Eu, Estudante

BRASILEIROS NO TOPO DO MUNDO

Sabores do Brasil direto de Taguatinga para Lisboa

O chef Robson Oliveira, que trocou a música pela gastronomia, se prepara para abrir o segundo restaurante na capital portuguesa. "Desafio dos grandes", diz

Lisboa — A paixão de Robson Oliveira pela música se pronunciou aos 13 anos. Foi por volta dessa idade que ele ganhou de presente da mãe um saxofone que se tornou seu companheiro inseparável. Nos momentos de angústia e, claro, de felicidade, o instrumento lhe permitia extravasar. Era como se encontrasse a paz, o equilíbrio. Não por acaso, o menino cresceu certo de que seria músico. Essa relação com as melodias que saíam do sax foi intensa até ele completar 21 anos. Duas perdas imensas, da mãe e do pai, no entanto, levaram ao rompimento do jovem com o instrumento musical. Nunca mais ele tocou uma nota que fosse. "Acho que botei toda culpa pela morte dos meus pais no saxofone", diz.

Aos 44 anos, Robson acredita que ainda pode se reconciliar com a música. Mas, hoje, sua paixão é a culinária. Sentimento que se renova diariamente quando ele prepara os pratos para os clientes do restaurante que fundou, com três sócios, num cantinho especial na capital portuguesa, entre o charmoso Chiado e o Cais do Sodré. O Bono Lisboa abriu as portas em abril do ano passado. A fila por um dos 30 lugares do estabelecimento é constante. Tanto que foram criados dois turnos para acomodar aqueles que não abrem mão de um bom jantar. "Como só abrimos à noite, definimos dois horários para as reservas. Assim, todos podem saborear a comida com calma. E, também, não sacrificamos nossos funcionários", diz.

Arquivop Pessoal - Experiência como professor de cozinha das américas, no México

O chef Robson Oliveira nasceu em Taguatinga, uma das mais tradicionais regiões administrativas do Distrito Federal. Na adolescência, mudou-se para Brazlândia, onde morou até a perda dos pais. "Fui muito feliz nesses dois períodos. Tenho ótimas recordações", afirma. Sempre curioso, não hesitou em cursar história no Ceub, ainda que a preferência inicial tenha sido por ciências políticas. Queria entender a evolução da humanidade, o que, mais à frente, lhe seria extremamente útil. Por segurança, fez um concurso público para ter uma fonte de sustento. Entre a faculdade e o trabalho, começou a preparar pratos para amigos e familiares, que davam retorno muito positivo ao rapaz. Parte da curiosidade pela gastronomia era estimulada por programas de televisão.

"Depois do rompimento com a música, tomei consciência de que cozinhar também era uma forma de arte, não se tratava apenas de alimentar pessoas. Descobri novamente a paixão que eu tinha pela arte", conta. Da faculdade de história, foi direto para o curso de gastronomia. Ali, percebeu que só paixão não era suficiente para ser um bom cozinheiro. A técnica também era fundamental. Isso se explicitou quando surgiu a oportunidade de Robson estudar na França, templo da gastronomia. "Naquele período, já queria estudar fora do Brasil. Pensava em um país de língua inglesa, Estados Unidos, Austrália. Mas um amigo foi transferido a trabalho para Paris. Como ele sabia que eu adorava cozinhar, me disse: aproveite a oportunidade e vá comigo", relata.

Cozinha humanizada

Arquivo Pessoal - Robson e parte de sua turma de alunos do curso de gastronomia do Uniceub

Não foi fácil tomar a decisão de largar o Brasil, os irmãos, a segurança do emprego no setor público. Contundo, o jovem sabia que havia chegado a hora de dar um novo salto na vida. Inicialmente, estabeleceu um prazo para ficar na capital francesa, pois o dinheiro do qual dispunha era curto. Ficaria, no máximo, dois anos, que se transformaram em nove. O primeiro grande desafio foi aprender francês, pois não há possibilidade de alguém entrar para uma escola de gastronomia do país de Napoleão Bonaparte se não tiver conhecimento da língua. Os professores querem ter a garantia de que o que está sendo ensinado será realmente absorvido pelos estudantes. "Um chef diplomado por uma escola francesa tem que falar francês", frisa.

