Na última década, especialistas já sugeriam um cenário em que ocupações tradicionais deixariam o protagonismo para que profissões do futuro ganhassem os holofotes. Entre elas, a de influenciador digital. Ao que tudo indica, o futuro chegou. E o Brasil já é visto como o país dos influenciadores. Estudo da multinacional Nielsen Media Research mostra que no país existem, hoje, pelo menos 500 mil influenciadores com no mínimo 10 mil seguidores cada. É mais do que o número de engenheiros civis (455 mil) e dentistas (374 mil), e por pouco empata com o total de médicos (502 mil).
O gerente de marketing da Codashop Brasil e especialista em marketing Raphael Negrão, observa que o influenciador nada mais é que um contador de histórias. "No final das contas, não seguimos pessoas, mas suas histórias e a forma como elas são contadas. O criador de conteúdo precisa prestar atenção em como o público está consumindo essa história nas plataformas", expõe. Assim, afirma ele, a competição gira em torno de quem tem a melhor narrativa. "Se o enredo for bem contado, ele tende a alcançar mais pessoas", ensina.
Com mais de 10 anos de experiência na área de marketing e publicidade, Negrão compara o cenário de influenciadores digitais de hoje ao de seis anos atrás. Agora, observa, os micro influenciadores ganham espaço e são, muitas vezes, preferidos pelas marcas em relação aos grandes influenciadores.
A mestre em administração e professora do Instituto Presbiteriano Mackenzie Mariana Munis é mais uma a afirmar que o Brasil é um mercado muito maduro e promissor para os influenciadores, mas pondera que, para atingir o tão sonhado sucesso, é preciso trabalhar com nichos.
A agência de marketing SamyRoad elencou os tipos de influenciadores de acordo com os seguidores e o faturamento. Os mega influenciadores, com mais de um milhão de seguidores, faturam, em média, R$ 500 mil por mês. Os macro influenciadores, aqueles que têm entre 200 mil e um milhão de seguidores, ganham em torno de R$ 100 mil mensais. Os médios, que figuram na faixa entre 20 mil e 200 mil seguidores, tem faturamento de R$ 30 mil. Já os micro influenciadores, que possuem entre 10 mil e 20 mil seguidores, recebem até R$ 15 mil mensalmente.
Brasília no mapa dos influenciadores
Brasília não escapa do fenômeno que alcança o resto do país. Os influenciadores digitais também conquistaram espaço no quadradinho, como é o caso de André Martins, 21 anos. Com quase dois milhões de seguidores em suas redes sociais, ele conta que sempre gostou de registrar tudo o que via e, ainda criança, andava com uma câmera na mão tirando foto de todo mundo, mas nunca planejou transformar a brincadeira em profissão. Estudante de jornalismo, ele começou a produzir conteúdos em 2016 e viu seu perfil crescer durante a pandemia.
Com mais tempo para se dedicar às redes, o que até então era um hobby se transformou em trabalho de forma rápida. "No final de 2019, eu comecei a ganhar muitos seguidores. Logo em seguida, fui convidado pelo próprio TikTok para um evento em São Paulo, e foi onde realmente entendi a proporção de tudo que estava acontecendo", conta André.
Com uma rotina puxada, o influenciador explica como equilibra a vida pública aos compromissos de faculdade, estágio e cursos. "Agora já é mais natural. Meus amigos já entendem a minha vida pública, então eles mesmos me ajudam, dando ideias para gravar, participando dos meus vídeos, assim como a minha família. Mas, obviamente, nossa vida não se resume àqueles 15 segundos dos stories. Vivo muita coisa que não posto. Apesar da minha vida ser meu trabalho, e meu trabalho ser minha vida, é preciso dividir para não virar uma coisa só", afirma.
André conta que ainda se surpreende com as particularidades de cada plataforma e que aprendeu a lidar com os desafios de trabalhar com a internet. "A internet é o pior e o melhor lugar para lidar com frustrações e expectativas, porque a gente convive diariamente com números. Então, realmente, é saber lidar, porque isso afeta muito, principalmente o psicológico. É tentar sempre dar o seu melhor e não ligar exatamente para o que o algoritmo está dizendo, mas sim para conteúdo de qualidade", diz.
