BRASILEIROS NO TOPO DO MUNDO

Pesquisando alterações do clima, brasileira brilha no México

Patrícia Piacsek se dedica a estudos que serão fundamentais para entender as mudanças climáticas e seus efeitos sobre a população

VICENTE NUNESCorrespondente
postado em 18/09/2022 06:00 / atualizado em 18/09/2022 06:00
Decidida a realizar um trabalho de qualidade, com impactos sociais diretos, a pesquisadora brasileira Patrícia Piacsek busca ampliar contatos com especialistas do mundo inteiro para investigar as mudanças climáticas. Na Universidade Nacional
 -  (crédito: Arquivo pessoal)
Decidida a realizar um trabalho de qualidade, com impactos sociais diretos, a pesquisadora brasileira Patrícia Piacsek busca ampliar contatos com especialistas do mundo inteiro para investigar as mudanças climáticas. Na Universidade Nacional - (crédito: Arquivo pessoal)

Lisboa — Quem perguntasse para a menina de 8 anos quais eram seus ídolos, ouviria em alto e bom som: Galileu Galilei, Louis Pasteur e Claude Monet. O espanto com a resposta era visível. "Me achavam uma criança muito estranha", diz, sorridente, a pesquisadora Patrícia Piacsek, hoje com 33 anos. Afinal, era inconcebível para uma garota da idade dela admirar tanto um astrônomo, um cientista e um pintor impressionista desconhecidos de boa parte da população adulta. Já naquela fase, o instinto de desbravar o mundo em busca de respostas para temas tão atuais, como o meio ambiente, estava latente. Nada a tiraria daquele caminho.

A primeira conquista de Patrícia veio aos 15 anos: ficou em segundo lugar em uma olimpíada de astronomia realizada pelo colégio em que estudava. Mas o que realmente chamou a atenção, na mesma época, foi a epifania que ela teve numa aula de biologia. A professora estava explicando a fórmula da fotossíntese e, inquieta, a menina decidiu reescrever os dados ao contrário. Acabou chegando à fórmula da respiração. "Ali, tive um clique de como a nossa existência está intrinsicamente ligada à existência das plantas", relembra.

Foi um sinal importante para a adolescente que adorava ciência e pesquisas, mas que ainda não sabia como trabalharia com aquilo, sobretudo num país que pouco valoriza o conhecimento. "Na época do vestibular, estava em dúvida entre biomedicina e biologia. Mas acabei optando por biologia, por ser uma área mais ampla", ressalta. A decisão, por sinal, frustrou um professor de história, que acreditava que a menina deveria seguir pela área de humanas. "Ele sentiu muito, contudo, no fim das contas, consegui conciliar biologia com história, ao mostrar o que aconteceu com o clima no passado e auxiliar a humanidade em decisões futuras", afirma.

Ajuda das cavernas

Brasileira no Museu de História Natural de Paris: exibindo a Amonita de 72 milhões de anos
Brasileira no Museu de História Natural de Paris: exibindo a Amonita de 72 milhões de anos (foto: Arquivo pessoal)

Quase duas décadas depois, Patrícia está na Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), onde faz pós-doutorado, atuando na área de mudanças climáticas. O grupo de pesquisa no qual ela está inserida estuda cavernas com o objetivo de medir as alterações nas precipitações de chuvas ao longo do tempo. "Analisamos espeleotemas, que são formações de calcário que crescem dentro de cavernas", explica. O crescimento desse material, que contém urânio, tem relação direta com o que aconteceu nos últimos mil e dois mil anos no México e na Guatemala.

Sua análise permitirá entender, por exemplo, se a quantidade de chuvas nessas regiões aumentou ou diminuiu e se isso pode resultar em períodos mais longos de seca ou mesmo na formação de áreas desérticas, com mudanças na vegetação. "Quando interpretamos os eventos climáticos na escala de tempo, percebemos relações globais. É possível fazer interpretações da disponibilidade hídrica em diferentes partes do mundo com base em outros registros paleoclimáticos", detalha. "E por que isso é tão importante? Porque nos ajuda a compreender o que se passa atualmente na Europa, que enfrenta uma seca absurda."

