RECONHECIMENTO

Mulheres brasileiras extraordinárias brilham na ONU

Brasileiras conquistam metade dos prêmios da Rise and Raise Others, promovido pela ONU, que reconhece o trabalho de pesquisadoras proeminentes em diferentes áreas por suas atuações e empoderamento feminino que auxiliam e estimulam cidadãs de todo o planeta

Jáder Rezende
postado em 20/11/2022 06:00 / atualizado em 20/11/2022 06:00
A farmacologista Regina Pekelmann Markus, pioneira na participação feminina em laboratórios científicos do Brasil e do exterior, venceu na categoria Saúde e Bem-Estar -  (crédito: Arquivo pessoal)
A farmacologista Regina Pekelmann Markus, pioneira na participação feminina em laboratórios científicos do Brasil e do exterior, venceu na categoria Saúde e Bem-Estar - (crédito: Arquivo pessoal)

Quatro brasileiras foram destaque na Organização das Nações Unidas (ONU) durante a premiação anual Rise and Raise Others (Uma Sobe e Puxa Outras, em tradução livre), concedida a mulheres fora de série que se dedicam a empoderar outras, garantindo nada menos metade dos prêmios. A escolha foi pautada nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) estabelecidos pelas ONU.

As laureadas do Brasil foram Carmela Brost, na categoria Educação de Qualidade, Marienne Coutinho (Igualdade de Gênero), Carolina Videira (Redução de Desigualdade) e Regina Markus (Saúde e Bem-Estar).

A escolha dos nomes foi feita por um júri formado por mulheres de vários países, de carreira consolidada, e por votação popular, que elegeram as mais notáveis de países como Alemanha, Bahrein, Brasil, Estados Unidos, Hong Kong, Índia, Indonésia, Islândia, Myanmar, Nepal, Nigéria, Polônia e Reino Unido. Pelo critério de indicação, foram selecionadas mulheres que, incansavelmente, compartilham ações em prol de suas iguais.

Ao todo, foram quatro indicadas em oito categorias. Nesta edição, além das categorias que contemplaram as brasileiras, foram escolhidas as modalidades “Paz, justiça e instituições eficazes”, “Erradicação da pobreza”, “Ação contra a mudança global do clima” e “Indústria, inovação e infraestrutura”.

Os nomes das vencedoras foram revelados em 26 de outubro, durante a conferência Makers 2022, em Dana Point, na Califórnia. O evento é considerado um dos mais importantes acerca do empoderamento feminino da atualidade.

Saúde e Bem-Estar

Professora emérita do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a farmacologista Regina Pekelmann Markus, pioneira na participação feminina em laboratórios científicos do Brasil e do exterior, venceu na categoria “Saúde e Bem-Estar”, por sua trajetória em trabalhos com potencial de gerar impacto significativo em transplante de medula óssea, câncer, Alzheimer e doenças inflamatórias e respiratórias.

“Temos tido grande êxito no campo da ciência básica. E a visibilidade dada pelo prêmio abriu uma grande oportunidade para realizarmos o sonho de gerar protocolos que possam melhorar os procedimentos de prevenção e tratamento”, diz a paulistana, destacando que a complexidade do sistema biológico acaba se tornando um campo muito fértil para debate com jovens que pretendem seguir na área e buscar de novas fronteiras. “Tenho promovido atividades que reúnem não apenas profissionais das áreas de biologia, saúde e, muitas vezes, agro, mas também transportar a linguagem para áreas econômicas. As conversas cruzadas são as que permitem encontrar novas pistas.”

Para ela, a premiação da ONU foi uma importante marca em sua carreira. “Sabia exatamente a data que a premiação seria divulgado e, naquele exato momento, estava no Anfiteatro da Biblioteca José Mindlin da USP recebendo, junto com outros 8 professores do Instituto de Biociências, o título de Professora Emérita. Um pouquinho antes de ser chamada para proferir o meu agradecimento pipoca no celular que eu era a vencedora na área de Saúde e Bem Estar. Respirei com ritmo, deixando o ar fluir nos pulmões. Apertei as mãos para estimular o parassimpático e reduzir a frequência cardíaca, e subi ao palco. E foi assim, frente a colaboradores e alunos, repassando toda a minha vida profissional, que pensava o que seria a nova aventura”, relata.

Ela conta ter percebido, em poucos dias, que o prêmio servirá para abrir muitas portas, como a possibilidade de criar um empreendimento voltado a transformar conhecimento em protocolos que possam embasar terapêuticas com medicamentos existentes ou, ainda, gerar novos produtos.

“Em nossas pesquisas mostramos que cadeias de eventos são alteradas ao longo de uma resposta de defesa. Um exemplo muito simples é não colocar gelo após uma batida. Ter inchaço, vermelhidão e dor fazem parte da primeira defesa. O gelo impede que as células de defesa cheguem ao local”, afirma., revelando haver manobras para tirar a dor, assim como horas apropriadas para diminuir a chegada de células.

“Um exemplo complexo é a terapia na hora certa e sempre com vários medicamentos, cada um destinado a alterar um passo na cadeia de eventos que queremos eliminar. Atingir apenas um alvo implica em dar uma dose mais alta do que formas atingir muitos alvos. Assim, os efeitos colaterais vão ser reduzidos. Em muitos casos, temos os conhecimentos teóricos e até os experimentais básicos", diz, adiantando que na próxima etapa das pesquisas a meta é testar protocolos que possam ser transferidos para práticas clínicas.

