Especialista em medicina de família e comunidade e mestre em saúde coletiva, Carmem De Simoni foi responsável pela institucionalização das Práticas Integrativas e Complementares (PICS) no Sistema Único de Saúde. As ações utilizam racionalidades médicas e recursos terapêuticos não convencionais na busca da promoção da saúde, prevenção de doenças e na recuperação da saúde, enfatizando a escuta acolhedora e a integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade. Em entrevista ao correio, a médica sanitarista fala sobre o início do processo de formulação da política nacional, sua importância e a continuidade da proposta.
Como foi iniciado o processo de formulação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, o PNPIC?
Em 1999, o SUS já dispunha, de maneira discreta, de códigos para identificação de consultas médicas em homeopatia e em acupuntura. Mas foi somente em 2003 que as sociedades médicas voltadas ao tema se juntaram e foram pedir ao então presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao seu ministro da saúde que, enfim, formulassem uma política nacional para o tema.
Como se deu a formação de grupo de trabalho para que o processo fosse viabilizado?
Dada a diversidade das racionalidades a serem incluídas no Sistema Único de Saúde foram formados, à época, quatro grupos de trabalho: Medicina Tradicional Chinesa, Homeopatia, Medicina Antroposófica e o de Plantas Medicinais e Fitoterapia
A inclusão de plantas medicinais nesse processo foi decisiva?
A inclusão das plantas ao processo foi orgânica. O grupo de trabalho Plantas Medicinais já existia por demandas anteriores. Como o tema envolve diversas áreas do conhecimento que extrapolam a saúde, tivemos a constituição de um grupo específico para as demandas da saúde voltadas ao uso de plantas medicinais e fitoterapia no SUS. É preciso deixar claro que, nessa fase inicial, havia critérios para inclusão de modalidades na política nacional de práticas integrativas. E esse critério foi o grande avanço, quando houve a definição de um conceito Brasil do que seriam as Medicinas Complementares e Alternativas, que no nosso país adotou o nome de Práticas Integrativas e Complementares.
Esse critério foi importante?
Foi extremamente relevante na fase inicial da formulação da PNPIC. O conceito Práticas Integrativas e Complementares se refere, inicialmente, às racionalidades médicas e seus e recursos terapêuticos, baseadas em estudos da professora Dra. Madel Terezinha Luz, aliado a serem práticas amparadas pelos conselhos de profissionais da área da saúde e certificados com a especialização para tal. Então, esses critérios combinados nos apoiaram para essa inclusão. À época, foi muito importante por se tratar de um campo bastante vasto, com demandas bastante específicas.
Como foram conduzidas as ações nos saberes populares?
Principalmente no vínculo com o uso de plantas medicinais, posto que fototerápicos são medicamentos prescritos apenas por profissionais de saúde. No início, logo entendemos que não deveríamos, pela falta de legislação e sob o risco de comprometer o que já acontecia no país, incluirmos as questões do conhecimento tradicional e do saber popular, que compõem conjunto de práticas distintas. Foram identificadas lacunas de legislação sobre o tema das plantas medicinais voltadas para a área da saúde e o trabalho nessa primeira fase da PNPIC foi o de proporcionar um ingresso seguro do uso de plantas medicinais e fitoterápicos no SUS por meio de legislações específicas, o que culminou com a edição própria da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos também em 2006.
Qual a importância dessas ações enquanto política pública?
Ele se tornou absolutamente relevante por ser uma política que veio a atender os princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde e aos anseios da comunidade expressos nas diversas conferências nacionais de saúde. Atende à universalidade, ampliando acesso a práticas restritas apenas a áreas privadas. Vem com o princípio da integralidade, que é olhar para o indivíduo de forma ampla e completa, com o princípio da equidade, que é tratar os diferentes com diferença, para promover a justiça social. A PNPIC, pela característica de suas práticas, tem uma forma diferente de olhar o indivíduo, o mundo. Tem forte ligação com a sociedade e com o meio ambiente. Então, é uma política que envolve, ainda, a promoção da saúde, o bem-estar das pessoas. É uma política que tem 16 anos de vida e se difunde e amplia pelo país sem nenhum recurso indutor para suas ações por parte do Ministério da Saúde. Esse é um dos grandes gargalos da PNPIC.
Como você avalia a continuidade da proposta?
Muitas coisas aconteceram para o fortalecimento da PNPIC, como a criação do Consórcio Acadêmico, a criação do mapa de evidências disponível na Biblioteca Virtual da Saúde, dos vários laboratórios de pesquisa espalhados no país sobre o tema das Práticas Integrativas e Complementares, e ainda do Observa PICS, vinculado à Fiocruz, e a criação da Rede PICS Brasil, que reúne um conjunto de atores sociais envolvidos com o campo das PICS, entre outros fatores. Porém, não vejo como evolução a inclusão de outras práticas, que elevou, hoje, ao conjunto de 29 modalidades, onde muitas das quais não se enquadram no conceito inicial.
E o processo de imposição de mãos?
Imposição de mãos, toque terapêutico e reiki são três modalidades que trabalham com a mesma coisa. São terapias energéticas para o restabelecimento da saúde. Essas foram incluídas recentemente na PNPIC.
E quanto à presença de benzedeiras em Unidades Básicas de Saúde?
Elas não estão somente no Distrito Federal. Essa é uma iniciativa que ocorre também em outras partes do país, como em Fortaleza, por exemplo. As benzedeiras trabalham com plantas medicinais e com outros elementos da natureza para promoverem curas energéticas. Elas estão no campo, principalmente, do saber popular. Essa prática foi muito fortalecida e resgatada. Faz uma interface com a Educação Popular em Saúde.