Para ele, existe espaço para todos nas redes sociais, o segredo é ser autêntico. "A pessoa conquista seu espaço a partir do momento em que extravasa a sua personalidade, seu carisma, o jeito que edita os vídeos. Exatamente porque cada pessoa é única, então não tem como copiar. O público vai se aproximar porque vão se identificar com o jeito que você é", diz.
Segundo o influenciador, para fazer parte desse universo basta dar o primeiro passo. "Parece clichê, mas é fato: não é preciso ter o melhor celular, a melhor iluminação, o melhor cenário. Basta começar com o que se tem e fazer do seu jeitinho. No começo você não vai ter a melhor edição, a melhor técnica de filmagem, mas uma coisa que aprendi é que o feito é melhor que perfeito. Então, é só começar", afirma.
"Bem-vindos ao surto coletivo"
Youtuber, TikToker, produtor de conteúdo e empresário. Aos 25 anos, o influenciador Lucas Rangel já fez quase tudo na internet. Com mais de 61 milhões de seguidores, ele foi pioneiro na profissão de influenciador digital e ajudou a instituir a carreira. Aos que desejam fazer parte desse mundo, Lucas tem a resposta na ponta da língua: "Bem-vindo ao surto coletivo", diz, alertando que é preciso estar preparado para o que der e vier.
Lucas ficou famoso por meio dos seus vídeos de seis segundos para o aplicativo Vine, plataforma extinta do Twitter. Aos 16 anos e no ensino médio, em 2013 ele já fazia seu nome ao se tornar o maior Viner do Brasil. Considerado um "dinossauro" da internet, Rangel explica que a motivação para quem decidia produzir conteúdo ainda não era financeira. "Às vezes a gente queria ser Youtuber, queria ser tuiteiro, que na época eram as redes que bombavam. Mas por causa da fama, porque o dinheiro não vinha da forma que acontece hoje."
Do Vine ao TikTok, Lucas Rangel gera engajamento por onde quer que vá. No TikTok, por exemplo, são mais de 18 milhões de seguidores e 440 milhões de curtidas em seu perfil. Seus vídeos chegam a bater milhões de visualizações. Ele afirma que, para se manter no topo, é preciso transitar entre as plataformas. "O público transita para novas redes, novos conteúdos, novos formatos, porque existe sempre uma necessidade de estar em um novo lugar, de conhecer algo novo. É o que sempre falo com influenciadores que estão há mais tempo na área, como eu." Amigo de influenciadores como Gkay e em um relacionamento com Lucas Bley, Rangel ressalta a importância de saber ceder. "A gente não pode se colocar no lugar de não ceder a trends, porque não funciona assim. O público vai para esse lugar e aí você vai perdê-los se você não for."
Há quase 10 anos produzindo conteúdo para a internet, Rangel chegou a publicar um livro, comandar o programa de TV Rangel, Câmera, Ação!, no SBT, e estreou na plataforma de streaming Netflix com o filme Flops: Agentes Nada Secretos. Ele conta, ainda, que o mais difícil não é alcançar a popularidade, mas mantê-la. "O trabalho de influenciador vai muito além de postar um vídeo de 15 segundos ou um conteúdo viral no YouTube. O segredo do trabalho do influenciador é se manter, porque viralizar é muito fácil. O negócio é viralizar por 10 anos", diz.
REDES SOCIAIS
Conteúdos bem elaborados podem se transformar em belas cifras
Agricultora aposentada, ex-babá, ex-cozinheira e mãe de quatro filhos, a potiguar Maria Lúcia Pereira, 58 anos, virou fenômeno nas redes sociais ao compartilhar a vida exatamente como ela é. Em meio a conteúdos que fabricam a ilusão de uma vida perfeita, ela faz sucesso mostrando a vida real em formato de vlog. A “influencer da roça”, como ficou conhecida, acumula mais de três milhões de seguidores em suas redes. Na cidade de Riachuelo, no interior do Rio Grande do Norte, exibe sua rotina de acordar cedo, cozinhar, alimentar seus animais e cuidar da casa. Para ela, o segredo para ter viralizado tanto é o sorriso no rosto. “As pessoas acham legal mostrar o dia a dia, a vida simples, com alegria, vendo sempre o lado positivo de tudo, sem reclamar”, diz.
