Mãos que curam

Benzedeiras cumprem importante papel na saúde pública

Com o dom da bênção, grupo de mulheres auxilia no tratamento de saúde em trabalho voluntário que incorpora as Práticas Integrativas e Complementares do SUS. Ações são baseadas em conhecimentos tradicionais

Jáder Rezende
postado em 06/11/2022 06:00 / atualizado em 06/11/2022 06:00
Usuários do SUS recorrem cada vez mais ao auxílio de curandeiras, que atuam em trabalho voluntário por meio das Práticas Integrativas e Complementares. Os recursos terapêuticos são baseados em conhecimentos tradicionais -  (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
Usuários do SUS recorrem cada vez mais ao auxílio de curandeiras, que atuam em trabalho voluntário por meio das Práticas Integrativas e Complementares. Os recursos terapêuticos são baseados em conhecimentos tradicionais - (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Sálvia, manjericão, arruda, mirra, água boa de moringa e muita reza. Esses são os principais ingredientes para ajudar no equilíbrio do corpo e da mente oferecidos pelas benzedeiras do SUS. Depois de dois anos promovendo atendimento on-line, um grupo de mulheres com o dom da bênção retomou os atendimentos presenciais na Unidade Básica de Saúde 1 do Lago Norte, sempre na última sexta-feira do mês.

Elas prometem amenizar e até mesmo curar todo tipo de moléstia, de "carne quebrada a osso rangido, nervo torto a veia magoada", mas é preciso, sobretudo, ter muita esperança de que o melhor está por vir. "Acima de tudo, a pessoa tem que ter fé, coração aberto. Sem convicção não há ressonância para todas as possibilidades, fica uma via de mão única", afirma a guardiã da Escola de Almas Benzedeiras de Brasília, Maria Bezerra, que há seis anos oferece o serviço pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O trabalho desenvolvido nos postos de saúde do DF faz parte das Práticas Integrativas e Complementares (PICS) do SUS, tratamentos que utilizam recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais voltados à prevenção de diversas doenças, como depressão e hipertensão. Em alguns casos, essas terapias também podem ser usadas como paliativos no caso de algumas doenças crônicas.

 Benzedeira finaliza preparativos para atender pacientes na UBS 1 do Lago Norte
Benzedeira finaliza preparativos para atender pacientes na UBS 1 do Lago Norte (foto: Fotos: Ed Alves/CB/D.A.Press)

Atualmente, o SUS oferece, de forma integral e gratuita, 29 procedimentos dessas modalidades à população, entre eles a imposição de mãos, prática terapêutica secular que implica esforço meditativo para a transferência de energia vital, denominada Qi prana, por meio das mãos, com o intuito de restabelecer o equilíbrio do campo energético humano, auxiliando nos processos de cura.

Os atendimentos se iniciam na atenção básica, principal porta de entrada para o SUS. De acordo com o Ministério da Saúde, evidências científicas têm mostrado os benefícios do tratamento integrado entre medicina convencional e práticas integrativas e complementares. Somam-se a essas ações um crescente número de profissionais capacitados e habilitados e também maior valorização dos conhecimentos tradicionais de onde se originam grande parte dessas ações.

As práticas integrativas e complementares não substituem o tratamento tradicional. Elas são um adicional, um complemento no tratamento, e são indicadas por profissionais específicos, conforme as necessidades de cada caso.

Além do grupo liderado por Maria Bezerra, dois outros realizam esse tipo de atendimento no Distrito Federal, sempre uma vez ao mês — no Parque Ecológico Riacho Fundo, e na UBS 3 de Taguatinga, respectivamente, na última sexta-feira e na terceira quarta-feira do mês, das 15h às 17h. Sempre gratuitos, os atendimentos são feitos por ordem de chegada. Desde 2017, quando as benzedeira deram início às suas ações por meio das PICS, cerca de 9 mil pessoas foram atendidas nas UBS 115 Norte, UBS Asa Sul e UBS Lago Norte.

Acolhimento

Maria Bezerra: "Acima de tudo, a pessoa tem que ter fé e coração aberto"
Maria Bezerra: "Acima de tudo, a pessoa tem que ter fé e coração aberto" (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

Segundo Maria Bezerra, a ideia é retomar as sessões aos sábados sempre em espaços abertos, como no Parque Vivencial da Asa Sul. "Atendemos todas as classes sociais, gêneros e etnias, sem distinção alguma", diz ela. Em média, cada sessão tem duração de 15 minutos, dependendo da complexidade do caso, e são realizadas em ambientes acolhedores e em contato com a natureza. "Não se trata de uma atenção privada, como ocorre em consultórios. Permitimos que a pessoa revele sua queixa, seu desconforto, para agirmos de acordo com a demanda", afirma.