Depois de um ano mergulhado num curso de idioma, Robson se candidatou a uma vaga num dos centros de excelências da gastronomia da França, o Ceproc. E foi selecionado. O valor da mensalidade, porém, era bem mais alto do que ele podia pagar. O jeito foi se dedicar aos estudos durante todo o dia e trabalhar à noite em restaurantes de menor porte. "Foi puxado, mas me mantive firme", ressalta. "Estava vivendo, literalmente, 100% de culinária francesa. Na escola, não se permitia qualquer fusão de cozinhas. O aprendizado era todo sobre a comida daquele país. Tive a oportunidade de conhecer a gastronomia de todas as regiões da França, cada uma delas com características próprias", acrescenta.

Diante de toda a cobrança e da metodologia usada pelos professores, o menino que nasceu em Taguatinga teve a clara percepção de que não sabia nada sobre cozinha. Tinha, porém, a certeza de que queria aprender e de que a gastronomia havia laçado a sua alma. "Tudo foi se encaixando. Fui conhecendo as técnicas, os ingredientes, os temperos, os hábitos alimentares de cada região da França", assinala. "Além disso, tive o suporte da minha família, que, mesmo de longe, acompanhava todos os meus passos profissionais e, nos momentos de aperto financeiro, me ajudava", emenda.

Ainda no curso, Robson passou a fazer estágios em restaurantes estrelados. Para o currículo dele, era essencial. Tanto que várias portas se abriram depois que ele se formou. "Mas a cobrança era enorme. Os restaurantes são muito exigentes. E as cozinhas funcionam como no sistema militar, muito rígidas e hierarquizadas", detalha. O jeito era ficar quieto, ouvir muito e executar as ordens da melhor forma possível. "Eu, particularmente, não creio que esse seja o melhor modelo de gestão, com gritos. Por isso, no meu restaurante, em Lisboa, o ambiente é leve, aberto, todos participam. É o que chamo de cozinha humanizada", diz.

Força da história

Arquivo Pessoal - Recordação como aluno no Centro Universitário Iesb, em Brasília

Depois de nove anos na França, em 2015, Brasília voltou a dar as caras ao chef. Ele recebeu um convite de um hotel na capital brasileira para comandar toda a área de alimentação e, sobretudo, dar vida ao restaurante do estabelecimento. Antes mesmo de o acerto ser feito, ele retornou ao Brasil. O negócio, para sua frustração, não andou. Contudo, Robson teve a sorte de o Ceub, onde ele havia se formado em história, estar abrindo um curso de gastronomia e o chamar para repartir seu conhecimento com os alunos da instituição. Mais: ele poderia mesclar a história com a gastronomia. Afinal, é possível contar o comportamento de um povo por meio da alimentação.

"Foi perfeito. Mostrei como os índios se alimentavam antes da colonização europeia, todas as influências sobre a cozinha brasileira, a gastronomia nas Américas. E, claro, apontei que nenhuma cozinha, mesmo a francesa, é totalmente pura, sempre tem alguma mistura. A culinária francesa, por exemplo, bebeu um pouco na fonte da cozinha italiana", explica. Essa intimidade com as salas de aula empurrou Robson de volta para a Europa, desta vez, para Portugal, onde decidiu fazer um mestrado. É aí que começa a gestação do Bono Lisboa. "Comecei a pesquisar o mercado gastronômico de Lisboa. Pensava em ter um negócio meu, um restaurante bem pequenininho", conta.