Nascida em Caiçara do Rio do Vento, no Rio Grande do Norte, Maria Lúcia lembra a época em que morou em Natal e em São Paulo. Conta que gosta dos centros urbanos, mas prefere morar na área rural. "Estou sempre voltando para a roça, para as minhas raízes", afirma. Ela explica que quem começou a postar foi sua filha. "Ela teve a ideia de comprar uma sobremesa e fazer um vídeo para mostrar aos irmãos." Pensando estar fazendo um vídeo para os filhos, Maria Lúcia se assustou quando, 24 horas depois, se deparou com mais de cem seguidores em seu perfil.
Os vídeos de Maria Lúcia ganharam visibilidade nacional de forma rápida. Com quase um ano de postagens — a primeira foi em outubro de 2021 —, os conteúdos começaram a dar retorno financeiro. "Eu estou caindo na real, vendo que dá pra viver das redes sociais."
A experiência com as redes ensinou Maria Lúcia que ser genuíno pode levar qualquer um longe. E até arrisca dicas para quem sonha em trabalhar com a internet. "As pessoas gostam da realidade. Tem gente que já me viu pessoalmente e diz que eu sou igualzinha aos vídeos. Não sou de maquiagem, de filtro. Sou a mesma Maria dos vídeos."
Novos projetos
Ramon Vitor Teodoro de Freitas, 22, também aposta no sucesso ao compartilhar sua rotina. Nascido e criado em São Paulo, ele decidiu se mudar para Ilhéus, na Bahia, no fim de 2021, para ficar mais próximo da mãe. A história de Ramon com a internet é antiga. Ele conta que encontrou na internet o melhor refúgio para os problemas que enfrentava na cidade grande. Foi quando conheceu o YouTube. “O primeiro vídeo que apareceu começou com ‘Oi, oi, gente, meu nome é Kéfera’. Um ano depois, no fim de 2013, começou a postar vídeos na rede e se apaixonou pela carreira
O processo para Vitor se encontrar como produtor de conteúdo foi longo. “Quando morava em São Paulo, tinha um grupo de amigos que também gravava e a gente observava o que o outro ia fazendo, o que estava em alta.” Mas Ramon não se sentia representado pelo conteúdo que entregava. “Eu queria que as pessoas conhecessem quem era o Ramon, o que eu gosto, mas os vídeos que eu fazia não passavam a minha essência. Depois que vim pra Ilhéus, minha realidade mudou. A minha casinha é bem mais simples comparada ao padrão da internet.E eu pensei: ‘eu vou fazer dessas dificuldades o meu conteúdo’.”
Desde 2013 na internet, Ramon chegou a alcançar 500 mil seguidores em 2021, mas não fazia dinheiro com os vídeos. Com mais de oito milhões de seguidores no TikTok e 772 mil no Instagram, o influenciador ainda trabalha em um quiosque na praia, onde pode gravar sua rotina. Agora, com novos projetos em mente, ele relata que o trabalho como influenciador também encontra burocracias. Na mais recente parceria fechada, ele conta que precisará esperar três meses para receber o valor acordado. Como “as contas não param de chegar”, o jovem continua trabalhando.
Camaleoa
A jornalista Juliana Goes, 37, se especializou em redirecionar suas rotas no meio digital. A criadora de conteúdo já transitou entre vários nichos e reúne muitas personas em uma só. Na internet desde 2009, a influenciadora, blogueira e ex-BBB se encontrou no caminho do autoconhecimento e lifestyle. “Isso é muito característico da minha essência. Hoje, quando olho para trás, sou muito feliz porque vejo que foi um movimento inconsciente”, diz
A influenciadora digital conta que os anos de experiência a ensinaram sobre versatilidade. “É preciso acreditar no seu papel e reproduzir seu conteúdo em diferentes linguagens para diversas plataformas”, afirma. Ela entende a necessidade de estar aberta a novos aplicativos e praticar o desapego, mas ressalta a importância de manter um critério na hora de decidir o que postar. “Não quero me vender nem perder minha autenticidade, mas ainda sou um veículo. Ainda tenho um lado comercial e preciso, de alguma forma, ter uma estratégia.”
Juliana conta que, por anos, se incomodou com o rótulo de ex-BBB. “Sei que foi um momento importantíssimo da minha história, mas até então era como se o resto fosse irrelevante. Mexia muito com minha identidade. Hoje, não me importo que esteja em pauta, mas me sinto como outra Juliana. É difícil achar uma palavra só, porque essa multiplicidade é importante para mim. Sou empreendedora, investidora, tenho muitos papéis. Mas ainda sou a Juliana jornalista, comunicadora, criadora de conteúdo. E ex-BBB também.”