Os pacientes também são orientados a consumir alimentos que curam, como chás de ervas medicinais, assim como cuidar de plantas e até mesmo andar descalço. Segundo Maria Bezerra, "nada não acessível a qualquer pessoa". 

Gerente da UBS 1 do Lago Norte, Cristiane Vieira avalia positivamente a adoção das Práticas Integrativas e Complementares naquela unidade. "Essas práticas comunitárias são praticadas há milhares de anos em diversas comunidades e se perpetuam, agora, em estabelecimento de rede de apoio para os usuários, exatamente por seus benefícios, como diminuição da depressão e da ansiedade, aumento do bem estar, emagrecimento, recuperação da saúde, dentre outras benesses", enfatiza.

Além da imposição de mãos, a UBS 1 oferece, dentro do PICS, práticas de tai chi chuan, yoga, terapia comunitária, constelação familiar, fitoterapia por meio do horto medicinal, acupuntura, quiropraxia, auriculoterapia e técnica de redução de estresse, esta última inciada recentemente.

Costura: benzedeira atende paciente com problema nas articulações
Costura: benzedeira atende paciente com problema nas articulações (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

"São práticas extremamente benéficas. Temos alguns relatos marcantes, como o de um senhora portadora de obesidade que em dois meses perdeu 6 quilos no tai chi chuan, além de uma outra usuária da yoga, que usava mais de 50 unidades de insulina e passou a não precisar do medicamento, controlando valores glicêmicos com mudança de hábitos de vida. Há, ainda, o exemplo de um usuário que, depois de uma sessão de constelação familiar, abandonou o cigarro. Além desses casos emblemáticos, muitos outros são narrados diariamente, como melhora no sono, diminuição da ansiedade, controle de peso e diminuição das dores musculares", relata Cristiane.

Terapeuta em constelação familiar, Sabrina Neri, 53, abraçou a benzeção como ofício em 2017 e hoje integra a Escola de Almas Benzedeiras de Brasília, que promove as sessões na UBS 1 do Lago Norte. Natural do Espírito Santo, ela conta que a prática do benzimento a acompanha desde a mais tenra infância. "Sempre fez parte do meu universo. Antes de procurar por médicos, minha família sempre recorria às benzedeiras. As vezes, essa prática era vista como tratamento para doenças até mesmo físicas. Percebíamos, sempre, o efeito da energia", conta.

Essa memória afetiva, segundo ela, foi decisiva para que o processo se tornasse permanente em sua vida. "Comecei observando e aprendi que, com o olhar do bem, da aceitação, de desejar coisas boas, é possível levar paz e otimismo a outras pessoas. Depois da iniciação, fui submetida a uma imersão, o que despertou em mim a benzedeira que sou hoje", afirma. "É algo muito simples, muito singelo, receber o próximo, ouvi-lo, saber o que procura, o que o aflige naquele momento. Aprendi que o mal estar físico sempre é precedido do mal estar mental e emocional", revela.

Sabrina frisa que, por tradição, o trabalho das benzedeiras é sempre feito de forma voluntária. "É uma prestação de serviço baseada na oferta de amor. É um ofício que não está se perdendo. Há um resgate em curso em todo o país. As pessoas estão se reencontrando, se renovando. E as redes sociais são muito importante nesse processo", salienta.

Equilíbrio

Márcia Franco: "O benzimento é um auxílio para fortalecer o corpo e a mente"
Márcia Franco: "O benzimento é um auxílio para fortalecer o corpo e a mente" (foto: Arquivo pessoal)

Durante o auge da pandemia, com necessidade de isolamento, as benzedeiras da Escola de Almas de Brasília, assim como outros grupos espalhados pleo país, passaram a promover sessões on-line. No DF, segundo Sabrina, foram mais de 1.500 atendimentos realizados. "Chegou a ficar inviável. Passamos a fazer testemunhos impressos para colocar no altar, mas, mesmo à distância, as pessoas perceberam muitas mudanças", lembra.

Há 5 anos, a psicóloga e terapeuta energética Márcia Franco Custódio abraçou a causa das benzedeiras. Sempre muito religiosa, é mais uma que desde a mais tenra infância era levada pela mãe a sessões de bênçãos onde quer que estivesse. "Aprendi, desde cedo, a confiar nas orações, a perceber que elas podem ajudar em todos os momentos das nossas vidas. O benzimento é a arte de bendizer o outro. Todos podem praticar, basta ter amor e fé", sustenta.

