Mesmo inserido no mercado de trabalho há 19 anos, Thiago Figueiredo, assessor de TI na diretoria de tecnologia do Banco do Brasil, já enfrentou preconceito no mercado de trabalho devido à deficiência visual. Ele conta que sempre recebia bons feedbacks nas entrevistas de emprego que participava, porém, quando a decisão seguia para os gestores, a contratação era barrada por conta da deficiência.
O assessor faz parte do baixo percentual de pessoas com deficiência que atualmente se encontram empregadas. De acordo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) divulgados pelo Ministério da Economia em 2018, dos 46 milhões de vínculos de emprego formal, somente 486 mil estavam direcionados às pessoas com deficiência, ou seja, 1%. Mesmo tendo o direito garantido pela Lei de Cotas (8.213/91), o mercado ainda é pouco inclusivo para esse público, que encontra barreiras na hora da contratação.
Thiago lembra que, antes dos 19 anos em que se encontra no mercado — 12 como concursado na prefeitura de sua cidade natal, Matozinhos, na Grande BH (MG), e sete no Banco do Brasil —, buscou, por várias vezes, por uma oportunidade de emprego, mas todas sem sucesso. Para ele, a contratação de pessoas com deficiência significa aumento da autoestima e uma maior e melhor participação na sociedade. Ao lado da cão-guia Mellie, uma golden retriver de sete anos, Thiago mora em Brasília desde 2021 e é formado em administração pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e pós-graduado em gestão de pessoas.
De acordo com os mais recentes dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 21 de setembro, a taxa de participação de pessoas com deficiência no mercado é de 28,3% — índice menor que o de pessoas sem deficiências (66,3%). Isso significa que, a cada dez pessoas com essas condições que buscavam um emprego, sete estavam fora do mercado de trabalho. Em relação ao salário, também percebe-se uma grande diferença. As pessoas com deficiência recebem, em média, salário de R$ 1.639. A quantia representa cerca de dois terços dos rendimentos das pessoas sem deficiência, que recebem uma média de R$ 2.619 por mês em 2019.
Para Carolina Ignarra, 44, CEO e fundadora da Talento Incluir — consultoria que já incluiu mais de 8 mil profissionais com deficiência no mercado de trabalho —, os empregadores encaram as pessoas com deficiência com um olhar estereotipado. "Sempre é aquela visão de coitadinha, de que somos incapazes. As empresas não entendem a importância da existência da lei de cotas e porque ela existe e, aí, elas atuam pra cumprir cota e não para transformar a realidade, que é o grande objetivo", afirma Ignarra, que, em 2020, figurou entre as 20 mulheres mais poderosas do Brasil da revista Forbes e foi eleita a melhor profissional de Diversidade do Brasil pela revista Veja.
Para ela, o principal motivo para a exclusão de pessoas com deficiência do mercado é a invisibilidade. "Infelizmente, os dados que são apresentados até hoje pelas pesquisas oficiais do IBGE são dados duvidáveis, porque a gente não tem esclarecimento social do que é ter deficiência. Então, no Censo, muitas famílias são questionadas 'você tem um filho com deficiência?'. Será que elas respondem quando elas entendem que seus filhos são especiais?", questiona.
Outro fator que corrobora a falta de inclusão, diz Ignarra, é a educação, que não é pensada para essa população. "As crianças e adolescentes com deficiência são excluídas dos momentos de recreação e, geralmente, nesses momentos é que aprendemos a nos socializar, a respeitar regras e hierarquias. Ou seja, há uma série de comportamentos sociais que não são desenvolvidos. Aí, quando chegamos no mercado de trabalho, temos maior dificuldade de atender a todos os requisitos que as empresas pedem", explica.
Tipos de deficiência
Segundo o relatório do IBGE, o Brasil contava, em 2019, com 17,2 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que representa 8,4% da população. O estudo analisou os diferentes tipos de deficiência e a inserção no mercado de trabalho: visual, 37%; auditiva, 28%; física (membros superiores), 17,9%; física (membros inferiores), 16,9%; mental, 5,3%; mais de uma deficiência, 12,9%.
O IBGE ressaltou as desvantagens enfrentadas por grupos populacionais — como mulheres e pessoas de cor ou raça preta ou parda — no mercado de trabalho. "Algumas desvantagens no mercado de trabalho são reconhecidamente maiores para mulheres e pessoas de cor ou raça preta ou parda. As mulheres exibiram menores taxas de participação em relação aos homens, e tal fenômeno atingiu, mais fortemente, aquelas com deficiência", afirma o relatório.
Para as mulheres pretas ou pardas, a condição de deficiência foi significativa, uma vez que 13,4% delas estavam desocupadas, enquanto a taxa correspondente àquelas brancas e sem deficiência foi de 8,3%. A taxa de formalização, por sua vez, retratou níveis menores para as pessoas sem deficiência em todos os recortes de sexo e cor ou raça na comparação com as pessoas sem essa condição: o menor valor foi observado para as mulheres pretas ou pardas com deficiência (30,6%), o qual correspondeu a cerca de 25 pontos percentuais abaixo daquele encontrado para os homens (55,0%) e as mulheres (56,1%) sem deficiência, de cor ou raça branca.
O estudo considerou ainda, como motivos para a falta de sucesso dessa população na busca por um emprego, fatores relacionados à dinâmica do mercado e a outras barreiras que atingem alguns grupos populacionais mais do que outros. "A inserção no mercado de trabalho, sobretudo a partir de ocupações formais, é um desafio para as pessoas com deficiência, as quais devem lidar com variados fatores adversos, como a inadaptação dos espaços em que transitam, tanto no local de trabalho como no deslocamento, o capacitismo, entre outros", aponta o estudo.
