Eu, Estudante

BRASILEIROS NO TOPO DO MUNDO

Jovem mostra a força e o talento da publicidade na Europa

O publicitário Luís Filipe Silva Pereira, ou melhor, Lupie, implementou e chefia em Portugal a agência Look'n Feel, que pretende transformar em uma corporação global

Lisboa — As histórias contadas por dois tios que moravam no exterior — um, jornalista, outro, pesquisador — encantavam o menino Luís. Era um deleite para ele saber que pessoas tão queridas já haviam estado em lugares que ele só conhecia pelas séries e filmes que via na tevê e no cinema. O encanto era tamanho, que o garoto assumiu uma missão: conquistar o mundo. Tão logo tivesse condições de se bancar financeiramente, partiria de Brasília para viver as próprias aventuras. Não demorou muito para que a vida lhe abrisse as portas.

Na entrada da adolescência, dos 13 para os 14 anos, a escola em que ele estudava programou uma viagem para a Disney, nos Estados Unidos. Praticamente toda a turma de sua sala embarcaria naquele projeto, mas, quando ele conversou com os pais, levou um choque. Eles lhe propuseram que, em vez de conhecer a terra de Mickey, fosse estudar inglês sozinho em Nova York. "Pensei: poxa, vou ficar longe dos meus amigos", conta Luís. Mas ele, depois de muito pensar, resolveu aceitar a proposta. Foram dois meses intensos de descobertas.

Arquivo Pessoal - Luís Filipe Silva Pereira, em Nova York, em 2010, quando viajou para estudar inglês.

A partir dali, o brasiliense Luís Filipe Silva Pereira, hoje com 28 anos, teve a certeza de que construiria uma carreira internacional. "Voltei para o Brasil certo de que, aos 16 anos, retornaria a Nova York para morar de vez", lembra. O descompromisso da adolescência, no entanto, prevaleceu num primeiro momento. O garoto relaxou nos estudos, montou uma banda de rock, empurrou o sonho de conquistar o mundo para o lado. Resultado: ficou em recuperação final em todas as matérias. Foi preciso que os pais lhe dessem uma chacoalhada. Disseram que, se ele insistisse naquele caminho, só acumularia derrotas.

Luís, então, caiu na real. Mergulhou com tudo nos estudos, passou em todas as matérias e, aos 15 anos, foi aprovado no vestibular da Universidade de Brasília (UnB) para engenharia da computação, curso que, de alguma forma, o ligava ao do pai, que é engenheiro. Os dois anos em que ficou na universidade e as dificuldades para encontrar um estágio resultaram em uma certa frustração. Ele, então, se transferiu para o Ceub, para a área de comunicação. Ali teve a certeza de que havia encontrado seu caminho. Era 2014.

Sem vaidades

Reprodução/Correio Braziliense - Luís Filipe, quando integrava a Banda Esquadra, na Praça dos Três Poderes

O primeiro estágio apareceu depois de muita insistência. "Mesmo tendo sido indicado para uma agência de publicidade, não tinha retorno. Mas não desisti, até que, um dia, recebi um e-mail me chamando para uma entrevista", conta. Contratado, foi mergulhando sem medo no mundo da propaganda. Aprendeu, em detalhes, como era o trabalho com contas governamentais, a importância de o setor público se comunicar com a população. Também adquiriu experiência em gestão de orçamento. "Isso me permitiu ter uma visão mais estratégica", destaca. Contudo, foi o fato de trabalhar com pessoas mais velhas, com mais experiência, que lhe permitiu construir as bases nas quais se sustenta hoje.

"Saber ouvir é muito importante, sobretudo ouvir pessoas com vivência e experiência", diz Luís. E ele fez isso por dois anos e meio, quando, novamente, a vontade de alçar outros voos falou mais alto. O jovem largou o estágio, trancou a faculdade e foi estudar em Londres. Matriculou-se num grupo especializado em estratégias. "Nos três meses em que fiquei na Inglaterra, conheci modelos mais horizontais de empresas, com mentalidade extremamente transparente, sem as vaidades dos chefes", relata. "Assim, quando voltei para Brasília, não consegui mais me encaixar nas agências que mantinham a estrutura vertical, com decisões de cima para baixo", emenda. Foi nesse momento que a vida colocou no caminho dele a Look'n Feel, cujo braço internacional ele comanda de Portugal.

Arquivo pessoal - Lembrança da infância: Luís Filipe e a irmã Giovanna

"Já no final da graduação no Ceub, participei do processo seletivo para a Look. Encontrei a mentalidade certa, uma agência trabalhando para pequenas empresas do Centro-Oeste", destaca. "Contudo, avisei que, depois de um ano, sairia do Brasil. Propus à Look trabalhar, a partir desse prazo, de forma remota. Fomos conversando, e eu, aprendendo. Quando esse período chegou ao fim, apresentei à agência um plano de internacionalização a partir de Portugal. Chegamos, inclusive, a estudar o mercado inglês, no qual tinha feito bons contatos, mas os custos financeiros eram inviáveis. A lei inglesa determina um faturamento mínimo para empresas estrangeiras e, se esse valor não for atingido, os donos devem deixar o país", diz.