Ela conta que são inúmeros os relatos de pessoas que, depois das benzeções, afirmam ter alcançado alguma cura ou equilíbrio em suas vidas, sobretudo emocional. "Muitas delas chegam literalmente aos cacos e saem mais leves das sessões", afirma. "Já soube de vários casos de melhora de diversas doenças emocionais e físicas. As pessoas atendidas entraram em contato para agradecer pelo atendimento", diz.

"Sintomas de refluxo e insônia entre adultos, além de crianças com sono agitado, acordando assustadas, com dificuldade para dormir, além de erisipela, dores nas juntas, na coluna, e até mesmo tristeza ou depressão, entre tantas outras coisas", completa.

Márcia diz que é regra entre as benzedeiras não recomendar, em hipótese alguma, que as pessoas que as procuram abandonem ou interrompa qualquer tipo de acompanhamento médico ou medicamento prescrito. "O benzimento é um auxílio para fortalecer o corpo e a mente, fazer com que a pessoa se sinta mais forte. Esse é o grande mote", pondera, completando que a prática não requer qualquer convicção ou credo. "Cada benzedeira tem a sua crença e sempre respeita a de quem é benzido", avisa.

A psicóloga observa, ainda, que o fator psicológico também é importante nesse contexto. "Quando a pessoa busca auxílio psicológico, de cara está quebrando barreiras de preconceito. O psicólogo tem uma escuta não punitória, que auxilia sobremaneira a minimizar as dores. Nós também temos essa escuta, traduzida na força da fé, da atenção, do abraço acolhedor", diz, lembrando que também é recorrente nesse processo as benzedeiras indicarem, em casos mais complexos, a busca de auxílios específicos, como terapia comunitária.

 

Tradição, esperança e alívio para o corpo e a alma

 (crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press)
crédito: ED ALVES/CB/D.A.Press

Aline e a filha Lara: "Acredito no resgate das práticas integrativas. A saúde física está atrelada à saúde mental e espiritual"

No início das tardes da última sexta-feira de cada mês, a rotina da Unidade Básica de Saúde 1 do Lago Norte se altera radicalmente. Ao invés de pacientes em busca de atendimento ambulatorial, medicamentos ou vacinas, pessoas das mais diferentes classes sociais chegam, aos poucos, para participar das sessões mensais promovidas pelas benzedeiras da Escola de Almas. As sessões começam com uma roda de orações de senhoras distintas, evocando energias dos antepassados, apelando por uma conexão de amor, fraternidade, solidariedade e compaixão. Em seguida, pedem que o silêncio seja mantido até a hora do benzimento e cada um dos presentes é chamado por ordem de chegada.

Benzedeiras fazem roda de oração antes do início dos trabalhos
Benzedeiras fazem roda de oração antes do início dos trabalhos (foto: Ed Alves/CB/D.A.Press)

A servidora pública Aline Roque, 41, que mora em Taguatinga, afirma que contava nos dedos os dias para visitar as benzedeiras na UBS do Lago Norte. Ela levou a filha Lara, de 9 anos, com diagnóstico de cisto no joelho. "Ela sente dores há dois meses. Acredito na importância desse resgate histórico de práticas integrativas de saúde, ainda pouco difundidas e conhecidas. Mais ainda que a saúde física está diretamente trelada à saúde mental e espiritual", diz Aline, que também procura atendimento alternativo na UBS 5 de Taguatinga, onde pratica tai chi chuan.

Bárbara Freitas e o filho Victor: "Atração de energia positiva"
Bárbara Freitas e o filho Victor: "Atração de energia positiva" (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

Mantendo tradição de família, a bancária Bárbara Freitas, 43 anos, levou o filho Victor, de 11 meses, para uma sessão de benzeção na UBS 1 do Lago Norte, depois de muita procura pelo serviço na internet. "Vim por nós dois. Não temos problemas específicos de saúde, muito menos graves, mas acredito, com todas as forças, que essas bênçãos atraem muita energia positiva para mim e também para meus filhos", afirma.

Para ela, o ambiente tranquilo e acolhedor do centro de saúde é mais que propício para os encontros. "De cara, senti que aqui tem muita paz. Além disso, as benzedeiras inspiram total confiança e empatia. Certamente vou retornar mais vezes", diz. Naquela unidade de saúde, os atendimentos das benzedeiras são feitos em uma área coberta, cercada de árvores, onde pequenos micos da espécie sagui chegam em bando para observar os visitantes.