A fatura desses desastres climáticos pesa sobre todos, especialmente entre os mais pobres. A pesquisadora explica que períodos muitos longos sem chuvas resultam em queimadas e na menor produção de alimentos, cujos preços disparam. É o que se vê agora, com a comida cada vez mais cara e a fome se instalando em várias partes do planeta — no Brasil, são 33 milhões de pessoas nessa condição. Patrícia lembra que, antes de ir para o México, havia ganhado um prêmio internacional justamente sobre estudos paleoclimáticos nas cavernas do Peruaçu, no norte de Minas Gerais, uma região de transição entre o território mineiro e a Bahia, onde a sazonalidade é muito forte e a produção agrícola, bastante relevante.

"Estudar a precipitação (de chuvas) desta região e ver como ela responde ao clima global do passado dão suporte à modelagem de predição futura", assinala a cientista. Ela ressalta que são geradas informações que permitem entender como o clima atuou e, assim, abastecer os interessados, com dados empíricos, de projeções do que está por vir. Com isso, ficam mais fáceis as interpretações sobre como o clima vai afetar os sistemas agrícolas atuais, a ponto de gerar êxodos populacionais. "Os resultados dão subsídios para o desenvolvimento de políticas públicas, além de auxiliar na questão agrícola e oferecer instrumentos para que governos possam lidar com migrações de populações afetadas pelos efeitos climáticos", destaca.

Doutorado na Alemanha

Patrícia, com um grupo de pesquisadores, durante uma de suas expedições científicas
Patrícia, com um grupo de pesquisadores, durante uma de suas expedições científicas (foto: Arquivo pessoal)

A base para chegar a conhecimentos tão específicos e relevantes foi construída a partir da Universidade Federal Fluminense (UFF), onde Patrícia estudou. Durante a faculdade, estagiou no zoológico de Niterói, frequentou laboratórios de neurobiologia e acabou se encontrando na biogeoquímica marinha, que lhe permitiu descobrir mais relações entre o meio ambiente e os organismos marinhos que estudava. Entre esse período e o mestrado, ela se juntou a um grupo que estudava paleoclima com base em análises químicas no oceano. Mas os problemas inerentes a pesquisas apareceram.

"Enfrentei problemas de logística com as embarcações, em sua maioria da Marinha do Brasil, o que, consequentemente, levou a prejuízos nas coletas em campo. Por falta de tempo, acabei realizando um trabalho que não era relacionado com o que me propus a fazer no início do mestrado, o que me frustrou um pouco", relata Patrícia, que, encerrada essa fase, preferiu dar um tempo até regressar aos estudos para o doutorado, num contexto mais seguro para que todas as pesquisas pudessem, de fato, ser concluídas. Trabalhou, então, por dois anos como pesquisadora em uma empresa de base tecnológica voltada para qualidade de água no parque tecnológico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O instinto inquieto da menina que adorava Galileu Galilei, Pasteur e Monet e se deleitava com as fitas cassetes sobre animais extraordinários — presentes das tias — a fez entrar em contato com o professor Hermann Behling, na Alemanha, referência em vegetação tropical. Apesar de toda a gentileza do pesquisador, ela não obteve sucesso nessa primeira empreitada. Optou, então, por dar início ao doutorado na UFF. Terminou todas as disciplinas logo no primeiro ano e, no segundo, foi para a Alemanha, mais exatamente para a Universidade de Goettingen, onde aprendeu a identificar palinomorfos com o professor Behling. Fez o que se chama de doutorado sanduíche, reunindo os trabalhos das duas faculdades.