O chef relatou, então, esse desejo a um casal de amigos — ele, italiano, ela, brasileira — que havia decidido comemorar o aniversário dela na capital portuguesa. "Pois eles viram a minha empolgação e me propuseram uma sociedade", disse. As únicas exigências foram que o restaurante fosse um pouco maior do que Robson estava pensando e que ficasse num local agradável e turístico de Lisboa. Negócio acertado, o projeto passou a ser executado. Era fevereiro de 2020. Um mês depois, o mundo é surpreendido por uma pandemia. "Tudo foi fechado. No entanto, pensei que seria um processo rápido, e continuei tocando o comércio", afirma.

Vários meses tinham se passado, o governo português abria e mandava fechar tudo, de acordo com a gravidade da covid-19. "Em novembro daquele ano, estávamos com tudo pronto para inaugurar o restaurante. Equipe formada e treinada, cardápio pronto. Contudo, tivemos de esperar até abril de 2021, quando, finalmente, o Bono abriu as portas", destaca. "Confesso, porém, que, se passassem mais duas semanas, o restaurante não teria se tornado realidade", admite. Os custos de manter algo parado, aluguel, pessoal, luz, água, estavam no limite. Os investimentos totais somavam 200 mil euros (R$ 1,06 milhão).

Arte de surpreender

Arquivo Pessoal - Com a equipe do Bono Lisboa: dedicação, realização e muita criatividade

Um ano e meio depois, o restaurante de Robson não só está se pagando, como ele e os sócios se preparam para abrir uma nova unidade do Bono. A dificuldade maior, desta vez, está em encontrar o ponto ideal. Há escassez de bons imóveis disponíveis em Lisboa, e os preços dos aluguéis estão elevadíssimos. "A ideia era que o novo restaurante fosse inaugurado neste ano. Vamos ver como tudo se desenrola", afirma o chef, que tem se pautado pela ousadia na hora de definir o cardápio do Bono, especializado em cozinha mediterrânea, com toques de cozinha brasileira e ingredientes tipicamente portugueses. "No nosso estabelecimento, somos muito abertos a sugestões, a criatividade é muito bem-vinda, todos participam", ressalta.

Robson acredita que a receita do sucesso decorre de vários fatores: saber ouvir críticas e tirar o que há de bom nelas; respeitar os funcionários, que não merecem uma jornada extenuante; entender o que o público quer; estar preparado para mudanças; e uma boa gestão. "O lucro do negócio vem como consequência", acredita. Ele reconhece, entretanto, que ser empreendedor não é fácil em nenhuma parte do mundo. "É preciso ter muita coragem. Pode dar tudo certo ou muito errado. Venho de uma família de comerciantes. Meus pais eram, meus irmãos são e meus sobrinhos, também", descreve. Está na veia.

Para o chef, há, no mercado da gastronomia, espaço para todos. "A cozinha não tem fronteiras", diz. Ou seja, é possível escolher um caminho, investir no que se acredita, mas com os pés no chão. A concorrência é grande, e o básico todo mundo sabe fazer. Para chegar ao patamar que se encontra hoje, o menino de Taguatinga teve de estudar muito e abrir mão de conceitos que se mostraram, ao longo do tempo, não serem os mais adequados para o que ele queria. "Ninguém consegue desenvolver um prato do zero sem conhecer as técnicas. Então, as minhas dicas são estudar e ter humildade", aconselha.

E que ninguém se surpreenda se, qualquer dia desses, Robson usar seu palco atual — a cozinha de seu restaurante, que é aberta ao público — e entreter a clientela com seu saxofone que está guardado há anos. "Tudo é possível", diz. Neste momento, a prioridade, como todos os donos de restaurantes, é fazer a diferença para convencer as pessoas a deixarem o conforto de suas residências para comer fora e ainda pagar por isso. A pandemia, lembra, mudou muito os hábitos dos cidadãos, que passaram a se alimentar mais em casa. "Recentemente, ouvi uma cantora brasileira falando sobre todo o esforço do público para ir a um show, quando poderia estar vendo de casa, sem nenhum transtorno. Com um restaurante, não é diferente. É preciso sempre surpreender", conclui.