Os primeiros resultados da eleição brasileira com o maior número de candidatos que se declararam pardos e pretos já indicam que estamos longe de termos, de fato, representatividade nos parlamentos e no Executivo. Questões como a afroconveniência e a resistência em escolher mulheres pretas como representantes do povo são, segundo especialistas, obstáculos a serem vencidos.
As contas do Quilombo nos Parlamentos (foto), criado pela Coalizão Negra por Direitos para reduzir hiatos de representatividade no Legislativo, ilustram bem o desafio. A iniciativa suprapartidária agregou mais de 120 candidaturas de pessoas ligadas ao movimento negro que concorriam a cargos no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas. Apenas 26 foram eleitas no último dia 2, sendo oito federais e 16 estaduais.
Na avaliação de Sheila de Carvalho, articuladora da Coalizão Negra por Direitos e diretora política do Instituto de Referência Negra Peregum, não houve avanços no pleito porque o número de representantes do movimento negro permaneceu o mesmo e deputados com longa trajetória de defesa de direitos da população negra não se reelegeram.
A expectativa da também advogada é de que os eleitos enfrentem muita dificuldade para conduzir avanços em pautas relacionadas à população negra, indígena e feminina. "As candidaturas vão ter bastante resistência dentro da Câmara e no Senado. O Senado, principalmente, tornou-se muito mais alinhado à política de morte contra a população negra. Precisamos nos preparar para uma Casa mais violenta e menos receptiva às nossas agendas", afirma.
Sheila pondera que o resultado do segundo turno presidencial ajudará a definir as estratégias de enfrentamento. "Muito depende também do resultado do Executivo, que pode ter uma influência dentro das Casas, especialmente na Câmara. Mas não há boas expectativas em relação a essa agenda", lamenta.
As candidaturas vão ter bastante resistência (...) Precisamos nos preparar para uma Casa mais violenta e menos receptiva às nossas agendas"
Sheila de Carvalho, articuladora da Coalizão Negra por Direitos e diretora política do Instituto de Referência Negra Peregum
Afroconveniência
Declarações reveladoras
O caso do candidato ao governo da Bahia pelo União Brasil, ACM Neto, talvez seja o maior exemplo de como a representatividade racial na política brasileira tem muito o que avançar. Na campanha do primeiro turno, ele se envolveu em uma grande polêmica ao se declarar pardo — houve especulações, inclusive, de que o político teria feito bronzeamento artificial para convencer o eleitorado. O fato é que a notícia não agradou aos baianos. ACM Neto que aparecia como favorito nas pesquisas, com boa margem de votos, quase perdeu para Jerônimo Rodrigues (PT) no primeiro turno. Cogita-se que a chamada afroconveniência tenha impacto no atual cenário — desde 2020, os partidos são obrigados a distribuir de forma proporcional a verba do fundo eleitoral e o tempo de propaganda gratuita entre candidatos brancos e negros (pardos e pretos). Muitos outros políticos são acusados de ter usado a estratégia. ACM Neto nega.
Nossa história
A primeira eleita
Filha de ex-escravos, Antonieta de Barros (foto) fez história. Ela conquistou uma vaga na Assembleia Legislativa de Santa Catarina e, aos 33 anos, se tornou a primeira mulher negra a ser eleita no país. O ano era 1934, quando, pela primeira vez, mulheres puderam votar e serem votadas para o Executivo e o Legislativo no Brasil. Educação de qualidade, emancipação feminina e reconhecimento da cultura negra foram temas defendidos por Antonieta, que também era professora, jornalista e escritora. É de sua autoria a lei que instituiu o dia do professor (15 de outubro) no estado. Depois, a data foi oficializada no país inteiro. Demorou 78 anos para que outra pessoa negra assumisse um mandato no Parlamento catarinense. Em 2012, foi a vez de Sandro Silva, como suplente convocado.
VOTE
20,95%
dos eleitores aptos a votar não compareceram às urnas. A próxima etapa pode, e deve, ser diferente. Quem não votou no primeiro turno pode votar no segundo sem a obrigação de já ter justificado a ausência. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considera cada turno uma eleição independente. Mas lembre-se: mesmo votando no próximo dia 30, você tem que justificar a ausência no dia 2. O prazo é de 60 dias.
DENUNCIE
Assédio eleitoral no trabalho
O Ministério Público do Trabalho tem um canal de comunicação direta para denúncias de casos de assédio eleitoral no trabalho. A prática ocorre quando o empregador influencia o voto de seus trabalhadores por meio de constrangimentos e ameaças e pode ser punida tanto no âmbito da Justiça Eleitoral (com pena de 4 anos de prisão e multa), quanto na esfera trabalhista. É possível fazer as denúncias no site mp.br/pgt/ouvidoria e pelo aplicativo MPT Ouvidoria, disponível na Play Store, para dispositivos móveis que utilizam sistema operacional Android.