Da tese de doutorado, na qual foi analisado um material marinho que retrocede 130 mil anos, já saíram três artigos científicos internacionais apontando a influência da zona de convergência intertropical (ZCIT) tanto na paleooceanografia quanto na reconstrução da vegetação. "Essa zona de convergência é um cinturão de precipitação equatorial que atinge a região do Parnaíba, no Nordeste — em que se encontram diferentes biomas (cerrado, caatinga e floresta amazônica) —, durante os meses de março, abril e maio. No passado, essa precipitação não só alterou o montante de chuva, como, também, a direção e a intensidade dos ventos alísios (equatoriais) e a dispersão da pluma dos rios Parnaíba e Amazonas", explica, sem titubear nos termos técnicos.

Atraso brasileiro

A pesquisadora brasileira a bordo do navio oceanográfico Vital de Oliveira
A pesquisadora brasileira a bordo do navio oceanográfico Vital de Oliveira (foto: Arquivo pessoal)

A carioca não esconde o entusiasmo com o pós-doutorado no departamento de geociências da Universidade Nacional Autônoma do México. Mas se ressente dos poucos estudos que são realizados no Brasil na área em que atua. "No que tange à questão paleoclimática, infelizmente, existem poucos grupos de pesquisa no país. Apesar da excelência dos estudos gerados, ainda são poucas as instituições de pesquisa que realizam trabalhos de significância internacional", lamenta. Para Patrícia é preciso mudar o quanto antes esse quadro desanimador. "Estamos vivendo uma situação tão dramática, com efeitos climáticos extremos, cada vez mais presentes nas nossas vidas, que as pesquisas se tornam urgentes", diz.

No entender da pesquisadora, quando um país fomenta estudos paleoclimáticos, o montante de informação gerada aumenta vertiginosamente, dando suporte à sociedade. "Atualmente, esses estudos são realizados, majoritariamente, na Europa e nos Estados Unidos", assinala. Ela acredita que esse quadro só mudará no Brasil quando houver um engajamento maior do governo em relação à ciência e às pesquisas. Há, ainda, problemas ideológicos. No Brasil e no México, onde ela está, as autoridades questionam os alertas sobre as mudanças climáticas. "Percebi que o governo mexicano tem políticas muito similares às que ocorrem no Brasil hoje, não valorizando os financiamentos de estudos climáticos e cortando verbas para pesquisa."

Diante desse cenário, mesmo estando a pleno vapor em suas pesquisas, Patrícia reconhece que não tem como se deixar contaminar por uma certa frustração. "O Brasil vinha aumentando o número de publicações paleoclimáticas nos últimos 10 anos, mesmo com os cortes progressivos na pesquisa de pós-graduação a partir de 2016. No entanto, quando se olha para o que é feito no exterior, ainda é pouco", enfatiza. "Por isso, é inevitável ficar frustrada. Os pesquisadores querem fazer um trabalho de qualidade, que pode ter impactos sociais diretos. Percebo que muitos acabam o doutorado e ficam sem norte, não sabem o que fazer e, sem suporte, se desvirtuam, indo para outros setores", comenta.

Para Patrícia, é difícil ver tanto potencial desperdiçado. "Quando se dá condições aos pesquisadores, os resultados alcançados são incríveis", frisa. Percalços a parte, ela se orgulha da trajetória que construiu, muito por conta do apoio que teve em casa, dos pais, desde muito cedo. "Tive a sorte de nascer numa família em que meu pai e minha mãe são professores pesquisadores de universidades federais. Ambos, engenheiros químicos", conta. Para o futuro, ela pretende ampliar as redes de relações com pesquisadores e aprender novas ferramentas e formas de investigar as mudanças climáticas. "A minha intenção é regressar ao Brasil em algum momento, virar professora de alguma universidade, quando tiver um currículo que dê suporte, desenvolver pesquisa de qualidade e repassar esse conhecimento às próximas gerações. Esse é o meu sonho", conclui.

 

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