Fazer gestão de pessoas e de culturas é muito complexo. Saímos de 145 pessoas para 1.800. Isso nos fez aprender novas habilidades. Crescimento acelerado de um negócio tem a ver com a capacidade do empreendedor de conhecimento, inclusive do mercado financeiro. É preciso um relacionamento muito bom com os investidores, entender o que é governança nas relações com as pessoas e com a burocracia", frisa.

Todo esse processo decorre do desejo de Daniel e de seu sócio de lançar ações da Take Blip nas bolsas de valores dos Estados Unidos. "Já tive reuniões na Bolsa de Nova York (Nyse) e na Nasdaq. Portanto, temos de estar preparados para estarmos listados nesses mercados, o que aumentará o nível de complexidade da nossa governança. O mercado do mundo inteiro, incluindo os grandes bancos, já está nos conhecendo", conta. Outro desafio é criar uma comunidade de desenvolvedores em cima da plataforma da startup. "Vamos sair de uma empresa de tecnologia para criar um ecossistema", enfatiza. Tudo, é claro, sempre colocando à frente os valores das pessoas, reconhecendo, como empreendedores, o papel de incentivo para mostrar que é possível ter sucesso, criar empregos e contribuir com a geração de riqueza.

 

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