Augusta Piloto da Silva: fé para restabelecer a saúde plena
Augusta Piloto da Silva: fé para restabelecer a saúde plena (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

A assistente social aposentada Augusta Piloto da Silva, 68, também compareceu à sessão, também pela primeira vez, na última sexta-feira de agosto. Foi em busca de alento para a insônia e depressão. Depois da sessão, contou que a experiência superou todas as suas expectativas. "Me sento bem melhor, mais leve, Foi uma experiência muito boa. Nunca tinha visto nada igual. Agora vou seguir os conselhos, ter fé e sempre pensar no melhor para restabelecer minha saúde plena."

Caroline e o filho Miguel: "Doenças ultrapassam o plano físico"
Caroline e o filho Miguel: "Doenças ultrapassam o plano físico" (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

Levando no braço o filho Miguel, de 4 meses, adotado com 1 mês e meio de vida, Caroline Reigada, 36, revelou que sua maior expectativa era dar um basta nas rotinas de internação do bebê. Segundo ela, depois de 15 dias em casa, a criança passou mal e foi internada em uma CTI devido a uma bronquiolite aguda. Um mês depois, voltou a ser internado com outro tipo de problema.

Maria Bezerra aconselha pacientes na UBS do Lago Norte
Maria Bezerra aconselha pacientes na UBS do Lago Norte (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

"Ele é muito pequeno, já teve uma história complicada de vida. Acredito que as doenças não ficam penas no plano físico, que devemos cuidar da energia. Acredito que as benzedeiras ajudam a liberar energias mais pesadas", diz. "No fundo, o que recebemos aqui é muito amor, acolhimento, coisas que não têm efeitos colaterais. Fico extremamente feliz em poder usar esse tipo de serviço em uma UBS. Precisamos resgatar essas práticas populares, poder cuidar de nós mesmos sem depender de médicos e medicamentos o tempo inteiro.

Ludmila Silva e o filho Théo: leveza, calma e energia
Ludmila Silva e o filho Théo: leveza, calma e energia (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

A vendedora Ludmila Silva de Assunção, 35, foi mais uma a comparecer na UBS do Lago Norte para participar do programa de práticas integrativas. Foi em busca de alento para o filho Théo, de 10 anos, que há um ano e dois meses vem sendo submetido a atendimento psicológico. "Ele sofre de depressão e irritabilidade e as sessões de descarrego surtem efeito imediato. Deixam meu filho mais leve, calmo, paciente e com mais energia, em casa e na escola. Eu, por minha vez, fico mais disposta e empoderada. A energia aqui ajuda bastante. O cheirinho gostoso das ervas ajuda nesse tratamento", conta.

Liliana Hamu e a filha Natália: busca de proteção mental
Liliana Hamu e a filha Natália: busca de proteção mental (foto: ED ALVES/CB/D.A.Press)

A vendedora autônoma Liliana Hamu, 37, e os filhos Davi, 13, que tem autismo leve, e Natália, 3, foi em busca de proteção mental para a família, que recentemente mudou de endereço e teve a rotina completamente alterada no processo de adaptação. "Fazemos acompanhamento psicológico, mas não está sendo suficiente. Por isso buscamos blindagem espiritual nas benzedeiras. Natália, por exemplo, ficou com imunidade baixa e muita tosse e Davi está crescendo muito rápido e se queixando de dores musculares", conta.

Segundo ela, as sessões, realizadas há quatro meses, servem como grande alento para todos. "Renovam nossas esperanças, influenciam muito em nossas vidas. Sempre, após as sessõe, tudo fica, automaticamente, mais calmo. As benzedeiras sempre nos dão ótimos conselhos e suas orações nos tocam profundamente. Elas têm sempre algo legal para compartilhar conosco. Acredito que o quesito principal, nesse contexto, é o psicológico . Nosso espírito é a nossa mente. Temos que tratar tudo por inteiro.

Lúcia Prôa: "A gente fica mais alegre, menos ansiosa"
Lúcia Prôa: "A gente fica mais alegre, menos ansiosa" (foto: Jáder Rezende/CB/D.A.Press)

A pernambucana aposentada Lúcia Prôa, 90, lembra que, desde criança, a mãe frequentava casas de benzedeiras a cada sinal de mal estar ou doença mais grave na família, prática que sempre este presente em sua vida. "A gente fica mais alegre, menos ansiosa depois dessas sessões. Tive uma trombose no pulmão que me deixou sequelas graves, como fraqueza, cansaço. Além disso, sofro de arritmia, problemas cardíacos. Fui a médicos e disseram que são sintomas normais, mas as benzeções e as rezas me deixam bem mais disposta. São um verdadeiro milagre em minha vida."

 

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