Oldemar Barbosa, assessor na unidade de segurança institucional do Banco do Brasil, é cadeirante. Ele afirma que ainda existe preconceito velado no mercado de trabalho e que muitas empresas preferem, na hora de contratar, selecionar candidatos com deficiências menos complexas, que exijam das instituições adaptações mais leves. "As empresas sempre tentam fugir dessa questão da contratação, principalmente de pessoas com deficiências mais graves ou severas, porque depende de adaptação no local de trabalho, no mobiliário, de boa parte do atendimento mesmo", lamenta.
Para mudar o cenário de desemprego, Oldemar sugere que as empresas do setor público devem atuar em conjunto na criação de programas de emprego exclusivos para pessoas com deficiência, além de criar cursos profissionalizantes voltados para essa população. A publicação Pessoas com deficiência e as desigualdades sociais no Brasil, do IBGE, analisou a taxa de participação a partir da divisão da força de trabalho (pessoas ocupadas e pessoas desocupadas) pelo total da população em idade de trabalhar (14 anos ou mais), para mostrar o engajamento dessa população no mercado de trabalho.
Falta de investimento
A consultora de recursos humanos da Tim Paloma Araújo da Silva, 35 anos, participa ativamente do recrutamento e da seleção de candidatos na empresa. Moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense (RJ), ela relata que, quando buscava por vagas no mercado de trabalho, existiam apenas ofertas de cargos operacionais para pessoas com deficiência (PCD). "Sempre quando eu procurava por vagas de emprego para PCD, me deparava com cargos de auxiliar e assistente. São poucas empresas que oferecem vagas de gerência. Precisei tirar do meu currículo a informação de que tinha deficiência", lembra.
Devido a um acidente de ônibus que sofreu aos 12 anos, Paloma perdeu os movimentos da mão esquerda e sente, até hoje, dificuldade para fazer atividades que requerem habilidade manual. Ela é formada em administração e recursos humanos graças a um subsídio que recebeu de uma empresa, na qual ingressou para se formar. Por trabalhar na área de RH, percebeu que nem todas as empresas estão dispostas a mudar o cenário de baixa inclusão de pessoas com deficiência. "Em uma das firmas que trabalhei, em 2016, precisava dispensar candidatos com algum tipo de deficiência porque a corporação não conseguia atender às necessidades da pessoa", afirma.
Para ela, as empresas devem investir não só em adaptação, mas, sobretudo, nas pessoas. "Para resolver esse problema de falta de inclusão a médio e longo prazo, precisamos, sobretudo, de programas estruturados que sejam voltados à formação das pessoas com deficiência", defende.
Médica do trabalho da Tim, Ryvia Rose Ferraz Bezerra, 51 anos, é vítima da poliomielite. Aos 9 meses de vida, ela perdeu o movimento de um dos membros inferiores, o que a faz ter certas limitações na movimentação. Atualmente, ela usa uma órtese que a garante maior autonomia e independência. Com 25 anos no mercado de trabalho, ela conta que, em 2015, chegou a pedir demissão da empresa que trabalhava por falta de acessibilidade.
"A estrutura não era adaptada. Tinha vários lances de escada e nenhum elevador. Mesmo com dificuldade, eu conseguia subir, mas toda vez que precisava fazer isso, me sentia desconsiderada. Tentei lutar para que houvesse alguma mudança, mas nada aconteceu", disse a médica, lembrando ter pedido demissão antes de completar um ano na empresa. Para a moradora da capital de São Paulo, a importância de ter pessoas com deficiência na empresa reside em garantir um ambiente saudável, com uma cultura que preze pela empatia. "É necessário incluir essas pessoas de fato, adotar um tratamento humanizado e desenvolver habilidades para o mercado", concluiu.
Gerente de diversidade e inclusão da TIM Brasil, Débora Oliveira reforça que a empresa, além de promover iniciativas de sensibilização na equipe, também deve prezar por ações de integração e incentivo à capacitação, qualificação e graduação. "Oferecemos aos nossos profissionais descontos nos cursos de graduação à distância. Queremos que nossos profissionais com deficiência cresçam dentro da TIM e com a TIM. Fomos eleitos, em 2019 e 2021, a operadora mais acessível pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)", ressalta. "Um ambiente diverso é capaz de gerar uma riqueza infinita de pensamentos, ideias e possibilidades, o que é saudável e necessário para qualquer ambiente de trabalho", completa.
Outra empresa que busca valorizar a inclusão é a Natura. Com espaços adaptados para receber pessoas com deficiência, o grupo vem adotando e ampliando ferramentas como a Libras (Língua Brasileira de Sinais) para que mais pessoas possam utilizá-la, em diferentes momentos de interação, com colegas com deficiência auditiva. Além disso, a empresa promove campanhas internas que visam combater o preconceito. Em 2020, por exemplo, foi implementada a Semana da Pessoa com Deficiência na Natura Brasil, com um conjunto de ações para engajar os funcionários acerca de um ambiente mais inclusivo.
Para a gerente de diversidade e inclusão da Natura &Co América Latina, Milena Buosi, "é importante que as empresas atuem como agentes de transformação social para, assim, gerar cada vez mais impactos positivos para a sociedade". Ela afirma que ainda há um longo caminho a ser percorrido até que a inclusão seja, de fato, uma realidade no mercado de trabalho. "Estamos chegando a um ponto em que essa transformação da gestão já não é mais opcional. Por isso, a importância de desenvolver estratégias sólidas, vinculadas, com ocorre nos negócios que envolvam completamente a liderança, e que se viva no dia a dia em todos os níveis da organização", conclui.
*Estagiário sob a supervisão de Jáder Rezende