Considerada um dos principais nomes do feminismo negro, bell hooks completaria 70 anos no próximo dia 25. A autora de mais de 30 livros propõe uma revolução social idealizada por mulheres negras e baseada no potencial do amor e da educação. Embora sua produção tenha como referência a vida nos Estados Unidos, a pensadora e ativista, morta em dezembro, rompe fronteiras, sendo cada vez mais lida em outros países, como o Brasil.
"Ela nos faz pensar que a experiência violenta da escravidão reprimiu a nossa capacidade de amar, porque sobreviver era mais importante", ilustra Marjorie Chaves, coordenadora do Observatório da Saúde da População Negra (PopNegra), da Universidade de Brasília (UnB). Amanhã, Marjorie ministrará um curso de extensão sobre a produção teórico-política de bell hooks. As vagas esgotaram rapidamente — abrindo uma lista de espera para a próxima formação. Marjorie, que tem a "educadora amorosa" como uma das suas maiores referências intelectual e política, falou à coluna sobre o curso e as lições de bell hooks.
As vagas no curso foram preenchidas rapidamente. A que você atribui esse interesse grande pela obra de bell hooks?
Embora bell hooks tenha publicado seu primeiro livro no início da década de 1980, suas obras traduzidas chegaram bem mais tarde ao Brasil, e as edições nacionais ganharam força nos últimos anos. Esse processo tem feito com que o acesso às suas principais obras se torne cada vez maior, e as pessoas querem conhecer sua trajetória de vida, compreender quais são seus conceitos mais importantes e como seu pensamento serve para pensar a realidade brasileira, especialmente sobre as condições de vida das mulheres negras. Seus livros discutem a intersecção entre raça, gênero, classe social e as diversas formas de opressão em abordagens que envolvem crítica cultural, produção da memória e teorias pedagógicas, além de teorizar sobre o amor enquanto uma categoria com dimensão política.
A obra/vida dela é considerada uma revolução do feminismo. Como você a avalia?
Nascida Gloria Jean Watkins, em uma cidade rural ao sul dos Estados Unidos, ela adotou o pseudônimo bell hooks em homenagem a sua bisavó, utilizando grafia em letras minúsculas para dar destaque ao que escrevia e não a si mesma. Ela é umas das principais referências do pensamento feminista negro e propõe uma revolução social idealizada por mulheres negras que não admite qualquer tipo de opressão e que rejeita reformas. Com uma escrita pulsante e linguagem acessível, bell hooks apresenta sua teoria crítica feminista expondo os limites que o racismo impõe à solidariedade entre mulheres. Nesse sentido, é verdadeira a imprescindibilidade da sua produção para a teoria feminista, para os estudos culturais, para a pedagogia crítica e, especialmente, para a práxis de mulheres organizadas em coletivo em todo o mundo.
Para bell hooks, o amor é revolucionário. Como ela articulava isso?
Para bell hooks, a cultura de dominação é antiamor e demanda violência para se sustentar. Ela nos leva a pensar sobre o significado do amor em nossa cultura e salienta a sua centralidade como uma prática, como uma potência política e não apenas um sentimento. Aposta em uma ética amorosa, a partir dos movimentos por justiça social, capaz de detonar os sistemas de dominação e construir outro modelo de sociedade. Na sua perspectiva, o amor não está reservado à parceria romântica, ele é uma tarefa de todas as relações que tenham significado para nós. Uma sociedade guiada pela ética amorosa preza pelo bem coletivo.
E o que ela pensava sobre a educação?
A educação como prática da liberdade é uma menção constante na obra de bell hooks, que tem no educador Paulo Freire uma das suas maiores influências. Ela parte da própria experiência como aluna em escolas segregadas dos Estados Unidos para desenvolver seu modelo de prática pedagógica. A centralidade da sua experiência na formulação pedagógica é evidenciada em sua "trilogia do ensino", produzida entre os anos 1990 e 2000, tomando como referência a criação de estratégias de conscientização, os feminismos e o antirracismo. Para hooks, a educação como prática da liberdade está para além da mudança no currículo, mas na transformação da estrutura pedagógica do ensino, convertendo a sala de aula em uma comunidade de aprendizado.
Podemos falar em contribuições de bell hooks para o Brasil? Quais seriam?
Embora a produção de bell hooks tenha como referência a própria experiência como mulher negra nos Estados Unidos, sua produção contempla a realidade dos territórios da afrodiáspora nas Américas. Ela nos faz pensar que a experiência violenta da escravidão reprimiu a nossa capacidade de amar, porque sobreviver era mais importante. Em sociedades racistas como a nossa, em que grande parte da população negra ainda vive em condições precárias, os aspectos emocionais são negligenciados. Negras e negros ainda estão em um processo de aprender a amar como forma de encontrar a cura.
Música
Pluralidade no Festival Yalodê
A potência das mulheres negras vai ecoar, no próximo fim de semana, também em forma de música. O Museu Nacional da República será palco da segunda edição do Festival Yalodê, que segue pautado pela pluralidade de vozes e estilos. Talentos que emergem no DF, como as Margaridas, vão dividir o palco com nomes consolidados do cenário musical, como Fabiana Cozza, Indiana Nomma e Margareth Menezes. A artista baiana, aliás, fará, no domingo, um show com a conterrânea Nêssa. "São duas artistas potentes da Bahia que se encontram no palco pela primeira vez, aqui no DF. O festival é celebração e potencializador das produções negras da diáspora", diz Sara Loiola, idealizadora do evento e curadora. A estreia de Mayra Andrade, de Cabo Verde, em Brasília também promete ser outro ponto alto do evento. A expectativa da equipe — formada em sua maioria por mulheres — é reunir um público maior do que a edição de 2019, que reuniu mais de 10 mil pessoas. O evento é gratuito. Confira toda a programação no instagram.com/festivalyalode.