No fim de 2018, Luís, que, agora, é Lupie, nome profissional com o qual ele se apresenta, já estava em terras lusitanas contactando possíveis clientes e procurando entender como as coisas funcionavam por ali. Em abril de 2019, o escritório da Look'n Feel escancarou as portas do outro lado do Atlântico. O primeiro ano de vida da filial portuguesa não foi fácil. "A primeira sensação foi a de não conhecer ninguém. Tinha, ainda, o fato de que, quando eu abria a boca, a identidade brasileira jogava contra. Chegava para as reuniões e vinha o espanto: ah, você é brasileiro. E tinha o fato de eu ser muito jovem", descreve.

Confiança

Arquivo Pessoal - Em palestra no Ceub, em 2017, sobre design thinking

Nada, porém, fez o garoto sonhador de Brasília desistir. Pelo contrário, ele investiu ainda mais no aprendizado e foi buscar formas de driblar as barreiras que se impunham, pois, em Portugal, os negócios são baseados na confiança. "Tinha que quebrar a imagem, entre os setores mais conservadores, de que brasileiro é aventureiro, de que não faz um trabalho sério. Sabia que aquilo era xenofobia, preconceito, mas decidi enfrentar", assinala Lupie. Foi necessário muita resiliência para superar uma questão que é latente em Portugal: o apadrinhamento de contas de publicidade de empresas.

"Mapeamos uma série de relações que só se davam por meio de indicação direta ou por meio de conhecidos. Coloco isso com muitas ressalvas, mas é um ponto característico de países com população inferior a 10 milhões de pessoas", frisa o publicitário. Pouco a pouco, os empecilhos foram caindo. "Senti que boa parte dos problemas estavam superados a partir do momento em que passamos a trabalhar com empresas portuguesas que vários concorrentes nossos valorizam muito, como a Declathon, a Takeda Farmacêutica, o grupo familiar tradicional José Cristóvão, de hotéis, a Espirituosa, que fabrica o licor Beirão", enfatiza.

Arquivo Pessoal - O sócio-diretor da Look em Portugal com sua equipe

Quatro anos depois de pisar na terra de Cabral, tudo é motivo de comemoração. "Atualmente, temos 12 clientes ativos. Já ganhamos alguns prêmios e estamos entre as 10 agências independentes mais relevantes de Portugal", comemora Lupie. "Nesse tempo, já atendemos mais de 40 clientes e administramos mais de 500 mil euros (R$ 2,7 milhões) em campanhas no mercado português e em outros cinco países da Europa", acrescenta. A meta, agora, é abrir uma filial da Look'n Feel em São Paulo e reforçar a presença internacional da empresa. "Estou feliz e orgulhoso por ter construído uma base capaz de ser escalada. Demoramos quatro anos para criar uma unidade operacional que nos permite, com calma e solidez, apontar novos caminhos", complementa.

No total, a empresa da qual Lupie é sócio tem 60 colaboradores no Brasil e 10 em Portugal. Ele conta que, no escritório que administra, optou, desde o início, por contratar mão de obra local, pois não queria terceirizar os serviços. "Seria mais barato executar os trabalhos no Brasil, mas tínhamos a convicção de que queríamos ser uma empresa portuguesa. Tanto que, quando chegamos no país europeu, não quisemos ficar ancorados na comunidade brasileira. Seria mais fácil e natural", diz. "Nosso escritório tem um impacto muito local. Estamos atuando em mais de cinco estados, o que é muito para um país do tamanho de Portugal."

Criatividade

Arquivo pessoal - Luís Filipe Silva Pereira, sócio-diretor da agência de publicidade Look'n Feel

Os próximos passos já estão traçados. "Queremos nos posicionar como uma das cinco empresas mais criativas de Portugal, diversa e inclusiva. E a perspectiva é tornar a Look'n Feel uma agência global", afirma. O jovem publicitário ressalta que a segurança na vida profissional está muito baseada da estrutura familiar sólida que sempre teve. "Eu, particularmente, mesmo estando fora do meu país, nunca me senti psicologicamente sozinho. Tenho uma família feliz e boa. Isso faz bastante diferença para enfrentar a distância e o desconhecido", complementa.

Há outro predicado do qual Lupie não abre mão: ouvir sempre aqueles que sabem mais. "Tenho clientes que me dão dicas muito importantes", destaca. E emenda: "Ser jovem me ajuda a trabalhar com muita intensidade, disposição física e mental. Mas ser jovem atrapalha quando estou em locais muito seniores, em conversas que me exigem a proficiência técnica que eu ainda não tenho". Ele lembra, ainda, que, antes de implantar e chefiar a Look'n Feel em Portugal, conversou com muita gente, e admite que deveria ter ouvido mais. "A minha sorte é que aprendi a trabalhar com pessoas bem mais velhas do que eu", faz questão de repetir.

Saiba Mais

Sobre empreender fora do país de origem, o publicitário afirma que é preciso muita estabilidade pessoal, porque a sensação de vulnerabilidade está sempre presente. "Talvez, se estivesse numa posição desfavorável, sem suporte familiar e de uma empresa que respeita seus profissionais, não teria conseguido chegar aonde cheguei", diz. Para os que querem se aventurar pelo mundo ou mesmo perto de casa, ele ressalta uma frase que ouviu nos muitos cursos que fez: "O empreendedor é um bicho que, muitas vezes, fica tão orgulhoso de si próprio, que perde o rumo. Empreender é pagar para aprender". Portanto, sonhar é ótimo, mas se empenhe pelo que quer, sem tirar os pés dos chão e sempre ouvindo quem tem a ensinar.