Educação de Qualidade

Carmela Brost: transformação pela educação e pela tecnologia
Carmela Brost: transformação pela educação e pela tecnologia (foto: Divulgação)

Ativista pela causa de transformar vidas por meio da tecnologia e da educação, atuando como conselheira em várias ONGs, a paulistana Carmela Borst, CEO, sócia-fundadora e idealizadora da edtech SoulCode Academy, foi vencedora na categoria “Educação de Qualidade”, por seu trabalho de empreendedorismo social que leva educação digital a favelas e periferias, garantindo oportunidade a mulheres e homens no mercado de trabalho.

Ela vê no prêmio da ONU uma grande conquista para o Brasil e as mulheres que atuam para gerar impacto real na vida de outras mulheres. “É um reconhecimento internacional importante, que traz projeção e fortalece nossa missão e propósito do nosso negócio. Este reconhecimento gera oportunidades e abre portas que serão fundamentais para seguirmos neste ciclo de transformação pela educação e pela tecnologia, que é o que faço como mulher e executiva à frente da SoulCode”, comenta Carmela.

Para além dos negócios, hoje a SoulCode é referência em geração de empregos e renda para muitas pessoas em situação de vulnerabilidade social e digital; boa parte delas mulheres, quando não só mulheres, mulheres e negras. “É gratificante abrir portas para levar oportunidade e educação tecnológica para a diversidade em seu sentido mais amplo, amplificar a minha voz para todas as mulheres para que elas, definitivamente, entendam que lugar de mulher é onde ela quiser”, diz, destacando haver milhares e oportunidades no universo da tecnologia.

“Para isso, precisamos trabalhar na educação essa cauda longa, começar com o letramento digital e fazer com que os vulneráveis sociais possam ter oportunidade de aprender uma profissão que vai levá-los a uma geração de renda, a uma transformação social. Temos hoje os vulneráveis digitais desempregados, pessoas que já se formaram mas que as suas profissões não são digitais”, diz.

Igualdade de Gênero

Marienne: fomento à diversidade racial e de gênero
Marienne: fomento à diversidade racial e de gênero (foto: Divulgação)

A paulistana Marienne Coutinho, da consultoria KPMG Brasil, foi a vencedora na categoria “Igualdade de Gênero”. Dona de uma carreira pautada por iniciativas e projetos de fomento à diversidade racial e de gênero em conselhos de administração de grandes empresas, a advogada é responsável pela criação do Know (KPMG’s Network of Women), rede de executivas C-level do mercado e conselheira da Women Corporate Directors. Além disso, foi celebrada pela fundação, durante a pandemia, do Programa Conselheira101, com outras mulheres, para fomentar a diversidade racial nos conselhos de administração.

“Essa premiação foi muito importante, pois reconhece um trabalho que já faço há cerca de 16 anos, de forma consistente, em diferentes projetos, paralelamente à minha atividade de consultoria tributária — por muitos anos na área de tributação internacional e, mais recentemente em inovação e transformação digital”, disse, pontuando que, acima de tudo, o prêmio da ONU reconhece o trabalho de muitas outras pessoas que se engajam na causa da inclusão e diversidade. “Esse é um trabalho coletivo de inúmeras pessoas que acreditam que a diversidade é importante e benéfica para os negócios e para a sociedade que queremos”, completa.

Para ela, as pautas de inclusão e diversidade são de extrema importância em todas as esferas, sobretudo na esfera pública. “Acredito que políticas públicas têm o poder de amplificar o debate e engajamento e produzir resultados mais consistentes e relevantes, principalmente pelo tamanho, complexidade e dimensão do nosso país”, frisa.

Juntamente com outros profissionais, Marienne desenvolve um programa de mentoria para executivas que queiram atuar em conselhos para aumentar o engajamento dos homens e visibilidade da causa. A sexta turma termina o programa no final de 2022 e as inscrições para a sétima turma já estão abertas.

Redução de Desigualdade

Carol Videira: empatia e educação inclusiva para todos
Carol Videira: empatia e educação inclusiva para todos (foto: Divulgação)

A fisioterapeuta e especialista em neurociência Carol Videira sagrou-se campeã na categoria “Redução de Desigualdade”. A premiação celebra o trabalho da belo-horizontina na liderança da ONG Turma do Jiló, criada em 2015 para ser um agente transformador e atuar com metodologia transdisciplinar visando remover todas as barreiras para a inclusão e o aprendizado. O nome da ONG veio do apelido do filho “João Jiló”, que aos 3 anos foi diagnosticado com uma síndrome que limitava seus movimentos. Foi a grande motivação para a sua grande luta: que nenhuma criança ou pessoa fique para trás nos processos de aprendizado.

“Promovemos a educação inclusiva com propósito de incluir as pessoas com deficiência na sociedade, começando pela escola”, diz Carol, frisando que não basta apenas inserir as pessoas com deficiência. É preciso, afirma ela, criar toda a estrutura necessária, muito além da acessibilidade, e envolver toda a comunidade escolar para que as pessoas com deficiência desenvolvam sua autonomia e sejam capazes de levar uma vida absolutamente normal.

Ela observa que o desenvolvimento qualitativo envolve apoio às famílias, a empatia dos alunos sem deficiência e capacitação de professores para lidar com a diversidade, complementando as lacunas da sua formação profissional.

“Pensando sempre nesse olhar completo da educação inclusiva. Já passamos por diversas escolas públicas e empresas do país levando metodologias de inclusão, impactando mais de 10 mil alunos e famílias, mil professores e mais de 25 mil colaboradores e parceiros corporativos de diferentes segmentos de mercado.”

Para ela, receber o prêmio da ONU Mulheres foi uma mistura de alegria e surpresa, sobretudo na categoria em que sempre atuou.

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