"A vida de influencer me escolheu"
O ex-estudante de medicina Lucas Bley, 30, não premeditou a sua carreira como influenciador digital. Só considerou produzir conteúdo para internet depois de tornar público o seu relacionamento com Lucas Rangel. Durante os sete primeiros meses de namoro, Bley preferiu manter o anonimato. "Não foi algo em que eu pensei 'vou entrar na internet para trabalhar'. Eu nem sabia como é que funcionava, para ser sincero. As coisas vão acontecendo bem naturalmente e de degrau em degrau", afirma.
Em 16 de junho de 2021, Bley e Rangel anunciaram o namoro. Em 22 de julho, Bley começou a postar publicamente no seu perfil pessoal do Instagram, criado para compartilhar fotos e vídeos com familiares e amigos próximos.
"Eu comecei a fazer os vídeos conforme fui entendendo o que o pessoal queria, porque tudo começou com quem queria me conhecer. Fui bem no meu tempo, entendendo dos meus gostos, criando e pensando no que eu podia levar para eles me conhecerem."
Bley conta que depois que começou a trabalhar com a internet sua vida virou do avesso. "Antes eu era uma pessoa totalmente tímida, que ficava no cantinho da biblioteca, passando horas e horas estudando medicina. Agora, tive que lidar com um lado que nem eu mesmo conhecia de verdade, de criação, de ideias, de animação. Um lado meu que estava escondido. Hoje eu amo e vejo que tenho muito mais prazer em estar nessa área", afirma.
Apesar dos mais de três milhões de seguidores nas redes sociais, Bley ainda não se considera uma pessoa famosa ou com vida pública. "Sempre tentei preservar essa parte do anonimato, pelo menos na minha cabeça", afirma.
Compromisso com o público
Nathália Rodrigues na certidão, na internet, Nath Finanças. A educadora financeira destaca a importância de produzir conteúdos responsáveis e de credibilidade. Considerada a nona maior influenciadora de finanças do Brasil em pesquisa realizada pela agência Nexxt Communications, Nathália conta que começou a produzir conteúdo quando ainda era estagiária, para falar sobre educação financeira com o público de baixa renda. "Quando eu criei o canal, foi com a projeção de ajudar outras pessoas como eu, que eram trabalhadores assalariados, bolsistas, estudantes, quem estava no corre", afirma.
O objetivo não mudou. Agora formada em administração e com renda exclusiva do trabalho como influenciadora, Nathália diz que falar sobre finanças para seu público ainda é um desafio. "Agora eu tenho uma situação financeira mais confortável, mas a gente sabe que o público que me acompanha está passando por dificuldades, está usando o cartão de crédito para fazer compras essenciais. É muito desafiador para mim, como Nathália, como orientadora financeira, trazer esse conteúdo de forma acessível, e também ter a consciência de classe de que a educação financeira não vai resolver todos os problemas do mundo, mas vai ajudar a pelo menos não ter uma bola de neve e evitar armadilhas", diz.
Nathália conta que trabalhar com a internet reestruturou não apenas a sua vida financeira, mas a sua forma de se relacionar. "As pessoas também mudaram. Elas não enxergaram a Nathália Rodrigues, enxergaram a Nath Finanças. E não é ruim, mas as pessoas olharam para o que eu tenho, e não para o que eu sou. Quando você tem fama e, consequentemente, dinheiro, isso mexe com suas relações, porque algumas acabam não ficando."
Ciente da demanda da internet por vídeos mais curtos, Nathália explica que prefere utilizar a ferramenta apenas para apresentar o seu perfil a novas pessoas. "Não gosto de deixar em 15 segundos os dados sobre finanças, porque o meu conteúdo é uma informação. E se a gente faltar com uma palavra, um texto, acaba causando a desinformação", diz. Com mais seguidores no Twitter (520 mil) que no Instagram (457 mil), ela afirma que não tem o sonho de viralizar na internet, como muitos têm. Prefere ser reconhecida aos poucos. "Prefiro crescer de cem em cem, de mil em mil, do que, de repente, ter um milhão, 500 mil seguidores. Prefiro fazer aos poucos, porque daí eu tenho até direito de errar. Se um dia eu errar, aquelas pessoas que estão comigo já sabem quem eu sou."
Estagiária sob a supervisão de Jáder Rezende